Contribuição
individual sobre as questões envolvidas na crise e dissolução do
Coletivo Lênin
Anatomia
da Microsseita (1973)
Documento
não publicado circulado privadamente em 1973
O
subtítulo original era: Uma Posição do Comitê Socialista
Independente. Não era uma organização, e sim uma agência de
formação e edição.
Na sua forma original, a primeira
página tinha uma longa nota de rodapé explicando o uso do termo
“seita” no artigo. É melhor apresentá-la aqui, como uma
introdução ao ensaio:
Introdução
Existe
um problema terminológico. “Seita” é geralmente usada como
xingamento para um grupo de que alguém não gosta. “Movimento”
geralmente é usado para descrever algo que não existe de forma
organizada, por exemplo, quando “movimento socialista americano”
é usado como abreviação para os elementos socialistas dispersos
que geralmente nem se “movem”. Nós usaremos esses termos com
significados mais precisos. Uma seita se apresenta como a
materialização do movimento socialista, mesmo que seja uma
organização com fronteiras estabelecidas mais ou menos rigidamente
através do seu programa político, e não em relação às lutas
sociais. Em contraste, um partido operário não é simplesmente uma
organização eleitoral e sim, participe ou não das eleições, uma
organização que realmente é o braço político de setores
decisivos da classe trabalhadora, que reflete (ou refrata)a classe
operária em movimento como ela é. Um “movimento socialista”
resume as manifestações de massa de uma classe operária socialista
em vários campos. Não só o político, geralmente em torno de um
partido socialista de massas. Para o objetivo atual, a distinção
importante é entre a forma de organização sectária e uma forma de
organização comum em outros países mas que ainda não existe nesse
país atrasado.
Essa
abordagem é básica para o artigo, porque ele lida essencialmente
com a seguinte questão: existe uma alternativa ao modo de
organização sectário que domina toda a história do socialismo
americano, no passado e no presente?
H.D.
Sobre
o caminho para um movimento socialista americano
Já que
existem socialistas nos EUA, mas não existe movimento socialista, é
compreensível que os socialistas digam “vamos formar um movimento
socialista”. Todas as considerações levam a esse passo óbvio, e
não existem argumentos contrários, apenas um. É o fato – fato
histórico 0 de que ninguém pode decidir “fazer” uma revolução.
Qualquer coisa que for formada pela vontade se tornará uma seita
junto a outras seitas, mesmo se for um tipo melhor de seita que
acredita que não tem que ser sectária.
Vamos deixar claro
que não temos a resposta para a pergunta de um milhão, ou seja, uma
fórmula ou esquema que, se for seguido, vai infalivelmente produzir
um partido ou movimento. Nós todos vamos ter que tatear por algum
tempo. Mas temos concepções sobre a direção em que tatear, e
sobre os critérios para decidir que acontecimentos causam esperança
ou preocupação.
1.
O caminho à frente
Um movimento socialista vai se tornar
possível nesse país, como aconteceu em outros, conforme as suas
bases amadurecerem por causa das condições sociopolíticas.
Entretanto, se ele não pode ser criado simplesmente através de um
esforço da vontade, também é historicamente verdade que não se
trata simplesmente de geração espontânea. Quando as bases de um
movimento socialista amadurecerem, será difícil ele existir, a não
ser que o movimento nascente se cristalize com a ajuda de elementos
socialistas ativos. Cada movimento socialista foi o resultado da
fusão entre espontaneidade e direção, de elementos desenvolvidos
naturalmente e de organização consciente.
Isso significa
que, para nós, socialistas americanos hoje que buscam construir um
verdadeiro movimento socialista, existe um curso de ação que
podemos tomar para avançar para esse objetivo e aproximar-nos dele,
que vai fertilizar o chão em que ele vai surgir, que vai facilitar
que os seus elementos amadureçam. A alternativa à criação por
fiat não é esperar
passivamente que ele surja sem a intervenção das mãos
humanas.
Segue-se disso que o curso adotado agora pelos
socialistas americanos também pode ter o efeito oposto: de apagar as
predisposições para um movimento verdadeiro; de esterilizar o chão
em que as sementes do movimento podem germinar, de dificultar que os
trabalhadores encontrem o caminho para um movimento socialista em
construção.
Infelizmente, é esse segundo curso o que hoje é
dominante entre as seitas, grupelhos e microsseitas do que passa hoje
por ser o socialismo americano. A forma sectária do grupamento
socialista americano hoje é um obstáculo no caminho; as noções
sectárias dominantes neste grupamento constituem um veneno que pode
imobilizar a abortar um movimento socialista, mesmo se ele começar.
