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Entrevista: remoções
Maio 24, 2010 por eliomar coelho
“Não existe absolutamente a necessidade de remoção completa de nenhuma comunidade”, afirma Maurício Campos, engenheiro civil e mecânico, formado pela PUC/RJ, militante em diversos movimentos sociais e com vasta experiência em obras de contenção de encostas.
Sem filiação partidária ou participação em campanhas políticas, Maurício acumula 15 anos de atuação em obras de geotecnia, pavimentação e drenagem, saneamento e edificações. Foi responsável técnico por muitas obras de contenção, até 2003, quando o volume de contratos da GEO-RIO ainda era muito grande.
Por que o Rio sofreu tanto com o temporal ocorrido em abril? Foi falta de planejamento e trabalho preventivo de contenção de encostas e drenagem?
Um volume de chuvas tão grande como aconteceu em abril iria causar problemas mesmo se um trabalho preventivo sério estivesse sendo realizado. Basta notar que grandes deslizamentos aconteceram inclusive em encostas sem nenhuma ocupação humana. Entretanto, nas encostas habitadas da cidade, os danos e vítimas teriam sido bem menores caso existisse um planejamento de intervenções pontuais e permanentes de estabilização de encostas e manutenção das obras existentes e sistemas de drenagem. Mas, o que temos visto, ao invés, pelo menos nos últimos dez anos, é a redução do investimento público em tudo isso. E a redução é ainda maior se falamos de obras e manutenção das contenções e drenagem nas favelas situadas em encostas.
Como fica a cidade agora? Você tem conhecimento se háverá algum trabalho efetivo de contenção para evitar novas tragédias? O trabalho de contenção de encostas pode evitar novas tragédias?
Claro que a retomada dos estudos, projetos e investimentos em contenções pode reduzir substancialmente os riscos hoje existentes e evitar maiores tragédias. Contudo, até agora não vi sinais dessa retomada de forma concreta. Mesmos os RS$ 111 milhões de obras em estabilização recentemente anunciados pela prefeitura são voltados principalmente para estabilização de encostas que ameaçam ruas e estradas, pouca coisa está prevista para encostas situadas nas favelas.
Na sua avaliação, qual a necessidade de investimento, hoje, em contenção de encostas?
O investimento em estabilização de encostas, ampliação e manutenção da drenagem, bem como o mapeamento de risco geotécnico e o monitoramento da ocupação das encostas, deveria ser uma política permanente de estado. Um trabalho permanente, com fiscalização e obras pontuais, iria consolidar aos poucos as encostas habitadas, e criar hábitos de ocupação e construção mais seguros entre os moradores das favelas. Mas o que vemos, infelizmente, são surtos de grandes obras logo após tragédias, muitas vezes com objetivos eleitorais, e tudo volta à falta de prevenção quando a poeira assenta.
Qual a necessidade real de remoção de favelas devido a risco de deslizamentos de terra e desabamentos de moradias?
Posso afirmar que a necessidade de remoções de moradias são pontuais e muito reduzidas. Ou são casas já comprometidas por deslizamentos, ou são edificações que precisam ser realocadas para a execução de obras. Não existe absolutamente a necessidade de remoção completa de nenhuma comunidade. Como o número de casas/moradores a serem reassentados é relativamente pequeno, isso pode ser feito tranqüilamente conforme determina a lei Orgânica do Município, ou seja, reassentando-os no próprio local. Nos Prazeres, por exemplo, podem ser reassentadas todas as famílias necessitadas simplesmente construindo o conjunto habitacional previsto no projeto do Favela Bairro, e que não foi executado. Os projetos já existem em detalhe, eu mesmo os vi, e o terreno ainda está lá, disponível.
A Geo-Rio tem capacidade de prever e evitar deslizamentos? Há estudos, relatórios ou planos consolidados sobre isso?
