sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Novo Período que se abre na conjuntura internacional

Reorganizar a vanguarda para derrotar de vez os patrões!
O novo período que se abre na conjuntura internacional
Por Leandro Torres – Janeiro de 2011

A Época do Pós-Soviético
            Em 1990, a banda alemã Scorpions comemorava o “vento da mudança” que derrubou o Muro de Berlim e a União Soviética, trazendo uma suposta paz para o mundo tencionado da Guerra Fria e das “ditaduras vermelhas”. Porém, na mesma música em que comemoram o nascimento de um “novo mundo” (Wind of Change), a banda deixa claro que, em uma sociedade de classes, até o vento tem lado. No refrão, cantam “Let your balalaika sing / What my guitar wants to say”, ou seja, “Deixe sua balalaica [instrumento de cordas típico da Rússia] tocar o que meu violão [instrumento tipicamente ocidental] quer dizer”.
            Muito provavelmente os rapazes do Scorpions não sabiam à época, mas o refrão de sua música se tornaria realidade: durante os anos noventa a balalaika do mundo tocou o que o violão da burguesia imperialista queria. Com a queda dos Estados operários do Leste Europeu, abriu-se uma época de fortíssimo retrocesso para o proletariado em termos de consciência de classe e, portanto, de capacidade de organização, combatividade e até mesmo resistência. Ao longo dos anos 1990, o chamado “neoliberalismo” fez a festa da burguesia ao redor do globo, tornando possível demissões em massa, desmobilização e mesmo destruição de sindicatos, cortes salariais, fim de direitos trabalhistas e etc. Iniciava-se a dura Época do Pós-Soviético.
            Para nós marxistas, entender a conjuntura é algo fundamental, pois boa parte das táticas que devemos utilizar para atingir nossos objetivos revolucionários são ditadas pela correlação de forças imposta pela conjuntura global e regional. Não à toa, o entendimento de que o fim da URSS e demais Estados operários europeus implicou um enorme retrocesso de consciência para o proletariado, foi um dos pilares fundacionais de nossa organização e até hoje é um importante critério quando vamos abordar outras organizações buscando estabelecer contatos fraternais.
            Essa questão é importante porque, mesmo esses Estados sendo burocraticamente degenerados, governados de forma anti-democrática por uma casta de burocratas interessados nos privilégios resultantes de sua posição política, sua existência ainda representava importantes bastiões de combate ao imperialismo e, acima de tudo, de esperança para trabalhadores ao redor do mundo que acreditavam na possibilidade de uma sociedade radicalmente diferente.
            Por isso a destruição dos Estados Operários burocratizados, a partir de uma contra-revolução na qual as massas, desejosas de democracia e melhores condições de vida, se deixaram levar por um programa pró-capitalista ditado pela imperialismo internacional através de setores da Igreja Católica, braços da CIA e burocratas que não mais se satisfaziam em administrar os bens do Estado, mas queriam possuí-los, representou a abertura de uma época tão amarga, na qual os trabalhadores ficaram indefesos e inseguros quanto ao futuro. Pois, mesmo que a classe trabalhadora em sua maioria não defendesse um projeto revolucionário e muito menos comunista, a destruição do primeiro Estado operário da História, a URSS, deu um gás imenso para setores reacionários da burguesia, que vinham ganhando força desde meados dos anos 1980. Mas, para citar outra música, essa do saudoso Bob Dylan, os tempos estão mudando (The Times, They are a-changin’, do álbum homônimo de 1964 – dedicada ao movimento pelos Direitos Civis dos negros, nos EUA).

