A LER-QI (Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional) é a maior organização à esquerda do PSTU. Em São Paulo , ela tem polarizado o movimento estudantil com suas críticas ao oportunismo da direção da ANEL. Seu trabalho político na USP, organizando os terceirizados e as mulheres, tem sido um exemplo na extrema-esquerda.
Nós do Coletivo Lenin sempre dissemos que o nosso pequeno coletivo não é um fim em si mesmo, e sim um instrumento para criar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, a seção brasileira da Quarta Internacional a ser reconstruída.
Compartilhamos com a LER várias críticas à teoria que orienta o PSTU, o morenismo, assim como consideramos corretas várias das suas posições, por exemplo em relação a Cuba ou às greves policiais. Por isso, surge naturalmente a questão: devemos contar com a LER para a tarefa de construir o Partido Revolucionário de Trabalhadores? Para responder, devemos analisar a história e o programa dessa corrente.
O surgimento da Fração Trotskista
A LER foi formada no Brasil em 1999, ao redor do companheiro Brandão do SINTUSP. O motivo imediato foi a política do PSTU no movimento pelo Fora FHC. O PSTU estava fazendo um bloco com o PDT (Partido Democrático Trabalhista) e outros partidos burgueses, sem nenhuma diferenciação. Alguns militantes do PSTU que criticavam tal política entraram em contato com o PTS argentino, cuja corrente internacional é a Fração Trotskista – Quarta Internacional (FT-QI), e se tornaram depois a seção brasileira dela.
A FT-QI surgiu a partir de alguns militantes jovens da organização argentina Movimento ao Socialismo (MAS), que era a maior seção da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), dirigido pelo próprio Nahuel Moreno.
O MAS foi formado em 1982, durante a queda da ditadura militar argentina. A corrente internacional dirigida por Nahuel Moreno tinha feito parte do Secretariado Unificado (SU), junto com Ernest Mandel, durante vinte anos.
O morenismo nunca foi uma corrente revolucionária. Apesar de criticar formalmente o pablismo, o morenismo sempre teve a mesma prática, ou seja, implementar a concepção de que os trotskistas devem se tornar uma “ala esquerda” dos partidos oportunistas que dirigem o movimento de massas, para influenciá-los a avançarem até o socialismo, abandonando a tarefa de lutar contra esses mesmos partidos oportunistas. Basta dizer que o POR, corrente fundada por Moreno, ficou entre 1954 e 1965 em bloco permanente com a esquerda peronista, e chegou mesmo a formar dois partidos com os peronistas, o Partido Socialista da Revolução Nacional (1954-1957) e o Movimento de Agrupamentos Operários, até o começo da década de 1960.
Já dentro do SU, formado em 1963 pelas mesmas correntes pablistas que Moreno tanto criticou, os morenistas, depois de uma curta fase em que concordaram com a política de apoio político às guerrilhas urbanas e rurais defendida por Mandel, passaram a criticá-lo pela direita. Ou seja, em vez de mostrar que as guerrilhas rurais eram uma tática, e não um fim em si mesmo, e que elas não poderiam vencer sem que houvesse um partido revolucionário para mobilizar a classe trabalhadora, os morenistas condenavam a luta armada em qualquer situação que não fosse diretamente revolucionária. Coerentemente com isso, a prioridade deles foi criar partidos eleitorais. Na Argentina, eles construíram o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), com alguns socialdemocratas. No Brasil, foram os morenistas que propuseram a fundação do PT (Partido dos Trabalhadores).
Depois de anos usando essa metodologia eleitoreira, Moreno aproveitou a queda da ditadura militar para “surfar” nas ilusões do povo com a democracia parlamentar e tentar construir um partido de massas. E assim foi criado o MAS, sem uma estrutura leninista de células – ou seja, as “decisões” eram tomadas em assembléias do partido onde qualquer um poderia participar. A prática principal do partido era concorrer nas eleições e disputar os sindicatos em chapas compostas por todos os que eram a favor da democracia.
Todos esses desvios levaram ao baixo nível da militância do MAS. Apesar do partido dizer que tinha cerca de 10 mil militantes, a maioria nem mesmo conseguia entender as matérias do próprio jornal. O livro de Moreno Problemas de Organização mostra como era baixo o nível de consciência exigido para participar do MAS. Além disso, o MAS fazia frentes eleitorais com setores burgueses peronistas. E, no plano internacional, defendia a democracia burguesa, apoiando o Solidarnosc na Polônia (o nome do jornal do MAS era Solidariedad Socialista, imitando o logotipo da central polonesa financiada pelo Vaticano) e se opondo à ocupação soviética no Afeganistão.