2.
Fragmentação
O socialismo americano hoje chegou num novo
ponto baixo em termos de fragmentação sectária. Existem mais
seitas rodando nesse momento do que todas as que já existiram em
todos os períodos anteriores desse país juntos. E os fragmentos
ainda estão rachando, até o nível submicroscópico. Politicamente,
o padrão caiu do nível de ópera cômica para o de história em
quadrinhos. Enquanto as seitas esotéricas (geralmente rachas
trotskistas) dos anos 1930 tendiam a um tipo de supersofisticação
no marxismo e futilidade na prática, existe um monte de grupelhos
hoje (geralmente castristas-maoístas) caracterizados por amnésia em
relação à tradição marxista, ignorância da experiência
socialista e primitivismo extremo. O caminho para um movimento
socialista americano certamente está sob os escombros, ou em torno
dos pedaços pútridos dessa selva fétida de seitas.
Com
certeza, reconhecemos que existem seitas e seitas: ainda temos entre
nós algumas seitas e grupelhos do tipo “clássico”, ou seja,
geralmente fúteis e fossilizadas, diferentes da nova safra de seitas
neostalinistas (maoístas-castristas etc) que representam um perigo
mais certo para qualquer desenvolvimento saudável do movimento
operário. É característico das últimas que elas não querem um
movimento de classe – não por causa de alguma concepção de
organização, mas por causa das suas concepções políticas
básicas. Assim como o seu “socialismo” é o domínio de um
despotismo estatal sobre uma economia coletivizada burocraticamente,
o seu caminho organizativo para o poder é a formação de uma elite
de Líderes Máximos prontos para estabelecer o seu próprio domínio,
num momento propício, de um levante elementar do povo. (Isso só é
novo no sentido de ser uma regurgitação, em novas formas, do tipo
mais antigo de movimento de esquerda, os círculos
putschistas-jacobinos que predominavam antes da ascensão do
marxismo).
Se
essas seitas neostalinistas se “orientam” para a classe
trabalhadora – ou para o lumpesinato, ou os negros, ou o “terceiro
mundo” etc – é somente no sentido em que os homens numa comitiva
se orientam para um rebanho de cavalos. Eles tornam claro que o
conteúdo histórico do “maoísmo”, em suas diferentes
variedades, é a concepção de uma revolução burocrática pelo
alto feita por um bando de líderes autointitulados cavalgando e
freando um movimento de classe; para tal fim, a classe mais
apropriada é a que tem o mínimo de capacidade de iniciativa e
autoorganização, como o campesinato. Esses elementos são –
alguns por razão de classe, inimigos do socialismo democrático
revolucionário.
Então,
esses elementos também precisam da forma sectária de organização.
Para eles, a seita não é uma infeliz necessidade devida à ausência
de um movimento real: é o seu movimento. O tamanho minúsculo pode
nem ser mesmo um problema: Fidel não “fez” a revolução só com
um punhado de bons homens jovens?[1*] Quantos comissários são
necessários para a Grande Marcha? Na verdade, isso é parte da
dinâmica por trás da proliferação atual das seitas, já que elas
não se inibem com o preconceito de que um “partido” precisa ter
base.
3.
A seita clássica
Quanto às seitas “clássicas” ainda
operando: atualmente, elas se dividem mais ou menos entre as que vêm
da tradição sectária trotskista e as que exemplificam o padrão
socialdemocrata. (É certo que existe uma gradação dos grupelhos
trotskistas, de um lado, até o tipo neostalinista, particularmente a
seita grande chamada SWP [“Partido Socialista dos Trabalhadores],
cuja política se moveu rapidamente desde a morte de Trotsky na
direção da stalinização).
O
que caracteriza a seita clássica foi melhor definido pelo próprio
Marx: ela contrapõe o seu critério sectário de pontos
programáticos ao movimento real dos trabalhadores na luta de
classes, que pode não estar à altura das suas demandas elevadas. O
critério de apoio (“point d’honneur,” nas palavras de Marx) é
a conformidade com os shibboleths da seita – quaisquer que sejam,
incluindo pontos programáticos em si mesmos bons. A abordagem
apontada por Marx era diferente: sem minimamente abandonar ou
esconder o próprio programa, o verdadeiro marxista olha para as
linhas de luta calculadas para mover setores de classe decisivos –
em movimento contra os poderes estabelecidos do sistema (o Estado, a
burguesia e seus agentes, incluindo os seus lugar-tenentes dentro do
movimento operário). E, para Marx, é essa realidade de colisão
social (de classe) que vai trabalhar para elevar a consciência de
classe até o nível do programa do movimento socialista.
