terça-feira, 7 de junho de 2011

A Posição do Coletivo Lenin Sobre a Destruição da URSS


Defender os Trabalhadores Soviéticos Contra os Ataques de Yeltsin!

A Contra-Revolução Triunfa na URSS

A Tendência Bolchevique Internacional publicou a seguinte declaração em setembro de 1991. Ela foi traduzida para o português pelo Coletivo comunista Internacionalista em 2007 e permanece como uma posição central reivindicada pelo Coletivo Lenin na defesa dos Estados Operários Degenerados ou Deformados no momento da sua destruição.

O golpe abortado em Moscou de 19-21 agosto foi tão mal concebido e executado que quase não aconteceu. Mas será lembrado como um dos acontecimentos decisivos na história do século 20. A vitória da corrente abertamente pró-capitalista ao redor de Boris Yeltsin, depois que o golpe fracassou, destruiu o poder de estado criado pela revolução de outubro de 1917. Isto representa uma derrota catastrófica não só para a classe trabalhadora soviética, mas para os trabalhadores em toda a parte.


Os acontecimentos de agosto foram a culminação de lutas recentes por poder dentro do Kremlin e no país como um todo. Mas, num sentido mais amplo, eles são o ato final na degeneração da burocracia stalinista, uma camada privilegiada que usurpou o poder político dos trabalhadores soviéticos desde meados da década de 1920. Em vez dos sovietes operários democraticamente eleitos de1917, os estalinistas erigiram um estado autoritário policial. Em vez do internacionalismo proletário de Lenin e Trotsky, eles criaram a doutrina do ''socialismo em um país”,' que justificou a traição das revoluções no exterior para ganhar vantagens diplomáticas triviais. Apesar disso, mesmo com todos os seus crimes, a burocracia estalinista se sustentava sobre a economia coletivizada criada pela Revolução de Outubro e, da sua própria forma deturpada, freqüentemente tentou defender estas fundações econômicas da pressão imperialista no estrangeiro e da contra-revolução no interior. O fracasso do golpe de agosto acabou com o domínio desta casta burocrática, e levou à sua substituição por um grupo de regimes nacionalistas comprometidos a desmontar a economia de propriedade estatal, e recolocar o capital no poder.

Há mais de meio século, o líder da Oposição Esquerda, Leon Trotsky, advertiu que, a longo prazo, um sistema social baseado na propriedade coletiva nem poderia ser desenvolvido nem defendido com métodos burocráticos policiais. A estagnação da economia soviética durante os anos de Brezhnev representou uma confirmação poderosa desta predição. Numa tentativa inverter o declínio econômico da URSS, Mikhail Gorbachev avançou suas célebres reformas de mercado. O caos econômico e político causado pela Perestroika polarizou a burocracia Soviética, e as divisões internas tornaram-se particularmente agudas durante o ano passado. De um lado, uma ala da elite governante—identificada com o dirigente anterior do partido em Moscou, Boris Yeltsin—abraçou abertamente a restauração capitalista. Do outro lado, uma aliança de militares e burocratas do partido e do Estado, a assim chamada “linha-dura”, via o rumo em direção ao mercado e à desintegração nacional como uma ameaça a seu poder. Gorbachev agiu como um intermediário entre estas duas frações, inclinando-se alternadamente em direção ao ''reformadores” e à “linha-dura”.

Os Zigue-Zagues de Gorbachev

Começando em outubro de 1990, a linha-dura desencadeou uma ofensiva dentro do Partido Comunista Soviético. Forçaram Gorbachev a impedir o plano de 500 dias de Shatalin para a privatização da economia. Enviaram unidades ''boinas pretas'' para tomar medidas contra os governos separatistas pró-capitalistas das repúblicas bálticas. Projetaram uma limpeza no escalões mais altos do partido, levando Gorbachev a retirar os ''reformadores” de postos-chave do partido e do governo, e substituí-los por servidores leais do aparato. Esta movimentação levou muitos dirigentes “reformadores” —mais notavelmente o ministro do exterior de Gorbachev, Eduard Shevardnadze—ao campo de Yeltsin, e à especulação comum nos meios de comunicação ocidentais de que Gorbachev tinha desistido da Perestroika.