Diante de tantos desvios gritantes, na juventude do MAS surgiram militantes que perceberam que aquilo não tinha nada a ver com o trotskismo. E começaram a criticar a direção, até que romperam em 1988 e formaram o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), que foi a pedra fundamental da FT-QI.
Dentro dessa luta, os companheiros perceberam que o erro não estava em uma ou outra política de Moreno, e sim na sua concepção geral sobre o trotskismo, a qual chamamos de morenismo. E trataram de construir o PTS em luta contra o morenismo, para defender as verdadeiras teses do marxismo revolucionário. O que temos que analisar agora é o seguinte: eles conseguiram realmente romper com o morenismo de onde saíram?
A mania das palavras de ordem democráticas
A grande tese de Nahuel Moreno, que é a pedra fundamental da sua ruptura programática com o trotskismo, é a idéia de que existem revoluções socialistas de outubro (lideradas por partidos bolcheviques) e de fevereiro (levadas por outras lideranças e, de acordo com Moreno, só realizadas pela objetividade revolucionária das massas). Essa idéia foi desenvolvida em seus livros Revoluções do Século XX e Teses sobre a Atualização do Programa de Transição. O que isso significa?
Ao analisar a expansão dos Estados Operários depois da Segunda Guerra Mundial, Moreno concluiu que a tomada do poder pelas organizações oportunistas (como os partidos stalinistas e organizações guerrilheiras, como aconteceu em Cuba e na China) é a regra e não a exceção, diferente da previsão feita por Trotsky, de que esse tipo de acontecimento só poderia existir em circunstâncias muito excepcionais. Para chegar a essa conclusão, Moreno teve que “esquecer” todas as outras situações em que os partidos stalinistas e guerrilhas abriram mão do poder quando estavam com a faca e o queijo na mão, e o entregaram de volta à burguesia. Isso ocorreu de maneira muito mais frequente. Por exemplo, foi o caso da França, Grécia e Itália em 1945, das descolonizações na África na década de 1960, entre outros.
Isso não é apenas um debate histórico. Todas as “revoluções de fevereiro” são consideradas socialistas, mas não dirigidas por partidos revolucionários, enquanto a revolução do tipo “de outubro”, só aconteceu no caso da Rússia em 1917. Logicamente, o objetivo dessa classificação é preparar as seções morenistas a intervirem em revoluções “de fevereiro”, ajudando as correntes oportunistas a tomarem o poder. É por isso que o morenismo sempre esteve colado no peronismo, depois na socialdemocracia, no PT brasileiro e agora no PSOL, presta apoio ao Hamas, e um longo etc. (Para mais informações sobre a história do pablismo e da sua relação com o morenismo, leia a Revista Revolução Permanente n°3, totalmente dedicada ao debate sobre o trotskismo. Seus artigos encontram-se também disponíveis em nosso site).
A LER-QI faz exatamente essa crítica ao morenismo. Mas, diante de todos os grandes movimentos de massas, eles têm a mesma prática morenista, apenas com uma “cara” mais radical, levantando palavras de ordem democráticas, para se colarem aos setores que estão dirigindo as lutas. Por exemplo, na Argentina em 2002, na Bolívia em 2005, no México em 2006, em Honduras em 2009 e até no Brasil em 2005 (durante a crise do mensalão), eles chamaram uma Assembléia Constituinte. Dessa forma, se colaram aos setores reformistas que estavam à frente dos processos, e que queriam desviá-los para a luta institucional.
Nos parece que a desculpa que a direção da LER usa dentro da corrente é que devemos “acompanhar a experiência das massas”, como se as pessoas tivessem ido às ruas querendo uma refundação do regime democrático. Assim, eles usam outros fundamentos (a imaturidade política dos trabalhadores) para chegarem à mesma política morenista.
Como marxistas, só defendemos a palavra de ordem de Assembléia Constituinte em ditaduras ou colônias, onde as massas realmente acreditam que uma democracia parlamentar pode mudar a sua situação de vida.
