A CRISE DO PSOL E DA FRENTE DE ESQUERDA
A disputa entre as variantes do Projeto Popular e Democrático
Em fins de 2009 a maior figura pública do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e esperada candidata à Presidência da República, Heloísa Helena, declarou que não concorreria à Presidência em 2010 e ainda por cima deixou claro seu apoio a Marina Silva, candidata pelo PV (Partido Verde). Desde então, diversos setores da esquerda vinham se preparando para uma possível crise entre as diferentes organizações que compõem o PSOL, as quais chamamos de correntes. Tal crise era esperada devido ao acirramento do já conhecido conflito entre os setores à direita e à esquerda existentes em tal partido. Dessa vez, a tensão se deu pelo fato de que os primeiros namoravam a candidatura de Marina e os segundos e defendiam um candidato próprio, sem alianças com partidos burgueses como o PV.
No início de 2010, porém, a declaração de Fernando Gabeira (PV) de que concorreria em aliança com o PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira) para o Governo do Rio de Janeiro forçou os setores pró-Marina do PSOL a recuarem em sua proposta de aliança direta, fazendo-os lançarem a pré-candidatura de Martiniano Cavalcante, da corrente Movimento Esquerda Socialista (MES). Entretanto, a pré-candidatura de Martiniano, apoiado por outra corrente do PSOL, o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) de forma alguma estava desvinculada do apoio à Marina. Era, antes, uma tentativa de apoiá-la por debaixo dos panos através do lançamento de uma candidatura “laranja”.
PSOL, a reedição dos erros do PT
Como foi dito anteriormente, já havia sérios conflitos dentro do PSOL entre o bloco de direita, majoritário na Direção Nacional e composto pelo MES, MTL e APS (Ação Popular Socialista – que passou para a oposição no último congresso) e o bloco de esquerda, composto por correntes como Enlace, Revolutas, Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST), Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR), entre outras. Tais conflitos eram resultado direto do projeto de partido que é o PSOL, o dito “partido de toda a classe”. Tal tipo partido, surgido no século XIX com a II Internacional Socialista, tem por objetivo aglutinar em seu interior as mais diversas tendências políticas da classe trabalhadora, sem possuir um centralismo externo através do qual o voto da maioria decida qual deve ser a linha do partido. Daí, assim como ocorreu com o PT (Partido dos Trabalhadores) ao longo dos anos, as correntes que possuíam um programa político mais adaptado à baixa consciência das massas conseguiu construir um forte aparato parlamentar, capaz de financiar a disputa com os setores de esquerda do PSOL através das verbas de gabinetes e financiamentos privados. Portanto, não é de se admirar que as mesmas correntes que apóiam Marina e o PV sejam aquelas que mais se adaptaram ao regime eleitoreiro do Estado capitalista e que sejam essas as correntes majoritárias na direção, devido às suas melhores condições financeiras. Uma coisa leva a outra: o rebaixamento do programa aliado à um desvio eleitoreiro permite a eleição de mais candidatos, a eleição de mais candidatos permite a construção de um aparato material melhor, o que leva a corrente à direção do partido, e a vontade de permanecer na direção leva a desvios cada vez mais graves, como o apoio ao partido burguês que é o PV.
O racha da III Conferência Eleitoral
Da mesma forma que o MES/MTL uniram-se para apoiar Marina e conseguir crescer internamente, através das migalhas retiradas dos cargos parlamentares (a principal moeda de troca na política de alianças com partidos burgueses), também o setor de esquerda se uniu, para tentar barrar tal apoio. Ao longo das preliminares municipais, ficou claro para o setor de direita o quão difícil seria aprovar na Conferência Eleitoral do PSOL o apoio ao PV, o que os levou a dar um verdadeiro golpe em seu próprio partido. Segundo denúncia feita pela corrente LSR em 10 de abril, o bloco pró-Marina havia congelado as finanças do partido para boicotar a viagem de dirigentes, tirado do ar o site e até mesmo fraudado a tiragem de delegados para as conferências municipais. Para completar, no dia da Conferência Nacional, tanto o MES quanto o MTL não compareceram ao evento, alegando que as correntes adversárias haviam fraudado todo o processo, para favorecer seu pré-candidato, Plínio Arruda Sampaio. Dessa forma, não reconheceram a oficialização da candidatura de Plínio, aprovada de forma unânime pelos 89 delegados do bloco de esquerda, segundo artigo do Enlace do dia 14. Tamanha foi a vontade de barrar a direita que a corrente CST chegou a remover a pré-candidatura de sua figura pública, Babá, para fortalecer o setor anti-Marina, fazendo assim com que o bloco de esquerda apresentasse apenas o nome de Plínio.