Ainda, diante de manifestações enormes dos ieltsinistas em Moscou já na primavera passada, e do temor de que os imperialistas talvez fossem menos generosos com a ajuda econômica, Gorbachev recuou, e outra vez tentou cerrar fileiras com as forças de Yeltsin. Recusou-se a levar a intervenção báltica à sua conclusão lógica e depor os governos de lá. Mais uma vez, começou a avançar as medidas de mercado. Pior ainda do ponto de vista da linha-dura, ele aceitou o acordo “nove mais um”, que transferiu mais poderes governamentais da URSS para suas quinze repúblicas constituintes. As tentativas de conciliação de Gorbachev só incentivaram Yeltsin, que respondeu com uma série de decretos proibindo o Partido comunista dentro da polícia e das fábricas na República Russa. A linha-dura concluiu que o terreno internediário ocupado por Gorbachev estava desaparecendo rapidamente, e que eles não podiam mais depender dele para resistir a Yeltsin. Isto abriu o terreno para a formação do Comitê de Emergência e seu seqüestro do presidente soviético na manhã de 19 agosto.


A Classe Trabalhadora Tem um Lado
À luz do fracasso abjeto do golpe, a discussão das posições das frações rivais agora pode parecer um exercício acadêmico infrutífero. Mas, só tendo uma orientação correta a respeito dos acontecimentos passados, a classe trabalhadora pode se armar para as lutas futuras. A tentativa de golpe de agosto era um confronto em que a classe trabalhadora tinha um lado. Uma vitória dos líderes do golpe não teria salvado a URSS do impasse econômico a que estalinismo a levou, nem iria acabar com a ameaça de restauração capitalista. Poderia, no entanto, diminuir o poder dos restauracionistas, ao menos temporariamente, e daria um tempo precioso para a classe trabalhadora soviética. A derrota do golpe, por outro lado, levou inevitavelmente à contra-revolução, que está agora a todo vapor. Sem deixar de expor a falência política dos líderes do golpe, o dever dos revolucionários marxistas era tomar partido com eles contra Yeltsin e Gorbachev.


Não é surpreendente que a maioria da esquerda reformista e centrista se juntasse a Gorbachev e Yeltsin. Estes pseudo-marxistas são tão temerosos de ofender opinião liberal burguesa que sempre podemos esperar que eles tomem partido da “democracia”, mesmo quando as bandeiras democráticas são uma camuflagem para a a contra-revolução capitalista. Um pouco mais confusos são os argumentos de grupos centristas que reconhecem Yeltsin como o restauracionista que é, admitem que o seu triunfo seria uma grave derrota para a classe trabalhadora, mas não obstante se recusam a tomar partido no golpe. Os proponentes desta posição “nem a favor nem contra” incluem a Liga Espartaquista dos EUA e seus satélites estrangeiros na Liga Comunista Internacional, que durante anos se proclamaram como os defensores mais incondicionais da União Soviética.

Os advogados da neutralidade dizem que os líderes de golpe não eram menos comprometidos com a restauração capitalista que Gorbachev e Yeltsin. Alguns apontam trechos na declaração principal do Comitê de Emergência, em que seus líderes prometeram honrar os tratados existentes com o imperialismo e respeitar os direitos da iniciativa privada na URSS. Os trotskistas, no entanto, nunca basearam sua atitude política nos pronunciamentos oficiais dos estalinistas, mas sim na lógica interna dos acontecimentos. Qualquer um que reivindique que não havia nenhuma diferença essencial entre as frações opostas terá dificuldade em explicar, em primeiro lugar, por que os líderes do golpe decidiram entrar num jogo tão desesperado. Quando uma fração da burocracia detém o presidente, tenta suprimir os principais restauracionistas e envia tanques para as ruas; quando membros dirigentes desta fração executam pactos de suicídio com suas esposas e se enforcam quando fracassam, está abundantemente claro que há mais envolvido do que uma querela sobre táticas.


As razões para as ações dos líderes de golpe são óbvias. Representaram a fração estalinista que tinha mais a perder com um retorno ao capitalismo. Viam a agressividade de Yeltsin, o poder crescente dos nacionalistas pró-capitalistas e a prostração de Gorbachev diante destas forças como um perigo mortal para o aparelho centralizado sobre o qual seus privilégios e prestígio estavam baseados. Agiram, mesmo se irresolutamente e no último momento, para deter a maré.


Não pode haver nenhuma dúvida de que a linha-dura foi completamente desmoralizada: tinham perdido a fé num futuro socialista de qualquer espécie, abrigado muito das mesmas noções pró-capitalistas de seus adversários, e eram apenas fracos demais para rebaixarem-se ao chauvinismo grão-russo e mesmo ao anti-semitismo para proteger o seu monopólio político. Mas a posição trotskista de defesa incondicional da União Soviética sempre significou a defesa do sistema de propriedade coletivizada contra as ameaças restauracionistas, independentemente da consciência ou das intenções subjetivas dos burocratas. O status quo que a linha-dura tentou proteger, embora incompetentemente, incluía a propriedade estatal dos meios de produção—uma barreira objetiva ao retorno da escravidão assalariada capitalista. O colapso da autoridade central do estado abriu o caminho para a torrente da reação que agora se desenrola no território da antiga URSS. Para conter o avanço desta torrente, os revolucionários deve estar preparados para fazer alianças militares táticas com qualquer seção da burocracia que, por qualquer razão, fique na frente da maré.