Mover
um setor de classe em ação contra os poderes estabelecidos só um
passo é mais importante que “mil programas”, como Marx e Engels
costumavam afirmar, e não faz sentido denunciá-los por rebaixarem o
programa. Para a mente sectária, a abordagem deles é completamente
incompreensível. Por mais de um século vimos os dois critérios, e
a diferença é tão gritante hoje como sempre foi. O teste mais
importante sempre foi a relação entre os autoproclamados marxistas
e a classe trabalhadora organizada no nível econômico elementar, ou
seja, o movimento sindical. (O teste é ainda mais decisivo nos
Estados Unidos onde, infelizmente, o movimento sindical é o único
movimento de classe dos trabalhadores existente).
4.
Seitas e Sindicatos
O
socialista de seita [2*] sempre sentiu uma dor na alma diante de um
movimento sindical que rejeita o socialismo; e a predominância da
vida sectária na história do socialismo foi acompanhada pela
predominância de uma hostilidade ultraesquerdista ao sindicalismo
como tal.
Marx e Engels constituíram a primeira escola
socialista a ter a posição de apoiar o sindicalismo como tal (mesmo
que criticassem algumas políticas, líderes etc, é claro). E,
depois da sua época, a história socialista se divide principalmente
entre os socialdemocratas que apoiaram o sindicalismo reformista
precisamente porque eles mesmos eram reformistas, em vez de
marxistas, e socialistas revolucionários autoproclamados que
encontraram argumentos "revolucionários" para voltar à
velha merda de antissindicalismo socialista – acrescentando
retórica marxista para disfarçar a sua abordagem sectária. Muitos
poucos assim chamados ou autoproclamados marxistas entenderam a
essência da abordagem de Marx sobre o socialismo proletário: a
estratégia básica para construir um movimento socialista consiste
em fundir dois movimentos - o movimento de classe por esse ou aquele
passo que coloca um setor decisivo da classe em colisão com os
poderes estabelecidos do Estado e da burguesia, uma colisão em
qualquer escala que for; e o trabalho de permear esse movimento
de classe com propaganda educativa pela revolução social, que
integra os dois.
Se
isso foi verdade nos melhores dias do movimento marxista, em maior ou
menor extensão, assumiu formas grotescas no passado recente da
esquerda americana, ou seja, durante os anos 1960, quando o impulso
radical estava vindo temporariamente de setores não-operários
(estudantes e alguns negros não enraizados na vida operária, por
exemplo). [3*] A Nova Esquerda estudantil geralmente engolia a imagem
da classe operária criada pela lavagem cerebral sociológica da
academia: “Big Labor” junto com o Big Business etc, identificação
do sindicalismo com George Meany ou Hoffa, igualação implícita do
movimento sindical com a sua burocracia, dos trabalhadores
organizados como uma “classe média” ipso facto e parte do
Establishment, e o resto do lixo ideológico dos moinhos mentais
antioperários do verdadeiro Establishment.
Mesmo entre esses
elementos da Nova Esquerda – os melhores – que se orientaram ao
trabalho nas fábricas e plantas industriais (“ir ao povo”), a
concepção dominante era de que os sindicatos como tais tinham que
ser substituídos por formações mais “radicais” por local de
trabalho que, de alguma forma, estariam fora da estrutura sindical
sem serem sindicatos paralelos. Essas concepções ou ficavam no
reino da fantasia, tornando impossível que os que acreditavam nelas
se integrassem ao movimento real como sindicalistas, ou (pior) eram
concretizadas destrutivamente em alguns lugares, prejudicando os
trabalhadores e desacreditando os radicais. Em lugar nenhum o impulso
da Nova Esquerda para as fábricas gerou um movimento de militantes
mais ou menos bem enraizados no movimento sindical que pudesse
realmente ser uma oposição à burocracia: essa é a sua
condenação.
A abordagem sectária sobre o movimento de
classe se mostrou de várias formas que precisam ser ilustradas. Aqui
estão duas.