Assim, após o término da III Conferência, concretizou-se um racha entre MES/MTL e as correntes de esquerda, em torno da discussão sobre qual candidato é o oficial e que, no fundo representa uma batalha entre submeter ou não o PSOL ao programa “eco-burguês” do PV. E a situação interna do PSOL está tão crítica que, em entrevista do jornal A Folha de São Paulo realizada no dia 18, Martiniano além de declarar não reconhecer a candidatura de Plínio chega mesmo a ameaçar levar o caso à Justiça! E como se a degeneração de levar assuntos da classe trabalhadora aos tribunais da burguesia não bastasse, o mesmo ainda declarou que há forte possibilidade de Heloísa Helena boicotar a campanha de Plínio. Não é à toa que a CST encara a “unidade do partido” como estando “por um fio”.
A inconsequência do bloco de esquerda
Mas, se por um lado o bloco MES/MTL é condenável pela sua vontade de apoiar uma candidata da burguesia, o bloco de esquerda também não está livre de erros. Em um campo estão correntes e também organizações menores (coletivos) com sérios desvios programáticos, que não são senão uma expressão à esquerda do Projeto Popular e Democrático defendido pelo MES/MTL e pelo próprio PT. E o fato do programa das correntes, como o Enlace e a APS, serem “mais à esquerda” é apenas a consequência das mesmas não terem rebaixado seu programa a ponto de permitir alianças com a burguesia, com medo de perder boa parte de seus militantes. Assim, esse bloco eleitoreiro é quase tão culpado quanto as correntes de direita do PSOL, por defenderem, em última instância, o mesmo projeto nacional-desenvolvimentista baseado em um programa anti-latifundiário e anti-imperialista. Tal projeto, formulado em 1989 pelo PT, defende que primeiro deve-se lutar por um “capitalismo desenvolvido” no Brasil, através da reforma agrária e da ruptura com o imperialismo norte-americano, para então se lutar pela revolução socialista. Porém, como já analisamos de forma aprofundada em outros materiais (como na Revista Revolução Permanente número 1), é impossível para o capitalismo brasileiro romper com tais estruturas, devido à sua dependência histórica em relação às mesmas, resultado de um processo de industrialização tardio. Basta observarmos o programa das correntes citadas para vermos que as mesmas não vão muito além das bandeiras de “reforma agrária”, “não-pagamento da dívida externa”, “ruptura com o FMI” e “nacionalização do sistema financeiro (bancos)”, bandeiras essas que não rompem de forma alguma com o fracassado projeto de reformismo do resto da esquerda.
A diferença é que, enquanto o MES/MTL buscam implementar tais bandeiras pela via parlamentar, esse setor do bloco de esquerda tenta fazê-lo através dos movimento sociais (daí a considerável aproximação entre os setores de oposição à Lula dentro do MST e as correntes anteriormente citadas). E mesmo assim, tal diferença vem se diluindo, dada à necessidade do bloco de esquerda de se tornar mais eleitoreiro, para poder competir materialmente com seus adversários dentro do PSOL. Tal necessidade fica muita clara na última campanha de Babá (CST) à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, defendendo bandeiras como “orçamento participativo” e “fóruns públicos”, que constituem uma interpretação do Estado enquanto instrumento neutro, capaz de ser usado positivamente pela classe trabalhadora. Da mesma forma, fica mais clara ainda nos mandatos reformistas do Enlace, como o do Deputado Federal Chico Alencar (RJ) e do Vereador Marcelo Freixo (RJ).
Já no outro campo, estão militantes mais avançados, críticos à essa limitação programática e muitas vezes eleitoreira. Nesse campo, composto majoritariamente por militantes de diversas correntes que são críticos à sua própria direção, se destacam correntes como a LSR, a Revolutas e a CST. Tais correntes são o que caracterizamos de centristas, por mesclar um programa revolucionário com um programa reformista, como resultado do rebaixamento do programa original ao atual baixo nível de consciência revolucionária da classe trabalhadora. Apesar dessas correntes não se entregarem ao eleitoralismo, elas possuem um projeto inconsequente, pois pretendem transformar o PSOL, o “partido de toda a classe”, em um partido revolucionário. A inconseqüência de tais correntes está no fato de que, se algum dia seu programa for aprovado em um Congresso do PSOL, o partido simplesmente explodirá em diversas organizações menores, por sua ampla maioria não desejar se submeter à um programa mais avançado, verdadeiro empecilho para suas práticas parlamentaristas e eleitoreiras. Prova disso é o racha que já se criou através da disputa entre dois programas reformistas mais ou menos avançados, o de Plínio e o de Martiniano/Marina. Tanto os companheiros da LSR percebem isso que em seu chamado de apoio à candidatura de Plínio deixam claro que essa é a única forma do partido não ir pelos ares: rebaixando o programa à um mínimo denominador comum.
Um partido como o PSOL jamais poderá ser “democrático, classista e socialista” como propõem os companheiros da LSR em seu já citado artigo do dia 10 de abril. Ele estará sempre preso à disputa entre as corrente eleitoreiras, que acabarão por rebaixar cada vez mais seu programa até se tornar algo parecido com o que o PT é hoje.
