quarta-feira, 29 de abril de 2009

texto da CUT de 1994 sobre os operários rurais

Trabalhadores: As contradições no campo
em 02/03/1994 1488 leituras)
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Os trabalhadores rurais continuam submetidos a uma superexploração. As relações de trabalho no campo ainda lembram a escravidão, apesar de todo o progresso técnicopor Nivaldo Albino da Silva*A implantação do modelo de desenvolvimento capitalista na agricultura brasileira a partir da década de 70 determinou transformações na estrutura da produção neste setor. Estas transformações contribuíram para a consolidação do mercado de trabalho nacional e para adequação da força de trabalho às novas imposições do capital.A concentração da terra, da renda e da tecnologia expropriou um grande contingente de trabalhadores rurais que em grande parte transformaram-se em trabalhadores assalariados no campo. Dados do IBGE mostram que há aproximadamente 7 milhões de assalariados rurais no Brasil, de um total de 14 milhões de pessoas ocupadas na agricultura e de um total de 62 milhões de pessoas ocupadas no país.Hoje, um contingente significativo de pequenos produtores pauperizados, marginalizados das políticas governamentais, subordinados à exploração do capital comercial, não consegue mais manter-se com os ganhos de sua própria produção, necessitando empregar-se como assalariado na agricultura e em outros setores da economia.Os trabalhadores que se empregam mais intensamente em determinadas fases do ciclo produtivo das grandes lavouras constituem os assalariados temporários do campo. Residindo nas periferias das cidades que margeiam as grandes lavouras agrícolas ou migrando de regiões distantes em busca de trabalho (principalmente no período de corte ou safra das grandes plantações), estes trabalhadores contribuem para a formação do mercado de trabalho em nível nacional. Além de estarem submetidos à superexploração econômica estão sujeitos a péssimas condições de trabalho e de vida. São encontrados freqüentemente nas grandes produções de cana, café, cacau, sisal, reflorestamento, laranja, frutas tropicais, entre outras.À medida que o progresso técnico é absorvido por todas as etapas de produção, as empresas exigem maior qualificação da mão-de-obra e adotam novas estratégias de aliciamento e controle. A contratação dos trabalhadores mais especializados leva em consideração o aproveitamento em todas as etapas do processo de produção, formando o contingente de trabalhadores permanentes. Nestas situações os empresários priorizam seus investimentos na construção e melhorias das condições dos núcleos coloniais, para reter esta mão-de-obra próxima à unidade de produção. São freqüentemente encontrados nas empresas reflorestadoras e nas empresas produtoras de cana (para a produção de açúcar e álcool) localizadas nas regiões mais desenvolvidas.Há também os bóias-frias/diaristas das grandes plantações, das carvoarias, os empregados de agropecuárias, que estão submetidos às mais distintas relações de trabalho, em geral caracterizadas pela superexploração e clandestinidade.Os contratos de trabalho dos assalariados rurais estão intimamente ligados com a sua condição, ou seja: os trabalhadores permanentes têm seus contratos firmados diretamente com as empresas rurais; os temporários podem estar vinculados diretamente às empresas rurais, a empresas aliciadoras de mão-de-obra ou empreiteiros.Os assalariados rurais de algumas agroindústrias conseguiram através das campanhas salariais transformar um conjunto de reivindicações trabalhistas em cláusulas de contração coletiva, através de convenções ou dissídios coletivos. Porém, essas cláusulas são solenemente desrespeitadas pela classe patronal. Em muitas circunstâncias, as Delegacias Regionais do Trabalho têm sido coniventes com esta situação à medida em que não realizam uma fiscalização efetiva, mesmo diante de denúncias de arbitrariedades encaminhadas pelo movimento sindical.A característica geral das relações de trabalho na área rural é de superexploração, conservando ainda, paralelo a todo o progresso técnico, relações que lembram o escravismo e são marcadamente autoritárias.Cerca de 5 milhões de assalariados rurais não possuem carteira assinada e estão sem garantia de seus direitos trabalhistas (13º salário, férias, FGTS e previdência social).Os acidentes no transporte e a intoxicação por uso indevido de agrotóxicos são freqüentes e têm causado morte e invalidez de trabalhadores.Os alojamentos são em geral insalubres e são cobradas taxas elevadas no preço da comida e outros produtos da cantina, causando a dependência cada vez maior do trabalhador, que quando vai pagar a conta deve mais do que recebeu de salário.A subestimação do rendimento do trabalho na produção, ou mesmo a grande quantidade de tarefas tem impedido que os trabalhadores façam na produção o correspondente à diária, ao salário. Nestas circunstâncias recorrem ao filho ou à mulher, que são incorporados à produção como trabalho gratuito, como "ajuda". Isto acarreta outros problemas como, por exemplo, o afastamento do filho (em geral menor) da escola.A reestruturação de diversos setores agroindustriais, em