Para não parecer que essa política foi inventada pelo PTS, a direção da FT-QI tenta buscar exemplos históricos da mesma. Os dois casos mais importantes são os bolcheviques em 1917 e o Programa de Ação elaborado por Trotsky em 1934, na França. Nenhum dos exemplos é equivalente às suas ações. No caso da Rússia, a Constituinte foi defendida pelos bolcheviques justamente porque ela uma palavra de ordem da luta contra o czarismo que não tinha sido atendida pelo Governo Provisório. Ou seja, era uma variante do caso do uso da palavra de ordem contra uma ditadura. No caso da França, Trotsky defendeu um parlamento unicameral (sem Senado) juntamente à revogabilidade dos parlamentares – ou seja, palavras de ordem para expor a democracia burguesia, e em nenhum momento deu a esse parlamento a tarefa de refazer a Constituição de um país capitalista como a França.
Além da Constituinte, a LER defendeu no Brasil o “partido operário independente”, ou seja, a mesma política de fundação do PT que a Convergência Socialista defendeu em 1978, mas com um atraso de 30 anos!
A LER no movimento sindical: o “PSTU do PSTU”
Essa linha de pressionar as direções oportunistas com palavras de ordem democráticas se aplica em todos os lugares em que a LER atua. No movimento sindical, o caso é ainda mais triste, porque a LER levanta várias palavras de ordem corretas, como a incorporação dos terceirizados, a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, etc. Ou seja, eles entendem que é necessário combinar a luta por reformas com um programa socialista.
Mas a LER joga tudo isso fora quando usa essas palavras de ordem não para mobilizar os trabalhadores, mas para pressionar o PSTU. Eles fazem com o PSTU (que é uma corrente com uma influência relativamente pequena no movimento sindical) a mesma coisa que o PSTU faz com o PSOL - são o “PSTU do PSTU”.
Por exemplo, a LER, desde 2004, corretamente defendeu a necessidade de permanecer na CUT para lutar dentro da Central contra os pelegos do PT. Mas, para não se “queimar” com os militantes do PSTU, essa posição foi aos poucos sendo deixada no segundo plano, até que quase desapareceu hoje em dia.
Dentro da CONLUTAS, a sua política tem sido fazer várias críticas corretas às alianças e táticas oportunistas do PSTU, mas não para criar uma oposição classista no movimento, e sim para levantar, depois de todas as críticas, “exigências” para que o PSTU assuma um programa revolucionário.
Por nunca se desgrudar do PSTU, a LER tem sido até hoje incapaz de se transformar numa alternativa real dentro da CONLUTAS, o que se revelou mais claramente ainda recentemente, quando a maioria da direção do SINTUSP (o sindicato onde a LER atua) entrou na chapa do PSTU para o CONCLAT – pensando logicamente que, se o objetivo for pressionar, é melhor fazer isso por dentro da chapa do PSTU do que por fora.
A LER no movimento estudantil: pescando nas águas turvas do anarquismo
A lógica do morenismo sempre foi se “colar” nas correntes com mais influência para pressioná-las e ”tirar uma casquinha” delas. A direção da LER também faz isso, como estamos vendo. Eles chegaram à conclusão, no final da década de 1990, que o melhor lugar para construir a corrente dentro do movimento estudantil é nos setores que são contra a UNE. Por isso, muito antes do PSTU formar a CONLUTE (a outra “encarnação” da ANEL), eles já defendiam a ruptura com a UNE e organização do movimento pela base.
Já é difícil entender como alguém pode considerar a rejeição às entidades estudantis como alguma coisa de positiva. Mais estranho ainda é entender o que pode ser ganho ao se substituir a luta por uma política revolucionária e de classe no movimento estudantil pela defesa de propostas de organização que só servem para dissolver as entidades em assembleias gerais.
Esse anarquismo da LER é justificado pela sua direção com o argumento de que é necessário criar “organizações de tipo soviético” no movimento. Em primeiro lugar, seriam “sovietes” totalmente artificiais, feitos para gerir entidades fantasmas (como a ANEL). Em segundo lugar, os sovietes e conselhos de trabalhadores são organizações de classe, coisa totalmente diferente das assembleias com que eles querem substituir a UNE.
Isso não significa que o Coletivo Lênin seja contra criar comandos de greve estudantis com esse tipo de estrutura. Só que eles devem ser formados em situações de luta (como algumas vezes a LER faz), e não devem ser usados para substituir a luta dentro das entidades estudantis contra os pelegos que as dirigem.