Por isso, chamamos os companheiros da LSR, CST, Revolutas, até mesmo do Enlace, assim como os demais militantes verdadeiramente revolucionários do PSOL a se juntarem ao Coletivo Lenin na luta pela fundação de um Partido Revolucionário dos Trabalhadores, composto por uma maioria de negros e mulheres, os setores mais explorados da classe trabalhadora brasileira!
E como fica a Frente de Esquerda?
Juntamente à aprovação de Plínio como candidato oficial do PSOL, foi feito um chamado à consolidação da Frente de Esquerda entre PSOL-PCB-PSTU, nos moldes da que existiu em 2006, com Heloísa Helena como candidata. A resposta de ambos os partidos foram pela negativa, mas devemos analisá-las com cuidado.
O PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), que encara como central estar grudado em partidos reformistas com influência de massas para poder implementar seu projeto político, lançou logo cedo a pré-candidatura de seu presidente nacional, Zé Maria. Tal candidatura, porém, não tinha por objetivo excluir o PSOL de seu arco de alianças, muito pelo contrário, era um meio de pressionar o bloco de esquerda a passar por cima do MES/MTL e seu apoio à Marina, conformando assim a “frente de esquerda classista e socialista” a qual vem defendendo no final de todas as aparições públicas de seu pré-candidato. Entendemos assim que a atual recusa do PSTU em se aliar com o PSOL, usando argumentos como “fomos tratados de maneira desrespeitosa” não passa de uma nova tentativa de exercer pressão sobre o PSOL, dessa vez dentro do próprio bloco de esquerda, visando fazer com que seus setores mais avançados rompam com esse partido e se integrem ao PSTU, que apresenta através da candidatura de Zé Maria um programa artificialmente mais avançado (uma vez que muitos de seus pontos não são defendidos na atuação cotidiana do partido).
Já o PCB (Partido Comunista Brasileiro), que há muito tempo parece ter se conformado em ser uma corrente externa do PSOL, aprofunda tal conformação ao também lançar seu presidente nacional, Ivan Pinheiro, à presidência e ao mesmo tempo afirmar em artigo do último dia 22 que as eleições de 2010 serão marcadas por “duas ou três campanhas eleitorais, mas apenas uma campanha política” e em artigo do dia 13, parabenizando a candidatura de Plínio, que ambos estarão na “mesma campanha política, ombro a ombro”. Ou seja, há uma total incoerência no PCB em afirmar que possui o mesmo projeto político que o PSOL, mas que não irá integrar uma frente com tal partido. Tamanha é tal incoerência, que o Diretório Nacional do PCB chegou a mandar uma mensagem através da sua lista de e-mails no dia 24 afirmando que a candidatura de Ivan Pinheiro “não é para fazer barganha política com os outros partidos”, em uma tentativa de se diferenciar do PSTU. Mas, apesar do que se possa dizer, está óbvio que, como o próprio PCB afirma, o programa político dos três partidos é o exatamente o mesmo, com apenas algumas insignificantes variações à esquerda ou à direita. O que nos faz entender a não-conformação da Frente de Esquerda como uma maneira de disputar as migalhas da crise pela qual o PSOL vem passando. Porém, essa disputa não apresenta nada de positivo, uma vez que os projetos políticos são iguais!
Um chamado à construção de um partido revolucionário
Por tudo que foi dito anteriormente, nós do Coletivo Lenin, organização forjada através da luta contra o Projeto Democrático e Popular e suas atuais variantes presentes no PT, PSOL, PSTU e PCB, fazemos um chamado aos companheiros honestos do movimento, que enxergam a luta direta e imediata pela revolução socialista como a única maneira de acabar com as desigualdades impostas pelo sistema capitalista e a ditadura da propriedade privada, à romperem com suas organizações e se aliarem a nós na luta pela construção de um partido revolucionário. Partido esse que, diferente do PSOL por possuir uma estrutura leninista, baseada na centralidade da ação e na democracia interna e que, diferente do PSTU e PCB possua um programa verdadeiramente revolucionário, baseado em palavras de ordem transitórias, que indiquem a insuficiência do capitalismo em resolver os problemas da classe trabalhadora!
• Contra o rebaixamento programático do bloco de esquerda do PSOL, o oportunismo centrista do PSTU e a inconsequência do PCB!
• Contra a política de uma Frente Eleitoral de Esquerda baseada no menor denominador programático comum!
• Pela ruptura com o Projeto Popular e Democrático e a construção de um Partido Revolucionário de Trabalhadores, como forma de alavancar a luta pela revolução socialista no Brasil!
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“A esquerda brasileira e o "Governo Democrático e Popular”, localizado na seção de Teoria de nosso site.