As tarefas atuais e a crise internacional de 2008
            Se era importante, ao longo dos anos 1990, que organizações de estratégia revolucionária compreendessem corretamente o momento histórico de dispersão de forças e recuo da consciência do proletariado, se dedicando centralmente à tarefa de reagrupamento de forças revolucionárias através da propaganda, é tão importante quanto compreendermos as mudanças que se processam nessa atual conjuntura e adaptarmos nossas táticas a elas.
            Erros de caracterização conjuntural podem ter consequências gravíssimas. Só para citarmos alguns exemplos extremos, a organização internacional do PSTU, a LIT-CI (Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional), em suas famosas Teses de ‘90, declarou que a destruição do stalinismo no Leste Europeu abria um período de grandes possibilidades revolucionárias para os trabalhadores de todo o mundo. Isso, somado à política morenista de colar em organizações reformistas (já discutida em diversos outros artigos), teve como resultado o fato de que até hoje o PSTU e as demais seções da LIT vêem revoluções no mais chinfrim dos ascensos, apoiando politicamente setores que de revolucionários nada tem (como o partido burguês Hamas, na Palestina).
            Outro exemplo extremo, digno de nota, é o caso da Liga Espartaquista (SL) dos EUA e sua organização internacional, a ICL. Para essa organização, o mundo caiu junto com o Muro de Berlim e, nos anos ‘90, eles estiveram mais certos do que nunca da sua política de não atuar no movimento sindical para evitar a “degeneração” de seu programa a partir da pressão exercida pela “baixa consciência” das massas. Outro caso semelhante é o da Tendência Bolchevique Internacional (IBT), que, conforme denunciamos em nossa carta de ruptura com tal organização (publicado em nosso site em dezembro de 2010), usa a conjuntura reacionária aberta nos anos ‘90 como desculpa para não atuar no movimento de massas, tendo por real objetivo manter a organização a rédeas curtas para que seus dirigentes possam manter seu controle burocrático.
            Assim, sendo desculpa esfarrapada ou um erro real, a má caracterização da conjuntura pode gerar sérios problemas para uma organização comunista. Por isso, mesmo na época de fundação do CCI, organização que deu origem ao Coletivo Lenin, nossos camaradas fizeram questão de se caracterizar enquanto um grupo de propaganda combativo, com o objetivo de deixar claro que, na conjuntura de então, não bastava fazer propaganda para se criar um Partido Revolucionário. Era necessário estar (ativamente) presente no movimento de massas, mesmo que com um foco na tarefa de propaganda. E tal necessidade é ainda maior nos dias de hoje. Assim, este artigo não representa de forma alguma uma “descoberta incrível” para a militância do CL, mas uma análise pública de algo que consideramos de extrema importância.
            Com a crise econômica deflagrada em 2008, uma série de demissões em massa, cortes de direitos, reduções salariais e perseguições a sindicalistas tomou lugar. Essas ações foram medidas da burguesia e de seus aliados nos governos para reverterem um histórico prejuízo, do que chegou mesmo a ser chamada de “a pior crise desde 1929”. Entretanto, diferentemente do que ocorreu nos anos 1990, esses golpes desferidos por parte da burguesia não passariam tranquilamente.
            Como fica claro pelo infográfico presente no começo do artigo, a década de 2000 presenciou uma série de ascensos resultantes da lenta reorganização do movimento operário e de sua vanguarda radicalizada. Porém, após 2008, tais ascensos aumentaram em número e proporções, indicando um salto quantitativo no árduo processo de superação e reversão da conjuntura reacionária que tem favorecido os patrões, devido à desmobilização do proletariado e à quase extinção de sua consciência de classe. Essa perda de consciência das massas foi um grave recuo após ter sido forjada através de décadas de trabalho por vanguardas radicalizadas e subjetivamente revolucionárias (mesmo que muitas vezes defensoras de um programa equivocado).

