segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Grito dos Excluídos

PORQUE O BRASIL NÃO PRECISA DE UM PROJETO POPULAR

(E SIM DA LUTA PELA REVOLUÇÃO SOCIALISTA)


Originalmente publicado em Agosto de 2010. Confira o próximo post sobre a edição desse ano do Grito dos Excluídos.


O tema do 15º Grito dos Excluídos, “Vida em primeiro lugar – a força da transformação está na organização popular”, está sendo transformado em mobilizações de todos os movimentos populares. Neste momento, aumenta a reflexão sobre qual é o objetivo das diversas lutas parciais. Isso tudo é muito importante, porque grande parte do movimento sindical e estudantil têm perdido os objetivos de longo prazo, se concentrando somente nas reivindicações imediatas e na disputa de aparatos.

Por isso, é importante pensarmos sobre o “Projeto Popular para o Brasil”, defendido principalmente pela direção do MST e pela esquerda católica.

O que é o Projeto Popular para o Brasil?

Todas as pessoas que militam em frentes em que participam o MST, o MAB, a Consulta Popular e outros movimentos conhecem esse discurso: a esquerda tem sido “reativa”, e por isso é necessário algo mais que lutar contra os ataques dos patrões. Então, além da luta imediata, o movimento tem que formular um “projeto popular” para a “área” em que atua (moradia, luta pela terra, contra a violência etc). E todos os projetos populares estão ligados ao estabelecimento do “Poder Popular”.

Quando alguém presta mais atenção ao conteúdo do projeto popular, pode ver claramente que ele é simplesmente a ampliação da democracia no Estado, e uma economia voltada para o mercado interno. Por exemplo, no jornal que convoca o Grito dos Excluídos desse ano:

PARTICIPAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POPULAR - (...) Além de exercer a “nossa democracia” votando, temos como direito participar das decisões econômicas e políticas e sobre o que fazer dos bens e recursos naturais do nosso país (...)

SOBERANIA NACIONAL E INTERNACIONAL – Não teremos soberania enquanto ficarmos submissos ao capital financeiro nacional e internacional (...) Construímos soberania quando (...) nos organizamos para influir nas decisões, municipais, estaduais e nacionais.

OUTRA SEGURANÇA PÚBLICA É POSSÍVEL - Precisamos construir um novo modelo de segurança pública que trabalhe na prevenção (...)

A parte “O que queremos no Brasil” é baseada na defesa da reforma política e de uma “política econômica que garanta vida digna, distribuição de renda, geração de emprego” e “reforma agrária com incentivo à agricultura familiar e camponesa”. Ao mesmo tempo, defende o Mercosul, que quase destruiu a economia argentina, através das exportações das multinacionais com sede no Brasil.

Infelizmente, a história mostra que o Estado não é um órgão neutro, que possa ser utilizado pelos trabalhadores para cumprir os seus objetivos. O núcleo duro do Estado são as Forças Armadas, e elas são um instrumento da classe dominante para dar um golpe, e encerrar à bala qualquer processo que aumente a participação popular além do que as grandes empresas aceitem.

Podemos ver isso nos casos do governo Allende, no Chile (1973), dos sandinistas na Nicarágua (derrubados por uma mistura de guerrilha financiada pelos EUA com manobras “democráticas” (1979-1989), e do Brasil durante o governo Jango (1961-1964). É IMPOSSÍVEL MUDAR O ESTADO DE DENTRO PRA FORA! Por isso, qualquer revolução popular deve ter como primeiro objetivo DESTRUIR o Estado, colocando no lugar o GOVERNO DIRETO DOS TRABALHADORES, através de assembléias.

Sem uma revolução social, qualquer “projeto popular” (ainda mais se for para um setor específico da sociedade) se torna uma desculpa para gerenciar a crise do sistema. É exatamente o que o Governo Lula está fazendo, assim como os governos de Hugo Chávez e Evo Morales que, apesar do discurso “socialista”, atacam todas as lutas que vão além do seu programa nacionalista.

De onde veio o programa democrático e popular?

