"El marxismo-leninismo abrirá el sendero luminoso hacia la
revolución"
(Mariátegui)
Quem acompanhou o comportamento do MEPR na última semana pode não ter
entendido como uma organização que aparentemente é mais ou menos
"normal"¨para os padrões da extrema-esquerda consegue em instantes
começar a chamar militantes que trabalham com eles no movimento de P2, fazer
ameaças absurdas, comemorar o ataque físico a outras organizações e mentir
irresponsavelmente.
Infelizmente, nós do Coletivo Lênin, que já encontramos militantes dessa
corrente desde o final do século XX, quando eles se chamavam FER, temos uma
visão mais global do problema. É um quebra-cabeça que inclui fatos bizarros,
como comemorações de aniversário do Mao Tse-tung, expulsão de prostitutas e
travestis de ocupações urbanas e insinuações de que a homossexualidade é um
desvio pequeno-burguês.
Mas tudo isso se esclarece quando conhecemos a corrente política em que
o MEPR se inspira, o Partido Comunista do Peru, também chamado de Sendero
Luminoso. A melhor definição que poderíamos dar à ideologia do PCP, que nós
chamamos de senderismo, é a de uma forma degenerada de maoísmo, que eles chamam
de marxismo-leninismo-maoísmo-Pensamento Gonzalo. Para entender o que é essa
degeneração, temos primeiro que relembrar o que é o maoísmo.
Primeira coisa quando trotskistas falam de maoísmo: diferente de muitas
correntes trotskistas ortodoxas que se acham a única corrente revolucionária do
mundo, nós temos senso de história. A direção do PC chinês, com Mao à frente,
dirigiu o processo revolucionário mais longo e mais amplo da história, mesmo
que não tenha sido o mais radical. Ao mesmo tempo em que criticamos o maoísmo,
temos que entender o que ele conseguiu avançar.
Segunda coisa: o maoísmo parte da realidade da revolução chinesa, entre
1927-1949, mas se internacionaliza com a ruptura do movimento comunista entre
os partidos pró-URSS e pró-China, no começo dos anos 1960 e se completa com a
divisão entre os que apoiavam o Bando dos Quatro no PCC, e os que apoiaram a
nova direção a partir de 1976, e que não são mais maoístas. Mas vamos falar de
tudo isso no seu tempo.
Aqui não cabe explicar o processo da Revolução Chinesa que, por si só, é
o tema de livros incontáveis. O importante para o tema é que algumas
características específicas da revolução chinesa foram consideradas universais
pelo maoísmo.
A primeira delas, claro, é a forma da revolução, através
da Guerra Popular Prolongada. A principal tese do maoísmo é a de que a
revolução, em todos os países do mundo, tem a forma de uma guerra popular
prologada, que começa no campo, a partir do armamento do movimento camponês e
da formação de um Exército Popular. Diferente da concepção guevarista, a guerra
popular é subordinada ao partido e ao crescimento da sua influência política.
Durante a guerra popular, são formadas áreas liberadas, onde o partido começa a
aplicar o seu programa, e que se tornam a base social da revolução.
A segunda é a teoria das contradições. Segundo Mao, na obra Sobre a
Contradição, a sociedade é atravessada por inúmeras contradições, mas
sempre existe uma contradição principal que subordina todas as outras. A
consequência disso é que, em várias situações, a contradição nação x
imperialismo é considerada pelos maoístas como superior à contradição burguesia
x proletariado, levando a uma política de colaboração com a burguesia nacional.
A teoria das contradições afeta até a análise sobre o Estado, porque os
maoístas defendem que o resultado da destruição do Estado burguês num país
semicolonial não é um Estado Operário, e sim uma Nova Democracia, onde haveria
o governo conjunto dos operários, camponeses, pequena burguesia urbana e
burguesia nacional. No mundo real, a Nova Democracia nunca chegou a existir,
porque o governo de coalização formado em 1945 pelo PCC junto com os
nacionalistas do Kuomitang foi o cenário desde o começo da guerra civil entre
eles.