Sim, tem capacidade. Claro que não é uma capacidade de previsão 100%, isso não existe em engenharia, em especial em se tratando de mecânica dos solos, onde as variáveis envolvidas são muitas. Mas a GeoRio, bem como instituições de pesquisas no Brasil, já têm métodos bastante rigorosos, quantitativos, para determinar probabilidades de escorregamentos, mapear e hierarquizar os setores com maior risco. A GeoRio desenvolve esse método de mapeamento quantitativo desde 2001 e já existe um relatório consolidado de 2005, embora limitado a 32 setores. O que falta é investimento e fiscalização para que esse método seja aperfeiçoado e aplicado de forma ampliada e permanente.
Sim, tem capacidade. Claro que não é uma capacidade de previsão 100%, isso não existe em engenharia, em especial em se tratando de mecânica dos solos, onde as variáveis envolvidas são muitas. Mas a GeoRio, bem como instituições de pesquisas no Brasil, já têm métodos bastante rigorosos, quantitativos, para determinar probabilidades de escorregamentos, mapear e hierarquizar os setores com maior risco. A GeoRio desenvolve esse método de mapeamento quantitativo desde 2001 e já existe um relatório consolidado de 2005, embora limitado a 32 setores. O que falta é investimento e fiscalização para que esse método seja aperfeiçoado e aplicado de forma ampliada e permanente.
Na sua opinião, qual a solução para as favelas que se encontram em encostas? Remoção é a melhor saída?
Com certeza remoção é a pior saída, mexe profundamente com a vida das pessoas, provoca traumas e problemas sociais, sem falar que seria como jogar no lixo décadas de estudos, projetos e obras de urbanização que já foram feitos nas favelas. Isso tudo foi muito insuficiente até hoje, não por falta de condições técnicas, mas sim por falta de investimentos, por seguidas políticas que sempre colocaram a população pobre como secundária ou mesmo descartável, e não como prioritária para aplicação dos recursos públicos. Urbanização, inclusive com contenções de encostas, sempre partindo das melhorias e da cultura desenvolvidas pelos próprios moradores, essa é a solução.
Qual a sua avaliação técnica sobre as áreas/comunidades atingidas pelas chuvas que visitou? Há como evitar boa parte das remoções previstas?
Com certeza, todas as remoções totais previstas carecem de motivação técnica e, acredito, inclusive econômica. Como já afirmei, poucos reassentamentos localizados são necessários, e podem ser feitos dentro das próprias comunidades sem grandes custos.
Como a comsisão técnica de apoio nas áreas atingidas? Como profissinais e cidadãos podem se incorporar a essa equipe?
Nós temos, com os poucos recursos à nossa disposição, buscado atuar em duas frentes: a primeira, prioritária, é realizar visitas às áreas e a partir daí gerar relatórios, ainda que preliminares, para contestar os supostos laudos que a prefeitura vem apresentando para tentar justificar os processos de remoção total. A segunda é fornecer aos moradores orientações técnicas de segurança mais emergenciais já que, nas favelas ameaçadas de remoção, nem a Defesa Civil nem a GeoRio têm realizado o trabalho de vistoria que normalmente fazem.
Engenheiros e técnicos em edificação podem nos ajudar nesse trabalho, basta entrar em contato conosco pelo e-mail mcampos@... ou pelo telefone 9977-4916. Mesmo profissionais de outras áreas, como arquitetos e urbanistas, podem ajudar bastante, pois além das comunidades em áreas de risco, também estamos assessorando comunidades cuja remoção é justificada por supostos projetos urbanísticos, geralmente associados à realização das Olimpíadas de 2016, como construção de vias, parques, equipamentos esportivos, etc.
Os próprios moradores das comunidades podem fazer uma parte importante do trabalho, fotografando, reunindo documentos, conversando com o conjunto da comunidade, etc. Finalmente, profissionais de outras áreas não ligadas a engenharia e urbanismo também podem ajudar, na comunicação, divulgação e ajudando na mobilização das comunidades.
Clique aqui para ver o relatório complementar sobre a visita técnica realizada nas comunidades dos Prazeres e Escondidinho.
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