Na verdade, esse programa não tem nada de novo: é a mesma estratégia da esquerda brasileira desde os anos 1930. Ele se baseia na idéia de que o Brasil é um país semicolonial e que, por causa disso, em vez de lutar pelo socialismo, precisamos de uma longa etapa de defesa do desenvolvimento econômico no país. Durante essa etapa, seria preciso uma aliança com os setores “produtivos” e “nacionalistas” do empresariado, contra o imperialismo, os monopólios e o latifúndio.

Essa idéia ficou famosa com o nome de “Frente Popular antiimperialista”, e foi formulada em primeiro lugar pela Internacional Comunista na época de Stalin. Servia para justificar uma série de alianças com partidos burgueses, em vez da ação independente dos trabalhadores. No Brasil, ela levou à derrota de 1935, quando o PCB tentou, junto com uma ala do Exército, implantar um “governo popular revolucionário”. Depois, à aliança do mesmo PCB com João Goulart, criando ilusões na legalidade e deixando a nossa classe despreparada diante do golpe militar. Depois, foi a base do programa do PT, que foi cada vez mais rebaixado desde a contra-revolução que acabou com a URSS, e é aplicado hoje pelo Governo Lula.

O primeiro erro grave desse programa é imaginar que o Brasil é uma semicolônia dos EUA. Na verdade, o capitalismo no Brasil é relativamente desenvolvido, baseado num mercado interno de massas (que representa cerca de 80 a 85% do PIB) – o mesmo mercado que o MST acha que devemos “criar”! Mesmo sendo dependente do imperialismo, o capitalismo brasileiro é associado com ele. Por isso, não existe uma burguesia nacional com interesse em romper com o imperialismo. Além disso, as exportações de capital brasileiro na África e na América Latina exercem um papel subimperialista, servindo para alimentar as multinacionais brasileiras (como a Petrobrás e a Vale do Rio Doce) com a superexploração dos trabalhadores desses países.

Por isso, a ocupação do Haiti não é um simples problema de autodeterminação. É uma conseqüência direta do caráter subimperialista do Brasil. Por isso, a defesa da Petrobrás é apenas a defesa de uma multinacional, sem ter nenhum conteúdo de classe.

Mas, mesmo que o Brasil fosse uma semicolônia, como a Bolívia ou o Paraguai (ou seja, se a economia fosse praticamente toda voltada para o mercado externo), seria errado defender o programa democrático e popular. Mesmo que fale de “protagonismo dos trabalhadores”, esse programa é um convite a uma aliança com uma burguesia nacional que não existe. O exemplo de Cuba mostra que a saída para o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo só pode ser uma revolução social, realizada contra o imperialismo e a burguesia nacional.

Poder Popular ou Ditadura do Proletariado?

A palavra de ordem de “poder popular” foi formulada primeiro por Mao Tse tung e Ho Chi Min, e significava o controle do Estado pelas organizações dos operários e camponeses. Mas alguns grupos que organizam o Grito dos Excluídos dão um conteúdo diferente ao poder popular. Não temos certeza, mas parece que esse segundo significado foi criado pelo MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) chileno, nos anos 1970.

Para quem defende essa concepção, cada luta do “povo” (ou seja, dos trabalhadores, camponeses, sem-teto, camelôs) cria um embrião de um poder alternativo ao do Estado. Com a generalização das lutas, esse poder tem condições de destruir o Estado, e controlar a sociedade como um todo. Então, não se luta pela tomada do poder, e sim pela sua construção gradual, que dá um salto numa situação revolucionária.

A grande crítica que os marxistas fazem contra essa idéia de poder popular é que ela apaga a diferença entre reforma e revolução. Todas as lutas imediatas passam a ser vistas como se fossem revolucionárias, desde que sejam de ação direta e controladas pela base.

Assim, a questão do programa desaparece – desde que esteja fazendo ação direta e não concorra nas eleições, qualquer um está construindo o poder popular”, mesmo que seja da Articulação, de alguma ONG ou independente. Então, não existe luta programática contra o reformismo e as reivindicações imediatistas, somente contra a participação nas eleições (porque elas são uma ação “dentro do Estado”). E, ao mesmo tempo, se esquece a preparação revolucionária, não somente em relação à criação de aparatos clandestinos como também a própria construção de uma organização revolucionária. O partido é substituído pelos próprios movimentos sociais, mesmo que os seus fins sejam imediatos, como terra e moradia.