A Europa se levanta, mas na defensiva
            Os recentes ascensos, diretamente ligados à crise de 2008, que vão desde passeatas radicalizadas de estudantes e jovens trabalhadores até a ocupação de empresas falidas, passando por fortes greves gerais, por enquanto estão muito concentrados na Europa. Porém, a burguesia de outros países tem tentado implementar medidas semelhantes às da europeia. Para salvar bancos e empresas da falência, governos precisaram desembolsar bilhões e esvaziar seus cofres. Só para se ter uma ideia, até mesmo a GM, símbolo-mor do capitalismo norte-americano, precisou ter ações compradas em massa pelo governo para que não fechasse as portas.
            Porém, os governos necessitam recuperar essa grana preta para poderem dar continuidade aos investimentos em alguns setores fundamentais à existência do mercado capitalista, como a construção de estradas, ferrovias, portos e, em alguns casos, até mesmo serviços públicos como saúde e educação, que por algum motivo a burguesia decidiu não reivindicar para si e deixar os impostos fazerem “sua parte”, lucrando apenas através de concessões para administração e etc.
            Obviamente, os empresários e banqueiros que colocaram no poder os governantes não estão dispostos a pagar a conta. O resultado são as agressivas tentativas por parte dos mais diversos governos de aprovar pacotes de “reformas”, como a previdenciária (aumento do limite mínimo de tempo de trabalho para a aposentadoria e corte de pensões e de serviços “gratuitos” à terceira idade) e a trabalhista (diminuição de salários mínimos, flexibilização de direitos ou mesmo sua extinção para certas categorias, aumento de jornadas de trabalho, etc.).    É contra tais “reformas” que o proletariado europeu tem se levantado, e outros já têm seguido seu exemplo, como os trabalhadores chilenos que pararam o país por uma semana contra o aumento do preço do gás no final de janeiro desse ano.
            Existem dois pontos fundamentais de serem analisados nessa questão. O primeiro é o caráter de tais ascensos. Os mesmos são defensivos, ou seja, não representam uma luta dos trabalhadores por novas conquistas, mas sim uma tentativa de manter conquistas do passado. Isso significa que, por mais que representem um salto quantitativo no processo de reversão da conjuntura reacionária e do refluxo organizativo e de consciência pelo qual a classe está passando, tais ascensos defensivos não serão capazes de alterar qualitativamente tal conjuntura, revertendo-a para uma nova época de ascenso generalizado, como foram os anos 1970 e outras décadas do “Período Soviético”.
            Apenas uma luta (vitoriosa) por novas conquistas poderá cumprir tal tarefa. Isso, entretanto, não significa que os atuais processos de luta não sirvam para nada. Muito pelo contrário, eles são um exemplo para os trabalhadores do mundo todo, não só de que é possível se levantar contra os patrões e seus projetos, mas também de como fazê-lo, ou seja, através de greves, passeatas radicalizadas, ocupações de prédios públicos e sedes de empresas. E mais importante ainda, são processos nos quais as massas fazem a experiência com suas atuais lideranças, que tem traído sem dó nem piedade cada um dos processos listados no infográfico.