especial o sucroalcooleiro, com a mecanização e deslocamento de capitais, tem causado um desemprego estrutural, com eliminação de postos de trabalho sem a criação de outros. Com isso grandes contingentes de trabalhadores estão sendo excluídos da produção e engrossando as filas dos miseráveis deste país.Além do descumprimento destes direitos básicos, outro comportamento remanescente do autoritarismo soma na negação da cidadania do trabalhador assalariado rural: o impedimento do trabalho sindical. Em geral as empresas não permitem que os delegados sindicais circulem livremente nos locais de trabalho, impossibilitando a fiscalização das condições de trabalho e a organização dos trabalhadores. A demissão costuma ser a punição.Também não reconhecem sindicatos que não sejam aqueles da estrutura oficial, para as mesas de negociação, e restringem a contratação coletiva quase que às pessoas que exercem a mesma tarefa, fragmentando a negociação.Organização sindicalA organização sindical dos trabalhadores rurais ainda segue, predominantemente, o modelo unicitário. Cada município tem um sindicato de trabalhadores rurais que aglutina pequenos agricultores, bóias-frias, assalariados e sem terras. Estes sindicatos estão reunidos em uma federação (algumas filiadas à CUT, outras apenas à Contag) ou departamentos estaduais que são as instâncias do Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais - DNTR/CUT. Em nível nacional existem o DNTR e a Contag.As manifestações diferenciadas das contradições entre empregadores e trabalhadores do campo e a trajetória de luta dos trabalhadores rurais têm evidenciado a necessidade de reformulação desta organização e prática sindical. O legado histórico do sindicalismo corporativista, atrelado ao Estado, tem sido um entrave na organização dos trabalhadores rurais, tanto para suas reivindicações econômicas específicas, como no plano mais geral de luta.No âmbito da CUT surgem algumas experiências de sindicatos específicos de assalariados rurais. Estas experiências são recentes e começam a ser analisadas como subsídio para a nova estrutura sindical defendida pela CUT. Esta deve estar baseada nos princípios da autonomia e liberdade sindical. O DNTR tem deliberado a criação de sindicatos diferenciados de pequenos agricultores e assalariados rurais, de base regionalizada ou mais ampla possível. A construção destes sindicatos busca garantir a legitimidade de representação dos sindicatos na medida em que respondem melhor à necessidade organizativa dos trabalhadores.A organização por local de trabalho fundamental para uma relação verdadeiramente democrática no mundo do trabalho - é um dos principais problemas na área rural, tanto para os pequenos agricultores como para os assalariados rurais.Os assalariados rurais têm apresentado grandes dificuldades de organização e mobilização. Sua inserção diferenciada nas etapas do processo de produção, a segmentação por formas diferenciadas de contratação, sua rotatividade por diferentes culturas, a combinação de trabalho assalariado com a pequena produção, a repressão patronal e do Estado torna a organização no local de trabalho quase impossível. Nos locais de moradia é onde se abre o canal de organização, ultrapassando inclusive os limites do município e do estado para criar uma identidade mesmo entre os migrantes.A organização do ramo de produção ainda é ponto de discussão na CUT. Também a integração com outras categorias das agroindústrias nas negociações coletivas é um debate que vem amadurecendo e se tornando uma necessidade para garantir conquistas aos trabalhadores.Contratação coletivaPensar em Contrato Coletivo de Trabalho na área rural implica pensar relações democráticas de trabalho. Predominando a mentalidade escravista dos empregadores rurais, nem mesmo contrato existe. Não há possibilidade de discutir contratação coletiva se não existir respeito, autonomia e liberdade para a organização sindical; reconhecimento dos sindicatos na hora da negociação; organização sindical no local de trabalho; obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações coletivas; estabilidade no emprego para os representantes eleitos; garantia aos sindicatos do direito de fiscalização do cumprimento da legislação e dos contratos de trabalho.A garantia dos direitos básicos deve estar acima de qualquer negociação ou contrato. A cidadania é o elemento fundamental de um Estado democrático.Além disso, a reestruturação agroindustrial terá que ser repensada ampliando o conceito de modernização, que não deve ser entendido apenas como fator de aumento da produção/produtividade, mas deve pensar na melhoria das condições de vida e de trabalho dos assalariados. Como pensar em Contrato Coletivo de Trabalho na área rural se a exclusão através da seletividade e do desemprego estrutural aumentam em proporções geométricas? A modernização somente será efetiva se estiver dentro de um projeto de desenvolvimento que faça uma distribuição de renda e propicie efetiva melhoria das condições de vida da população.
*Nivaldo Albino da Silva é secretário Nacional de Assalariados Rurais no DNTR/CUT.

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