Além disso, tem uma coisa que não está necessariamente ligada a esta concepção, mas que muitos defensores do poder popular pensam. É que, para eles, não existe centralidade entre as classes revolucionárias (camponeses, trabalhadores, pequenos comerciantes etc). Chegar ao governo direto dos trabalhadores não é um fim em si mesmo. A tomada do poder serve justamente para os trabalhadores organizados acabarem progressivamente com todas as relações de produção capitalistas, e com as relações sociais que elas provocam ou agravam (como a opressão da mulher e o racismo). Para isso, é preciso estender o controle operário em todas as empresas, eliminando a propriedade privada. Ou seja, com o tempo, os camponeses e camelôs vão se integrar à economia planificada. Devido ao seu enraizamento na infra-estrutura, só os trabalhadores assalariados pelo capital têm condições de mudar as relações de produção.

Por isso, não devemos lutar por um poder político popular, e sim pela DITADURA DO PROLETARIADO, através de suas assembléias (o que é completamente diferente da ditadura da burocracia que houve no século XX, após a degeneração da Revolução Russa), para abolir as classes sociais e o Estado. Essa ditadura só pode ser conseguida com a formação de uma organização revolucionária internacional, que combata o reformismo com um programa anticapitalista para politizar as lutas, atuando legal e ilegalmente, e forme um aparato clandestino para servir de braço armado das massas na luta pelo poder.

Na ditadura do proletariado, são as próprias assembléias de trabalhadores que devem exercer o poder. Os partidos que sustentem o governo direto dos trabalhadores devem lutar politicamente dentro delas, para ganhar a sua orientação política. Por isso, defendemos uma democracia socialista, pluripartidária, e não a ditadura de partido. A única exceção são as organizações que tentem destruir fisicamente o governo direto dos trabalhadores: se isso acontecer, as normas democráticas devem ser deixadas em segundo plano, e estes grupos têm que ser destruídos. Esse foi o caso dos SR e dos mencheviques na revolução russa, que apoiaram a contra-revolução.

Muitas vezes, os defensores do poder popular imaginam que ele é um “antídoto” contra a burocratização da revolução, e justamente por isso rejeitam a idéia de ditadura do proletariado. Mas as coisas não são tão simples assim. É óbvio que não existe fórmula mágica contra a burocracia.

O caso da Rússia é diferente de todos os outros, porque neles a revolução não foi dirigida pela classe trabalhadora, em sim pelos camponeses organizados de forma militar, o que levou à burocratização desde o começo dos processos. Na Rússia, mesmo que os bolcheviques tenham cometido alguns erros táticos, como sobre a gestão coletiva das empresas e a subestimação do papel dos sovietes, a verdadeira causa da degeneração da revolução foi o seu isolamento num país atrasado. Por isso, houve uma necessidade de militarizar a economia e a sociedade por um longo prazo. Além disso, foi preciso manter uma relação constante com o mercado mundial capitalista, o que influenciava o funcionamento da economia, que era pressionada a competir com países com as forças produtivas muito mais avançadas. A burocracia “resolveu” esse dilema jogando nas costas dos trabalhadores todo o peso da coexistência com o capitalismo.

A única forma de impedir a burocratização da revolução é, então, a sua extensão ao mundo inteiro. Para isso, temos que reconstruir uma organização internacional revolucionária, que nos dias de hoje só pode ser a Quarta Internacional.

A Assembléia Popular – Mutirão por um Novo Brasil

Por tudo isso, nós do Coletivo Lênin não participamos da Assembléia Popular – Mutirão por um Novo Brasil, organizada pela esquerda católica e o MST, além de outros movimentos. Em vez de ser algo como um fórum de lutas dos movimentos sociais, o que une o setores da Assembléia Popular é um PROGRAMA POLÍTICO, ou seja a defesa do “Projeto Popular”. Por isso, ela é uma Frente Popular, não nas eleições, e sim no movimento.