A validade da caracterização de Trotsky
            A necessidade de uma vitória significativa na luta por novas conquistas nos leva ao segundo ponto importante de ser analisado, que é justamente o papel das direções operárias e da vanguarda na luta pelo socialismo. Em 1938, no Programa de Transição, escrito para ser o programa da IV Internacional, o velho bolchevique e ferrenho defensor das concepções leninistas, Leon Trotsky, constatou:
            “As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer. (...) Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária.
            Com essa frase Trotsky quis dizer que as contradições presentes no sistema capitalista já são tamanhas (e isso em 1938!) a ponto de elevar a luta de classes ao patamar de uma explosão revolucionária, com o objetivo de solucioná-las através da luta por um novo projeto de sociedade. Entretanto, nós marxistas não acreditamos no mito forjado por Stalin, e perpetuado por seus defensores, de que as condições objetivas moldam, mecanicamente, as diferentes sociedades. Diferentemente do que as acusações dos “acadêmicos” anti-marxistas fazem crer, nós entendemos que a realidade social é composta por uma multiplicidade de fatores. E de certo modo, podemos acrescentar aí um “infelizmente”. Infelizmente porque um fator em especial tem, há muitas décadas, impedido a tão necessária revolução socialista de acontecer: a crise de direção.
            Qualquer um que milite no movimento de massas percebe que há uma certa divisão, entre uma maioria menos politizada e uma minoria que dispõe não só de um melhor entendimento da realidade, como também de maior disposição para atuar. É a essa minoria que nós leninistas chamamos vanguarda. É a essa minoria que nós leninistas chamamos vanguarda, e entendemos enquanto sua maior tarefa disputar a consciência do proletariado através do programa revolucionário, com o intuído de fazer expandir as fileiras comunistas e propiciar assim a vitória de um ascenso revolucionário.
            Constatar que o proletariado está acometido por uma crise de direção é reconhecer que a vanguarda revolucionária não está na liderança dos processos de massas, que por motivos conjunturais encontram-se nas mãos de burocratas sindicais vendidos ou de falsos revolucionários (sejam eles puros calhordas que usam a imagem do socialismo para se promover, seja porque defendem um programa equivocado, sendo nesse caso revolucionários “subjetivos”).
            Superar essa crise histórica do proletariado é uma tarefa fundamental, contra a qual a atual conjuntura joga pesado. Como analisamos em notas postadas em nosso blog e em artigos como Trabalhadores gregos fazem greve geral contra ataques do governo (março de 2010) e o mais recente, Os caminhos da luta de classes na França (janeiro de 2011), as direções dos atuais processos de massas traem o proletariado e levam à sua derrota, gerando assim um forte clima de desmoralização que pode facilmente levar de volta à desorganização que os trabalhadores enfrentaram por tantos anos.

Atuar no movimento e priorizar a formação de novos quadros
            Mas essa experiência que o proletariado, em especial o europeu, tem tido com direções traidoras, pode ter um saldo positivo. Apesar da derrota material de tais processos, a presença de um grupo de propaganda pode ser capaz de mostrar a setores importantes da classe trabalhadora a traição de seus líderes e ganhá-los para um programa revolucionário. Por isso é tão importante que grupos como o Coletivo Lenin, que almejam construir um Partido Revolucionário, não se limitem a atuar no movimento segundo uma agenda “sindical”, de estar ao lado das massas apenas para ajudá-las a conquistar suas bandeiras por reformas. Esse, aliás, é um dos pressupostos básicos do leninismo que tantas organizações ditas “revolucionárias” fazem questão de esquecer.
            Para fazer avançar a consciência do proletariado, é essencial que os grupos que lutam pela construção de um Partido Revolucionário levantem polêmicas políticas com as demais organizações que disputam a liderança da classe, principalmente aquelas que já ocupam posição influente devido ao seu tamanho e recursos. Porém, para convencer os trabalhadores das traições e insuficiências daquelas organizações nas quais eles depositam sua confiança, é igualmente essencial estar lado a lado com eles, construindo suas lutas, e não simplesmente comentando sobre elas (o que muitos, erradamente, entendem enquanto o papel de um “grupo de propaganda”).
            Achar o balanço correto entre a agitação (ou seja, a dedicação às questões imediatas e pontuais) e a propaganda (a dedicação às polêmicas e demais questões políticas de grande profundidade) é a chave para uma organização ser capaz de cumprir algum papel na luta pela mudança da conjuntura, estando ao lado de cada trabalhador nas suas lutas diárias e denunciando com toda a força as organizações que visam devia-las para um caminho que seja diferente do da revolução socialista (intencionalmente ou não).
            Um grupo de propaganda deve, através desse método de atuação, buscar transformar os elementos mais avançados do movimento operário (ou seja, sua vanguarda) em novos quadros revolucionários, sendo capaz assim de cristalizar uma organização de dedicados militantes capazes de dirigir determinados setores da classe trabalhadora e expandir sua influência quando ocorrerem ascensos significativos.
            Essa é a tarefa à qual o Coletivo Lenin se dedica, e pela qual passa também a busca por outros grupos que reivindiquem um programa e um método semelhantes aos nossos, com o objetivo de reagrupar forças revolucionárias através da discussão e atuação conjunta.

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