A Venezuela, com a sua assim chamada “revolução bolivariana”, tem se transformado na nova febre da esquerda, que procura mais um “atalho” para o socialismo depois da catástrofe que foi o fim da URSS. Por isso, é necessário analisar o papel do movimento bolivariano e de seu dirigente, o coronel Hugo Chávez, para mantermos a perspectiva de independência de classe indispensável para refundarmos a Quarta Internacional.
Em primeiro lugar, o governo Chávez nem mesmo é o produto da chegada de setores do movimento operário à presidência, como a Frente Popular do MAS na Bolívia. É, sim, um governo nacionalista burguês que, ao contrário, organiza sua base proletária sob a tutela do Estado, no estilo do peronismo e do varguismo. Inclusive, nem mesmo chegou a tocar na questão indígena e na da mulher, apenas criando “movimentos” que servem quase exclusivamente para apoiar o governo. Toda a estrutura do “movimento bolivariano”, desde os Círculos Bolivarianos (que fazem medidas assistencialistas para os pobres) até a central sindical UNT, está submetida, tanto politica como organizativamente, ao Estado. O próprio Chávez chamou os defensores de uma certa “autonomia” de contra-revolucionários. Ou seja, do ponto de vista principal, que é o da autonomia da classe trabalhadora, Chávez é um inimigo a ser combatido.
Outros setores, como o conjunto do stalinismo, a UIT (no Brasil, CST), Movimento (PP-MES), SU, o lambertismo (O Trabalho) e TMI (Esquerda Marxista do PT), caracterizam que Chávez ou é antiimperialista ou toma medidas antiimperialistas. O SU e a TMI, inclusive, acenam com a possibilidade de Chávez encabeçar uma revolução socialista. Na verdade, Chávez está totalmente comprometido com a batalha “subterrânea” inter-imperialista mais importante da nossa época: a luta da União Européia para formar um bloco que se oponha aos EUA na partilha do mundo. Ou seja, o anti-americanismo de Chávez, assim como o do anti-semita Ahmadinejad e de uma parte das burguesias árabes, é uma desculpa para as suas posições pró-européias.
Os contratos de concessão da exploração do petróleo pela Repsol espanhola e a luta pela formação do bloco político e econômico sub-imperialista da ALBA (já que as burguesias latino-americanas e a burocracia cubana não têm condições econômicas de construir um loco real, criando, no máximo, um “cartel” de exportadores de matérias-primas), assim, são uma manobra para diminuir progressivamente o papel dos EUA como mercado para a Venezuela, o que permitiria uma maior independência em relação a este imperialismo.
Por outro lado, as políticas compensatórias (cruzadas educativas, médicos cubanos etc) e até as concessões reais (como a reforma agrária muito parcial) têm o objetivo de emblocar a classe trabalhadora na sua frente pró-européia. É um tipo tardio do que Trotsky chamou de “bonapartismo sui generis”, em que o governo na verdade tenta vender o país, em melhores condições, para outro imperialismo.
Diante disso, e da resistência golpista da ala pró-americana da burguesia venezuelana, a maior parte da esquerda se divide entre o “fã-clube” incondicional de Chávez, e ser seus conselheiros de esquerda. Outro setor, formado principalmente pela LIT (PSTU no Brasil), MRQI (PCO) e FT (LER), todos caracterizando-o como bonapartista, apenas propõem a “autonomia” e a “Independência” em abstrato em relação a ele. Essa divisão também acontece no PRS (Partido Socialismo y Revolución), formado para ser o “setor operário” do chavismo, entre a ala chavista descarada de Stálin Borges e a chavista envergonhada de Orlando Chirino (que, por acaso, reproduz a linha do racha internacional da UIT). Ambos chamaram voto em Chávez nas eleições de 2006, rompendo o marco de classe, assim como a LIT também fez.
Esta situação pode ser claramente vista se acompanharmos os embates principais desde o início da “revolução bonita”. Com exceção da LBI, que se emblocou com os golpistas pró-americanos, todos estes setores, corretamente, foram contra o locaute petroleiro no final de 2002. Todos eles, também corretamente, apoiaram a luta das massas contra o golpe de 2002 (sendo que a UIT, no seu tradicional morenismo, teve “ejaculação precoce” política e chamou a derrota do golpe de “revolução democrática”). Mas nenhum deles defendeu o armamento permanente dos trabalhadores como medida contra o golpe, se limitando a lamentar o papel omisso do exército.
Com o referendo revogatório de 2004, que Chávez chamou de “batalha eleitoral”, a maioria destes setores (com exceção da FT e da LBI) defendeu o Não, ou seja, que os chavistas continuassem no governo. Infelizmente, embora tenham votado nulo em 2006, denunciado a “estatização” fictícia das empresas de telefonia e dos aeroportos e lutado contra a formação do PSUV, o eixo político do MRQI, da FT e da LIT tem sido fazer exigências permanentes de expropriações sem indenizações e com controle operário, se diferenciando “sindicalmente”, sem propor abertamente uma alternativa política de luta contra o conjunto do governo (e não somente as suas medidas regressivas).
Esta posição centrista é tanto mais perigosa quanto o governo Chávez caminha, ao ritmo da baixa dos preços do petróleo, para se tornar uma ditadura militar, com o armamento de milícias ligadas ao “movimento bolivariano” e partido único (PSUV) – uma frente popular em forma de partido em que a maior parte da esquerda embarcou – se transformando num “peronismo de direita”.
Apesar disso, uma política de oposição revolucionária aberta a Chávez não pode se confundir com os setores burgueses da direita golpista. É, por exemplo, a política dos stalinistas de Bandera Roja e LCR, que participam da Coordenadoria Democrática “esquálida”, para formar uma Frente Popular contra Chávez, e da LSI (LOI no Brasil) que, com a sua tese morenista da “revolução democrática”, apóia as mobilizações reacionárias da classe média contra a não-renovação da concessão da RCTV. A FT e a LIT também engrossaram a defesa da “liberdade de imprensa” dos golpistas, em vez de exigir à direção da UNT a luta contra as concessões restantes.
Acima de tudo, a tarefa central dos revolucionários na Venezuela é construir um Partido Revolucionário dos Trabalhadores, radicalmente diferente da “geléia” oportunista do PRS e da UST, seção local da LIT. Um partido centralizado democraticamente, formado em sua maioria por mulheres e indígenas, com um programa revolucionário, que sirva como alavanca, neste processo avançado de luta de classes, para a reconstrução da IV Internacional.
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