A LER e as questões da mulher e do negro
A política da LER de luta contra a opressão da mulher é correta, mesmo levando em conta pequenas nuances (como dar peso maior à questão democrática da legalização do aborto do que às reivindicações por creches públicas e gratuitas em todos os locais de trabalho). Nos parece que a LER só não conseguiu fazer o grupo Pão e Rosas se desenvolver mais por causa das suas concepções sindicais e de movimento estudantil. A LER também tem defendido os trabalhadores homossexuais e levantados as suas reivindicações, em todas as situações em que tem sido necessário.
A divergência principal que temos com a LER no plano das opressões específicas é em relação à questão do negro. Como já demonstramos em nosso documento A Escravidão é a Chave da História do Brasil, a questão do negro é estratégica para a luta pela revolução brasileira. Por isso, defendemos a formação do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, com maioria de mulheres e negros, e tentamos mostrar o conteúdo específico dessa questão em nossas palavras de ordem socialistas. Ao mesmo tempo, priorizamos intervir em movimentos onde haja maioria de negros, como o movimento sem-teto e de favelas e junto aos trabalhadores terceirizados.
A LER, como parte de sua política de exigências ao PSTU, defende uma versão “mais radical” das palavras de ordem dele. Por exemplo, nas eleições de 2010 para o DCE da UFRJ, a chapa da LER com o Coletivo Marxista (um grupo da UFRJ que atua na ANEL) defendia, ao mesmo tempo, as cotas e o fim do vestibular. Isso só pode levar à confusão na hora de agir! É o claro exemplo de como a LER rebaixa o seu programa para se aproximar das correntes oportunistas.
A prova das provas: como o PTS traiu a defesa da União Soviética
Tudo isso que falamos é grave, mas a capitulação da FT-QI às concepções morenistas se revelou de forma trágica durante o fato mais importante desde a Revolução Russa, que é a chave para os trabalhadores compreenderem a nossa época: as contra-revoluções que destruíram a URSS e os Estados Operários Deformados do Leste Europeu.
Esquecendo todas as lições de Trotsky, para o qual “Stálin derrubado pelos trabalhadores é um passo para o socialismo; Stálin derrubado pelo imperialismo é a contra-revolução”, as posições do PTS foram semelhantes à da LIT, embora com menos delírios otimistas. Mas, de qualquer forma, o PTS nunca criticou a posição dos morenistas, contrária à ocupação soviética no Afeganistão, o PTS sempre defendeu o Solidariedade como se ele fosse um sindicato normal (apoiado por Margaret Thatcher e por João Paulo II) e sempre considerou todo o processo que aconteceu no Leste Europeu como positivo.
A corrente internacional que reivindicamos, a TBI (Tendência Bolchevique Internacional), pelo contrário, foi comunista. Fomos pela vitória militar do exército soviético no Afeganistão, contra os fundamentalistas financiados pela CIA (e dirigidos por Osama Bin Laden), defendemos criticamente o golpe do Marechal Jaruzelski em dezembro de 1981, na Polônia, que destruiu momentaneamente o Solidariedade, e defendemos um bloco militar com o Bando dos Oito, em agosto de 1991, para derrubar Gorbatchev e parar a Perestroika e a Glasnost.
Hoje em dia, FT-QI praticamente esconde qual foi a política do PTS entre 1989 e 1991. É claro, porque eles teriam que admitir que essa política foi uma traição ao dever de defender a URSS da restauração do capitalismo. Essas duas citações de documentos do PTS igualam a destruição do Estado Operário com a derrota do stalinismo, que dizem que o processo contra-revolucionário foi um golpe pela esquerda e que criou condições mais favoráveis para a luta dos trabalhadores. Aqui vão as citações:
"Independente do nível de consciência do movimento de massas e das ilusões pró-capitalistas que tinha, foi a primeira resposta massiva de enfrentamento das massas aos objetivos restauracionistas da burocracia" – Projeto de Manifesto Programático para avançar na reconstrução da IV Internacional, pág. 27.
"Longe de ter permitido o surgimento de uma nova ordem mundial, a queda do stalinismo abriu uma crise de domínio imperialista" (Projeto de Manifesto Programático para Avançar na Reconstrução da IV Internacional, pág. 11). "A queda do aparato stalinista mundial permitiu a libertação da espontaneidade das massas. 1989 generalizou um processo de revoltas em nível mundial, questão que não pôde ser definitiva pelo triunfo imperialista na guerra do Golfo em 1991(...) Esta contra-ofensiva, e não o processo de restauração capitalista em curso nos ex-estados operários deformados e degenerados, é que começa a marcar a situação política mundial desde 95 até agora" – Idem.