A Assembléia Popular é um instrumento para PRESSIONAR o governo pra ele adotar algumas reivindicações do movimento. Por causa disso, recebe o apoio logístico de multinacionais brasileiras, como a Petrobrás e o Banco do Brasil. Por isso, devemos defender, na base dos movimentos que participam da Assembléia Popular, a ruptura com ela, para formar uma oposição classista ao governo.

Como qualquer pessoa pode perceber, não existe uma “disputa” profunda entre dois setores no governo. Justamente o que permite que Lula governe é a aceitação, pelo PT, de não fazer nenhuma mudança profunda na sociedade. Ou seja, em troca de governar, o PT aceitou manter o sistema, fazendo apenas pequenas mudanças.

A nossa política deve ser criar uma OPOSIÇÃO CLASSISTA AO GOVERNO DE LULA COM A BURGUESIA. Isso não tem nada a ver com o PSOL e o PSTU, que usam os mesmos argumentos do PSDB contra o governo (corrupção, aparelhamento etc).

Existe uma Alternativa

Muitos companheiros podem perguntar: se rejeitarmos o programa democrático e popular, que é o acúmulo da esquerda durante décadas, o que vai sobrar além das lutas dispersas e sem objetivo? Qual seria o programa de uma oposição ao governo do PT com o empresariado?

Existe um programa alternativo, que coloca a classe trabalhadora no centro, e que tenta construir os seus órgãos de poder nas lutas mais radicalizadas. Esse é o PROGRAMA DE TRANSIÇÃO. Ele tem este nome porque serve para ligar as lutas por reivindicações imediatas à necessidade de romper com o capitalismo. Ele foi formulado pela primeira vez no Manifesto Comunista, depois pela Terceira e Quarta Internacionais, e é um “resumo” das palavras de ordem mas avançadas que a classe já levantou. No Brasil, com maior ou menor sucesso, algumas orgnizações tentaram formular um programa transitório, como a POLOP nos anos 1960 e a OSI nos 70.

Exemplos de reivindicações transitórias são:

- a ocupação, sob controle dos trabalhadores, das empresas falidas,

- a redução da jornada de trabalho sem redução de salários,

- a tomada de terras pelos sem-terra sem a participação do Estado,

- a formação de comitês de empresa, para se contraporem à organização da produção pelos patrões,

- a formação de autodefesas armadas no movimento sem-teto e sem-terra.

E muitos outros.

Todas essas palavras de ordem têm em comum o fato de não poderem se realizar dentro do capitalismo. Por isso, elas servem para mostrar o horizonte revolucionário nas lutas dos trabalhadores. Mesmo que agora elas pareçam “impossíveis”, a discussão sobre elas nos movimentos serve para formar uma consciência comunista na base. Porque todas elas dependem da criação, através da revolução social, de um governo direto dos trabalhadores.

Ao contrário, a agitação permanente das lutas imediatas não serve para dar esse salto na consciência. A base fica vendo as reivindicações como um fim em si mesmo. O programa popular, no final das contas, também diz para as massas que o problema é “democratizar” o Estado. Enquanto isso, as lutas mais radicalizadas do mundo inteiro, e da América Latina em particular, mostram que os trabalhadores, nas situações revolucionárias, criam os seus próprios órgãos de poder. Foi o que aconteceu com os cordones industriales, no Chile nos anos 1970, e nas assembléias de camponeses e operários bolivianos nas últimas décadas. A nossa tarefa deve ser desenvolver esses órgãos, sempre que aparecerem, até que eles tenham condições de governar a sociedade após a destruição do Estado.

Mas não devemos contrapor o programa de transição à participação nos movimentos sociais, mesmo que eles sejam reformistas. Devemos intervir dentro de TODOS eles, combatendo para que ele tenham uma orientação revolucionária, baseada num programa anticapitalista. Isso deve levar à construção do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, com maioria de mulheres e negros – o único instrumento capaz de dirigir uma revolução.

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