Item
1. O estudante radical, com o coração cheio de simpatia pelos
pobres trabalhadores, vê a luta dos trabalhadores agrícolas como
uma que claramente merece o seu apoio. Tipicamente, ele não “vai
ao povo” indo trabalhar nos campos como os outros trabalhadores;
por que os seus talentos especiais deveriam ser enterrados com uma
enxada? Ele vai trabalhar “para o sindicato”, ou seja, como o que
o sindicato chama de estudante voluntário. Impressionado pelo seu
próprio autosacrifício por um lado, pelo outro ele acha que o
sindicato nem chega perto do seu ideal de como deveria ser a luta de
classes. Logo, ele reclama que os estudantes voluntários “não tem
voz” na política, ou seja, ele exige que os poderes de decisão
sejam parcialmente tirados das mãos dos sindicalizados e vão para
os visitantes de outras classes que resolveram doar o seu tempo. Ou,
achando que a vida interna e a democracia do sindicato estão longe
de ser satisfatórias, ele pode decidir que o sindicato não merece
mesmo o seu apoio. Ele vai conceder a sua presença somente para
lutas de classes com certificado de pureza que acontecem em outro
plano planetário.
Item
2. O movimento sindical se atrasou muito em fazer oposição à
guerra do Vietnã, como todos sabem, enquanto o sentimento antiguerra
crescia nas universidades. Nos círculos estudantis, a pedra de toque
programática da oposição completa à guerra veio a ser a palavra
de ordem de retirada unilateral das tropas, que era muito bem
justificada. Mas, finalmente, começaram a se desenvolver aqui e ali
focos de oposição antiguerra no movimento sindical. Finalmente, uma
parte dos dirigentes sindicais mais progressistas e conscientes
socialmente tomaram coragem e fundaram a Assembleia Trabalhista pela
Paz, debaixo de denúncias violentas da burocracia de Meany. Esses
começos eram tímidos em muitos aspectos e, entre outras hesitações,
declaravam oposição à guerra sem usar a palavra de ordem de
retirada unilateral das tropas. Não conhecemos exemplo mais
flagrante de mentalidade de seita do que a atitude de desprezo tomada
pela Nova Esquerda diante desse começo de uma oposição antiguerra
no movimento operário. Mesmo na área da Baía de São Francisco,
que tinha a regional mais militante e aberta da Assembleia
Trabalhista pela Paz, e onde os líderes do grupo, senão o grupo
inteiro, falavam abertamente em retirada unilateral, nenhum um só
militante da Nova Esquerda se convenceu a corromper a sua alma tendo
alguma coisa a ver com um grupo tão atrasado, que nem mesmo defendia
o programa de retirada unilateral. O fato de que esse movimento
representava os primeiros passos de um setor importante dos
sindicatos se movendo em colisão com os poderes estabelecidos –
esse fato não significava nada para os sectários. A única
consideração que eles entendiam era o seu shibboleth salvador da
alma, que eles contrapunham ao início real do movimento de classe.
5.
O atoleiro em que estamos
Esse é o caminho da seita. Como
sair desse beco sem saída? Existem duas noções que tentam remediar
os males do sectarismo ampliando a seita. A intenção é boa, o
remédio não funciona.
Uma é a proposta de abolir o
sectarismo através do chamado pela unidade de todas as seitas. Isso
também pode ser apresentado como um caminho para formar um
“movimento” socialista. É uma ilusão piedosa. Na prática, isso
significa ou uma série de negociações de unidade entre algumas
seitas (uma perda de tempo coletiva), ou mesmo a unificação de duas
(uma gota d'água no oceano). Mas a unificação real de todas as
seitas é impossível, porque todos os shibboleths programáticos em
que as seitas se baseiam são incompatíveis politicamente. O produto
da unificação de seitas não é nada mais do que uma seita um pouco
maior, enquanto não surgirem as condições para um verdadeiro
movimento socialista. A ideia de de uma seita “inclusiva” é uma
superstição.
Programas
políticos incompatíveis podem permanecer juntos, pelo menos por um
período histórico, dentro do quadro de um partido/movimento; porque
o cimento que unifica uma formação assim é o seu próprio papel na
luta de classes, o fato de que ele é a classe em movimento; o que
mantém tendências políticas antagônicas no lugar é a pressão
dos inimigos de classe por fora. Enquanto essa não for a situação
real no movimento, nada mais pode ocupar o seu lugar, incluindo
exortações contra o “sectarismo”.
A
segunda proposta quer chegar ao mesmo resultado por um caminho
diferente, a saber, lançando uma seita cujo ponto programático
distintivo seja voluntariamente deixar de lado pontos programáticos
distintivos. Isso será conseguido limitando o programa a alguma base
mínima socialista (ou radical) com que “todo mundo” pode
concordar, ou seja, uma declaração socialista abstrata. Se uma ala
esquerda quiser empurrar o grupo para uma posição revolucionária,
como “Nenhum apoio aos Democratas”, o mínimo explode; na
prática, portanto, o programa deve ser reformista. O Partido
Socialista tentou ser esse tipo de seita a maior parte do tempo desde
que deixou de ser um movimento de massas; e mais recentemente, o Novo
Movimento Americano tentou concretizar esse objetivo de uma forma
ainda incerta.