Para mais discussão sobre o significado do fim da URSS, leia o livreto do Coletivo Lênin “A Queda do Muro de Berlim e o Fim da União Soviética”.
A defesa dos Estados Operários hoje
Outro ponto central que divergimos da LER-QI é a questão da defesa dos Estados operários controlados pela burocracia hoje. Mais uma vez vemos que a LER não foge da regra de se encaixar no melhor espaço para atrair setores oportunistas (principalmente o PSTU) apoiada pela visão geral da esquerda. Acreditamos que a defesa (na maioria das vezes correta) que a LER faz de Cuba é uma expressão disso.
A LER tem uma política muito semelhante à do Coletivo Lenin para Cuba, ou seja, considera que é um Estado Operário deformado e que portanto é preciso combater a burocracia que comanda o Estado, lutando contra seus privilégios e seu controle ditatorial. Ao mesmo tempo, é preciso se diferenciar claramente dos defensores da democracia liberal, defendendo que os trabalhadores tenham o controle direto sobre o Estado com palavras de ordem transitórias. E principalmente, é preciso defender o país contra todas as investidas e ameaças do imperialismo (defendendo taticamente ações da burocracia sempre que necessário), sem confundir isso com deixar de criticar a burocracia, mesmo quando prestando apoio militar.
No entanto, a LER não faz isso com relação à China, que se encontra numa situação social muito semelhante à cubana. Quando a discussão é China, os militantes da LER levantam os mesmos argumentos que eles próprios combatem no PSTU quando o assunto é Cuba para tentar demonstrar que a China é uma “ditadura capitalista”: que na China a burocracia caminha para a restauração completa do capitalismo, não há monopólio do comércio exterior, que o Estado chinês é aliado do imperialismo, etc.
Perguntamos à LER: a situação é diferente em Cuba? Talvez em Cuba o processo de restauração não seja tão avançado, mas a burocracia de Raul Castro caminha a passos largos para a restauração do capitalismo enquanto colabora com o imperialismo e é a maior ameaça à sobrevivência da República operária. Também o monopólio do comércio exterior já foi extinto. Acreditamos que essa situação não é diferente na China, mas que não é o nível de estatização da economia que define a estrutura de classes do país.
A caracterização de China como um Estado operário nos deixa claras as tarefas para o país: combater a burocracia e também os movimentos restauracionistas comandados pelo imperialismo (como a independência do Tibete e Sinkiang) tentando ligar as demandas democráticas com uma linha majoritariamente transitória para puxar a revolução política enquanto nos diferenciamos dos políticos pró-democracia (burguesa). Devemos tentar ganhar a base desses movimentos, sem chegar a integrá-los ou participar de suas ações que ponham em risco o Estado operário, mas principalmente, ganhar os operários que já sofrem os males do capitalismo, intervindo em greves com uma linha transitória que não pode deixar de propagandear a defesa do Estado chinês quando ele estiver ameaçado pelo imperialismo.
Mais chocante ainda é a política da LER-QI sobre a Coréia do Norte. A Coréia do Norte é o único dos 4 Estados Operários remanescentes (junto com China, Cuba e Vietnã) que não abriu as portas ao capitalismo. Nele, a burocracia ainda tem o monopólio do comércio exterior e o controle de todos os setores estratégicos da economia. Entretanto, é muito raro encontrar um texto da LER apontando a necessidade de defender a Coréia do Norte contra o imperialismo. Perguntados, muitas vezes seus militantes mais experientes não sabem responder se a LER considera se é um Estado operário ou não.
Por esses motivos, acreditamos que a defesa que a LER faz de Cuba não é baseada no objetivo de defender as conquistas do proletariado internacional, mas simplesmente para jogar com a enorme pressão que os círculos de esquerda (massas) fazem sobre o oportunismo do PSTU na questão de Cuba (que o PSTU considera uma ditadura capitalista). Se a LER fizesse uma defesa do Estado operário baseada em princípios, não tomaria uma atitude 180 graus diferente com relação à China e, principalmente, não seria tão displicente com relação à Coréia do Norte, que é o Estado operário que mais sofre pressão e sanções do imperialismo. Talvez por Coréia do Norte e China não estarem tão “na moda” quanto Cuba, não seja interessante para a LER reivindicar sua defesa para se colar nos oportunistas.