Derrotar a Contra-Revolução!

De forma alguma está tudo perdido para a classe trabalhadora da União Soviética. Os governos pró-capitalistas que se alçaram ao poder são ainda extremamente frágeis, e ainda não consolidaram seus próprios aparelhos repressivos de estado. A maioria da economia permanece nas mãos do estado, e os ieltsinistas encaram a tarefa formidável de restaurar o capitalismo sem o apoio de uma classe capitalista nativa. A resistência dos trabalhadores aos ataques iminentes aos seus direitos e bem- estar, portanto, envolverá uma defesa de muitos elementos do status quo sócio-econômico. Os regimes burgueses embrionários que estão se formando agora na ex-URSS podem ser varridos muito mais facilmente do que estados capitalistas maduros.

Nada disto, no entanto, pode mudar o fato de que os trabalhadores agora serão forçados lutar em um terreno fundamentalmente alterado em sua desvantagem. Eles não se constituíram ainda como uma força política independente, e continuam extremamente desorientados. O aparelho estalinista—que tinha um interesse objetivo em manter a propriedade coletivizada—foi destruído. Mais resistência por parte dos estalinistas é improvável, já que eles fracassaram num teste político decisivo, e os quadros que tentaram resistir estão agora em aposentadoria forçada, presos ou mortos. Em resumo, o maior obstáculo organizado à consolidação de um estado burguês foi eficientemente retirado. Antes do golpe, a resistência massiva da classe trabalhadora à privatização teria rachado a burocracia estalinista e seus defensores armados. Agora, os trabalhadores lutando para inverter a onda restauracionista vão encarar “corpos de homens armados” dedicados aos objetivos dos capitalistas ocidentais e seus aliados internos. Este poder incipiente de estado deve ser desarmado e destruído pelos trabalhadores.

A transição de um Estado Operário Degenerado para um Estado Burguês consolidado não é algo que possa acontecer em um mês nem um ano. Em 1937 Trotsky predisse isso:

''Se uma contra-revolução burguesa prosperasse na URSS, o novo governo, durante um período prolongado, teria que basear-se sobre a economia nacionalizada. Mas, o que tal um tipo de conflito temporário entre a economia e o estado quer dizer? Significa uma revolução ou uma contra-revolução. A vitória de uma classe sobre outra significa que a economia será reconstruída no interesse da vencedora.”

— ''Nem Um Estado Operário nem um Estado Burguês?”

Era claro para ele, assim como para nós, que tal transformação só pode ocorrer como o resultado de um processo em que o estado operário é subvertido por graus. A tarefa da análise é localizar o ponto decisivo nesta transformação, ou seja, o ponto além do qual as tendências dominantes não podem ser invertidas sem a destruição do poder de estado. A aceleração em direção à restauração capitalista estava sendo construída na União Soviética há muitos anos. Todas as evidências disponíveis levam-nos a concluir que a derrota do golpe e a ascensão ao poder dos elementos comprometidos com a reconstrução da economia numa base capitalista constituiu um salto qualitativo decisivo.

A ação revolucionária não pode ser baseada em ficções agradáveis. A luta pelo o futuro socialista exige a capacidade de encarar realidade duramente e ''falar a verdade às massas, não importa o quanto amargo possa ser”. A vitória do ieltsinistas é uma derrota enorme para a classe trabalhadora. A tentativa de reimpor o capitalismo na União Soviética envolverá ataques aos interesses mais básicos de dezenas de milhões de trabalhadores. Ainda resistindo a estes ataques, os trabalhadores soviéticos poderão redescobrir suas próprias tradições heróicas. As idéias revolucionárias do bolchevismo, as únicas que correspondem à necessidade do progresso histórico para a humanidade, podem superar qualquer obstáculo. Mas estas idéias só se tornam um fator na história através da ação de um partido do tipo que dirigiu a revolução em 1917—um partido educado no irreconciliável espírito revolucionário de Lenin e Trotsky. A luta por tal partido, uma Quarta Internacional renascida, permanece a tarefa central de nosso tempo.



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