Algumas vezes o objetivo é derivado por
reminiscência do período histórico diferente (antes de 1917),
quando o Partido Socialista era um cadinho de diferentes pontos de
vista políticos que ainda não se entendia conscientemente que eram
basicamente antagônicos e cujas consequências ainda não tinham
sido entendidas. Mas não temos simplesmente como aprovar uma moção
para voltar à era de Debs.
Enquanto a vida de uma organização
(seja ou não rotulada como “partido”) for baseada realmente nas
suas ideias políticas distintivas, em vez das lutas sociais reais em
que ela estiver envolvida, não será possível suprimir o conflito
de programas que exigem diferentes ações para apoiar diferentes
forças. A questão chave se torna a conquista de uma base de massas,
que não é simplesmente um problema numérico, e sim uma questão de
representação de classe. Tendo uma base de massas na luta social, o
partido não tem necessariamente que suprimir o desenvolvimento do
conflito político, já que a força centrífuga dos desacordos
políticos é contrabalançada pela pressão centrípeta da luta de
classes. Sem uma base de massas, uma seita que se chama um partido
não pode suprimir o efeito divisivo de diferenças fundamentais
sobre (por exemplo) apoiar ou se opor aos partidos capitalistas no
país, na forma dos Democratas liberais, ou apoiar ou se opor às
manobras do mundo “comunista”.
6.
E então?
Se o caminho das seitas é um beco sem saída, o que
fazer então?
O caminho das seitas sempre foi um beco sem
saída; ainda assim, movimentos socialistas vieram à
existência.
Nunca houve um único caso de uma seita que se
transformou, ou deu origem a um movimento socialista genuíno - pelo
único processo que as seitas conhecem, o processo de acreção. A
mentalidade de seita normalmente vê a estrada à frente como uma em
que a seita (a própria seita) vai crescer e crescer, porque tem o
Programa Político Correto, até que se torne um grande seita, em
seguida, uma seita ainda maior, eventualmente, um pequeno partido de
massas, então maior etc, até que se torne grande e massivo
suficiente para impor-se como o partido da classe operária de fato.
Mas, em duzentos anos de história socialista, isso nunca realmente
aconteceu, apesar das inúmeras tentativas.
Isso não é prova
de que nunca vai acontecer no futuro imprevisível. Mas é uma prova
de que deve haver algum outro caminho para a formação de um
movimento socialista genuíno que não é o caminho das seitas.
Esse
caminho tem sido quase totalmente esquecido na “sectarização”
geral dos círculos socialistas em nosso período. A menor
familiaridade com visão do que é preciso para construir um
movimento socialista segundo Marx é o suficiente para lembrar que
Marx foi violentamente e incondicionalmente hostil a qualquer coisa
parecida com uma seita. Não só ele nunca tentou organizar uma seita
marxista, mas ele desprezou positivamente aqueles que o fizeram.
É
menos facilmente entendido que Lênin nunca quis formar uma seita e
nunca o fez, e que o partido bolchevique não era o resultado de uma
formação de seita que cresceu por acreção. Quando Lênin saiu do
exílio em 1900 e foi para o exterior começar a luta para permear os
círculos socialistas existentes com as idéias do marxismo
revolucionário, ele nunca pensou em criar um grupelho ideológica
dele, uma seita, embora os socialistas russos no exílio já
estivessem divididos em seitas (que já estavam rachando etc).
O
que Lênin ajudou a lançar foi um centro político marxista de uma
forma não-sectária, sob a forma de um periódico dirigido por um
conselho editorial, Iskra.
O centro político se educava no
marxismo revolucionário completo. Ao mesmo tempo, o partido /
movimento que ele queria criar um partido socialista amplo, em que o
centro revolucionário marxista constituiria uma tendência,
esperando ser, eventualmente, dominante. Ambos os lados da imagem
condiciom um ao outro: "Antes que possamos nos unir, a fim de
que possamos nos unir, é preciso, antes de tudo, com firmeza,
delimitar as linhas de demarcação entre os vários grupos
[tendências] definitivamente", escreveu Lênin no lançamento
da Iskra . Mas as linhas de demarcação não eram feitas ao longo
das linhas de seita, com barreiras organizacionais limitando-as: este
foi o caminho das seitas que ele não seguiu.
Iskra não era
apenas uma empresa "literária": este é um mal-entendido.