Conclusão: porque a direção da LER é assim?
Depois de tudo isso, a política da LER e do PTS dá demonstrações sobre qual é a origem programática de todas as vacilações da FT-QI. No cerne está a incapacidade de romper em princípio com o morenismo: uma incapacidade de compreender que a única chance realista de realizar a revolução é um partido revolucionário para avançar as massas a uma consciência socialista (lutando principalmente por questões transitórias) e que não é possível fazer isso tentando se colar aos setores reformistas do movimento, o que a LER faz rebaixando o programa. A única explicação para a tendência da LER de dar prioridade à questão da democracia burguesa é querer seguir as correntes reformistas por achar que elas podem realizar uma revolução democrática que pode avançar até o socialismo, mesmo nos países que já demonstraram a insuficiência da democracia, como o Brasil, e então se consolidar como uma “ala mais radical” dos reformistas.
Além disso, a base social de classe média da LER (e dos setores da classe trabalhadora com condições de vida de classe média, que os marxistas chamam de aristocracia operária) é particularmente sensível à democracia burguesa. Depois da destruição da URSS, houve toda uma campanha da parte das potências imperialistas para glorificar a democracia como “valor universal”. Logicamente, a base social de uma organização não desenvolve um tipo de oportunismo de maneira linear ou mecânica. Correntes abertamente proletárias também possuem oportunismos. Entretanto, quem tem uma condição de vida pelo menos razoável dentro do capitalismo está mais propenso a aceitar que a democracia (vista como um fim em si mesmo) pode resolver as grandes questões da sociedade. E as camadas médias, que têm muito mais acesso à imprensa e à universidade, sofrem muito mais essa pressão.
Em todas os movimentos, podemos ver o mesmo sinal na LER, a capitulação à democracia, seja sob a forma parlamentar (Constituinte), seja nas formas diretas (os “sovietes” estudantis) para se colar (ao invés de se diferenciar abertamente) dos reformadores do capitalismo. Como disse Rosa Luxemburgo, “a democracia é apenas a forma de aplicar a ditadura”. Nós comunistas não somos a favor da democracia operária direta por ela mesma, e sim porque ela é o instrumento para exercer a ditadura dos trabalhadores sobre a classe dominante. E nós sabemos muito bem o que significa a democracia parlamentar; no máximo, um terreno onde podemos ter mais facilidade para desenvolver a luta de classes contra os grande empresários.
Por isso, consideramos que não podemos criar um partido revolucionário junto com a LER e a FT-QI, porque esse partido já nasceria sob influência das concepções de “democracia pura”, que servem para desorientar a iludir os trabalhadores.
Chamamos, apesar disso, todos os militantes revolucionários da base da LER, que tenham concordado com as nossas críticas (como sabemos que muitos deles já fazem críticas semelhantes) para se juntarem a nós na luta pela criação do Partido Revolucionário de Trabalhadores, a seção brasileira da Quarta Internacional a ser reconstruída!
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ResponderExcluirGostaria de entender qual o motivo de vocês classificarem o Coletivo Marxista como corrente oportunista. Aliás, essa organização não compõe a ANEL, como mencionado equivocadamente nesse texto.
ResponderExcluirCompanheiro,
ResponderExcluirpode ser que a gente tenha cometido um erro de redação: "A LER, como parte de sua política de exigências ao PSTU, defende uma versão “mais radical” das palavras de ordem dele. Por exemplo, nas eleições de 2010 para o DCE da UFRJ, a chapa da LER com o Coletivo Marxista (um grupo da UFRJ que atua na ANEL) defendia, ao mesmo tempo, as cotas e o fim do vestibular. Isso só pode levar à confusão na hora de agir! É o claro exemplo de como a LER rebaixa o seu programa para se aproximar das correntes oportunistas". Aqui, nós estamos nos referindo ao PSTU (até porque o Coletivo Marxista, pelo que a gente sabe, defende abertamente o fim do Vestibular/ENEM).
O Coletivo Marxista fazia parte da ANEL na época em que o artigo foi escrito (sinceramente, a gente não sabia que ele tinha saído).
Nós discutimos poucas vezes com o Coletivo Marxista e não temos uma caracterização fechada sobre o grupo.
Saudações Comunistas!