Um trabalhador na Rússia tornava-se um “iskrista” na medida em
que ele concordasse com os pontos de vista políticos do centro
político; e, como um "iskrista" ele mesmo se tornava um
centro político para espalhar ainda mais os pontos de vista nos
círculos populares em que trabalhou, em sua fábrica, na sua aldeia,
em seu círculo socialista. Uma das visões espalhadas por este
centro político era de que o partido / movimento a ser construído
deve ser uma amplo. Lênin nunca desistiu dessa concepção de como
construir um movimento socialista em qualquer momento antes da
Revolução de Outubro. Foi com base nesta concepção de que o
partido leninista realmente evoluiu.
Não propomos ou o
movimento russo ou curso de Lênin como o modelo para a América na
década de 1970. O significado do caso é diferente. Por outro lado,
muitas das seitas acreditam que estão seguindo os passos de Lênin
na construção de uma seita rígida com base em um programa de
shibboleth. Eles estão errados, porque a sua crença é apenas a
internalização do que tem sido dito sobre a natureza da "leninismo"
pela indústria antibolchevique do establishment americano. Por outro
lado, o caso do caminho de Lênin para um partido revolucionário é
importante porque ele aplicou-o de forma única. Sua característica
única foi ser sério e inflexível sobre a manutenção de um centro
político marxista revolucionário como instrumento de permear todo o
movimento com as suas ideias, e insistindo que as maiorias assim
adquiridas fossem reconhecido por todo o movimento. Foi a direita que
rachou.
Nós mantemos que a alternativa ao caminho das seitas,
que é sugerida pelos sucessos e fracassos da história socialista é
também sugerida pela generalização a partir de modelo da Iskra de
Lênin, bem como de uma dúzia de outros casos de construção de
movimentos socialistas reais em vários contextos e circunstâncias .
7.
O centro político
O que fazer para preparar o terreno para a
formação eventual de um movimento/partido socialista nos EUA, ou
seja, uma formação socialista de massas que seja a expressão
política da classe trabalhadora em colisão com os poderes
estabelecidos da sociedade capitalista?
Primeiro, temos que
nos dirigir ao socialista que se pergunta se ele ou ela deveria e
poderia fazer outra coisa além de entrar na seita da sua preferência
e desperdiçar as suas energias nas vicissitudes da vida
sectária:
Você tem a oportunidade de fazer um empreendimento
de dois lados ligado às suas circunstâncias. Sugerimos a seguinte
dupla ligação para você, em que os dois lados são necessários
para a coisa fazer sentido.
(1) A sua contribuição básica
para a formação eventual de um movimento socialista é que você
desenvolva um círculo socialista ao seu redor, onde você estiver
agora. Estamos pensando, em primeiro lugar, no seu papel no lugar de
trabalho (fábrica, escritório, escola, o que for).
Começando
pelo começo: o que o movimento operário americano precisa antes de
tudo é da cristalização de uma oposição militante organizada nos
sindicatos, porque eles são o movimento de classe existente dos
trabalhadores, e o único do tipo.
Seria um grave erro
sectário pensar nisso como uma oposição "radical" ou
socialista, mesmo que, inevitavelmente, era vai ser formada
principalmente por radicais e socialistas de vários tipos, e também
inevitavelmente levaria os seus militantes a pensarem em termos
radicais e socialistas. O que é necessário é uma ampla ala
progressiva do movimento operário. Em termos marxistas, a definição
adequada disso é uma ala que defenda o sindicalismo classista contra
o sindicalismo de colaboração de classes, seja ou não autodefinido
na linguagem de luta de classes. Do ponto de vista do trabalhador,
existe uma profunda necessidade de fazer uma luta sindical militante
sem "se misturar" com socialismo e comunistas. Do ponto de
vista do socialista, a organização de uma oposição militante à
direção sindical cria uma escola elementar de socialismo classista.
Uma das suas consequências, por exemplo, seria a politização do
movimento sindical: a sua entrada em ação política independente
que, por sua vez, depende de romper o vínculo com a política do
Partido Democrata.
Esse movimento de oposição deve ser uma
oposição leal. Isso significa: leal aos interesses do sindicalismo,
no mesmo grau em que luta contra o patrão e o burocrata, cujo poder
não é no interesse do sindicalismo. É necessário proclamar isso
hoje - colocar isso na bandeira, por assim dizer - porque os radicais
de seitas tiveram muito sucesso em se desacreditarem diante dos
sindicalistas conscientes, confundindo "sindicalismo radical"
com ataques relâmpago de uma seita para criar situações no chão
de fábrica com uma demonstração de "militância", mesmo
que os interesses dos trabalhadores sejam prejudicados, ou que o
trabalho sindical seja destruído, desde que um ou dois militantes
sejam recrutados para a seita. Os sectários que trabalham nos
sindicatos e fábricas subordinando os interesses dos trabalhadores
às suas aventuras de autoconstrução de seitas e coisas do tipo são
inimigos da classe operária e do marxismo, não são simplesmente
"radicais desorientados" que tem que ser aconselhados por
editoriais marxistizantes. Eles não são aliados "aventureiristas"
do nosso campo na luta de classes; eles são sabotadores que nem
sempre podem ser diferenciados de provocadores da polícia. Qualquer
movimento de oposição militante nos sindicatos que faça alianças
com tais elementos vai merecer o seu destino.
Se você estiver
em contato regular com algumas pessoas - no local de trabalho ou
outra situação "de massa" - que você está tentando
influenciar numa direção socialista, então você está fazendo
alguma coisa. O que o futuro movimento socialista precisa é uma rede
de círculos socialistas informais - ou formais se você quiser - que
tenha uma relação integral com as lutas reais que as pessoas estão
avançando. [4*]
O mesmo vale para o movimento negro, o
movimento das mulheres, o movimento estudantil etc.
Você pode
estar acostumado com a crença de que só membros de seitas estão
interessados nesse tipo de trabalho. Não é verdade. Existem casos
inumeráveis em que essas células de militância surgiram no local
de trabalho, escritório ou escola, em torno de pessoas que nem mesmo
são socialistas, ou que não sabem que são.
O que é verdade
é que a militância numa seita muitas vezes tem sido o estímulo
para desempenhar esse papel, através de pressão de grupo e
orientação, e que a seita faz o serviço de fornecer materiais de
leitura e estudo etc, para a atividade do círculo. Isso mostra o
lado positivo do trabalho das seitas, que não podemos negar. O que
significa que os esforços dos socialistas nesse sentido precisam de
um centro político de algum tipo, que possa ser procurado para
ajudar com literatura, conselhos e ajuda. Além disso, rapidamente
surge a necessidade dos esforços individuais e de círculo se
interligarem.
(2) Mas o papel do centro político não precisa
ser desempenhado por uma seita
Historicamente, esse trabalho
foi feita, na maioria das vezes e com mais sucesso, por jornais ou
outras publicações de centros políticos socialistas, organizados
simplesmente como um conselho editorial ou editora (a Iskra foi
somente um entre dezenas de exemplos de como isso foi feito no
surgimento de movimentos socialistas em todo o mundo). Também
historicamente, os centros políticos desse tipo frequentemente
assumiram funções organizativas conforme a sua influência se
espalhava, a organização sendo o produto ou subproduto do trabalho
dos seus agentes e representantes (os agentes da Iskra eram os braços
organizativos do primeiro centro leninista). O espírito da coisa
seria totalmente perdido se essas iniciativas fossem consideradas
meramente literárias, no sentido burguês comum. Existe uma linha
contínua que esses centros políticos aplicavam, da sua função
como produtores de "literatura" até o seu papel como
centros de estímulo de organização, de uma forma ou outra.
Centros
políticos assim estão operando hoje no país, junto com as seitas
que se proliferam, e geralmente muito efetivamente. naturalmente, são
centros políticos com posições políticas amplamente divergentes,
a maioria delas desagradáveis para o nosso ponto de vista e umas
para as outras. Nós os mencionamos não para celebrar o seu
trabalho, e sim para exibir alternativas ao caminho sectário.
The
Guardian e a Monthly Review de Sweezy têm funcionado mais ou
menos como centros políticos que emergiram de uma tendência
neostalinista de um tipo ou de outro. (Na verdade, o Guardian está
agora envolvido com um grupo de seitas neostalinistas que falam em
formar um "partido" maoísta através da sua unificação).
No lado da direita socialdemocrata, a clique de literatos ao redor da
Dissent funciona como o único centro político dessa tendência que
existe fora dos escritórios de George Meany.
Esses
exemplos se diferenciam no quanto de atenção eles dão, ou deram em
outros períodos, à função de se relacionarem com os seus leitores
(seguidores) no campo. Para os nossos objetivos atuais, queremos
apenas enfatizar que um centro político não precisa ser uma seita.
Mais ainda: um centro político pode começar uma relação com os
seus seguidores que não seja engessada pelas exigências rígidas da
vida organizativa, suas votações de vida ou morte, lutas
fracionais, rachas, disputas internas e rituais internos de imitação
de um micro "partido de massa" em miniatura.
Do
ponto de vista do indivíduo socialista que quer "fazer alguma
coisa", resumiríamos nossa sugestão assim:
(1)
Cristalize um círculo de companheiros ao seu redor onde você
estiver, nas suas atividades na arena da luta social ligada à sua
situação. Você é o menor centro político que existe.
(2)
Faça contato com um centro político que faça sentido do seu ponto
de vista, para ajuda em literatura, conselhos, ligações externas e
trabalho como qualquer coisa que você ache útil. Mas não existe
razão para não se relacionar com mais de um centro político, se
isso estiver de acordo com a sua visão política. Tal centro
político pode até ser uma seita mas, se você não entrar nela, ela
vai se relacionar com você como um centro político entre outros.
Este relacionamento é frouxo: se, por um lado, você não tem
direito a votar na decisão dos negócios dele, também é verdade
que ele não pode lhe dizer o que fazer, exercendo sua "disciplina"
de seita acima do seu julgamento. Você não cria uma barreira
organizativa entre você como aderente de uma seita e outra pessoa,
que é de outra seita ou de nenhuma. No seu trabalho, você usa a
literatura que quiser, da fonte que quiser. Você vai usar o seu
dinheiro não para aumentar os fundos da seita, e sim para financiar
o seu próprio trabalho. Se esse caminho for o suficiente destruir o
sistema das seitas, seria uma boa coisa paraas futuras possibilidades
de um movimento socialista americano.
Existe uma chance
melhor de um verdadeiro movimento socialista surgir a partir desse
complexo frouxo de relações do que da forma fossilizada das seitas.
Não estamos sob a impressão de que um número muito grande de
indivíduos vai começar amanhã a seguir o curso descrito acima. Até
agora, o nosso interesse foi ilustrar a forma em que os movimentos
socialistas surgiram em outros lugares - a única forma, de uma
maneira ampla. Nós esboçamos o tipo de desenvolvimento que fornece
uma alternativa ao modo de organização sectário que está
derrubando o socialismo americano.
Muito provavelmente, o que
quer que acontecer nesse país acontecerá um pouco diferente - como
é o normal. Se o florescimento de círculos socialistas não está
acontecendo em massa, também é verdade que não existe outra
direção visível para a emergência de um movimento socialista de
massas na esquina. Tudo o que pode ser feito é se orientar na
direção em que os esforços não vão ser desperdiçados,
independente do resultado. A única coisa de que temos certeza é que
o caminho das seitas é um beco sem saída.
O Comitê
Socialista Independente em si mesmo é um esforço para criar um
centro político para a nossa corrente no marxismo revolucionário:a
visão de que os trabalhadores de todos os países constituem a base
de classe de um Terceiro Campo que deve combater e destruir tanto o
sistema capitalista como o coletivismo burocrático "comunista"
para estabelecer a democracia revolucionária de um mundo socialista.
Começa como um conselho editorial para a produção de livros e
folhetos (não um periódico, ainda), incorporando essa visão de
mundo. Dessa forma, estamos exemplificando o nosso próprio conselho.
Outubro
de 1973
Notas
1*. A resposta, claro, é: não, a
revolução cubana criou Castro, e não o contrário. Mas essa já é
outra história.
2*. Nós usamos esse termo esquisito em vez
de "sectário", que usualmente é entendido como alguém
que defende determinadas políticas. É preciso um termo para
quem se baseia numa organização sectária, qualquer que seja a
política da seita.
3*. Para uma apreciação mais positiva
sobre as forças e fraquezas na Nova Esquerda, veja a coleção The
New Left of the Sixties,editada por M. Friedman (Independent
Socialist Press, 1972).
4*. Em vez da proliferação de grupos
de tipo sectário, gostaríamos de ver a proliferação de clubes
abertos socialistas, círculos de discussão, fóruns, e agregações
frouxas e despretensiosas semelhantes, formadas em torno de situações
de local de trabalho por pessoas engajadas em um trabalho comum. Elas
estariam entre os núcleos ao redor dos quais um verdadeiro
movimento socialista poderia se cristalizar, dadas as condições
favoráveis. Reconhecemos livremente que não existem condições
favoráveis agora, especialmente porque os sectários estariam
prontos para esmagar desenvolvimentos promissores assim com o seu
abraço letal.
Nota sobre o texto
1. Esse artigo
foi escrito originalmente quando o jornal trimestral New Politics
estava planejando organizar um simpósio sobre a questão de como
reconstruir um movimento socialista nos EUA. Os editores de New
Politics escolheram não incluir essa peça no simpósio. Depois
(1973) eu revisei um pouco o texto, e ele circulou privadamente.