A grande novidade do maoísmo em relação ao stalinismo tradicional é a
ideia de que a luta de classes continua no "socialismo" (ou seja, no
Estado Operário), e que se essa "luta de duas linhas" entre os
revolucionários e os revisionistas terminar com a derrota dos revolucionários,
o capitalismo será restaurado. A solução para derrotar o revisionismo e avançar
até o comunismo, segundo Mao, é a revolução cultural, ou seja, várias
revoluções na superestrutura da sociedade (partido, artes, costumes etc) para
eliminar os resquícios da ideologia burguesa.
Como já dissemos, não cabe aqui analisar como foi a Revolução Cultural
na China (1966-1976), só vamos indicar que, do nosso ponto de vista, ao não
querer identificar as raízes materiais da burocratização, Mao teve que combatê-la
somente no plano das ideias e instituições culturais, o que levou ao
voluntarismo, muitas vezes violento e, por fim, ao fracasso da luta contra a
burocracia.
Marxismo-leninismo-maoísmo
Isso é o maoísmo. Ou melhor, o marxismo-leninismo-Pensamento Mao
Tsé-tung, como era chamado na época da Revolução Cultural.
O maoísmo surgiu como movimento internacional a partir de 1962, seguindo
a ruptura da China com a URSS. Essa ruptura, que foi motivada pela luta da
China pela autonomia em relação à URSS, se misturou com um amplo debate sobre o
caráter do socialismo e das formas de transição. Essa luta não começou no
terreno ideológico, e sim em torno do “auxílio” soviético para a
industrialização chinesa. Como aconteceu no Leste Europeu, os soviéticos
queriam que a economia chinesa se tornasse uma fornecedora de matérias-primas
para a URSS. Diante da negativa da China, a URSS retirou seus técnicos em 1960,
e aconteceram conflitos nas fronteiras, inclusive com ameaças por parte da URSS
de uso de armas nucleares.
Para ganhar apoio internacional, a China levou o conflito para o plano
ideológico. Nesse debate, o PCC defendeu abertamente a necessidade da
revolução, contra a linha de "transição pacífica" da URSS. Por isso,
o maoísmo no começo foi uma ruptura progressiva com a linha pacifista do
stalinismo. Mas nunca deixou de ser uma ruptura parcial, o que é evidente pelo
fato do PCC ter defendido a "herança" de Stálin contra o revisionismo
de Kruschev.
Porém, nessa ruptura parcial, não houve ruptura com a ideia de que a
política dos partidos estavam subordinadas às necessidades diplomáticas da
"Pátria Socialista", sendo que nesse caso a pátria era a China.
Durante toda a década de 1970, os maoístas tiveram que seguir os ziguezagues da
política externa chinesa, o que significava, na prática, apoiar qualquer merda
que fosse contra a URSS, inclusive governos com De Gaulle na França, ou as
guerrilhas da UNITA, em Angola, também apoiadas pela África do Sul na época do
apartheid.
Em 1976, tudo ficou muito pior, porque a ala maoísta do PCC (chamada de
Bando dos Quatro) foi derrotada e expulsa do partido. A maioria dos partidos
maoístas continuou ligada ao governo chinês, e deu um giro à direita. Outros
partidos entraram em crise, e uma minoria encontrou outra "Pátria Socialista"
na Albânia, que não ia durar dez anos - caso do PCdoB. As poucas organizações
maoístas que sobreviveram sofreram uma tendência muito forte ao sectarismo.
"Persistir en lo sendero luminoso de Mariátegui"
Uma dessas organizações foi o PCP. Ele foi formado em 1964 sob a direção
de Abimael Guzmán (o Presidente Gonzalo), na época professor da Universidade de
Ayacucho. O apelido de Sendero Luminoso veio do nome da tese com que eles se
lançaram no movimento estudantil, que é esse subtítulo. Mariátegui foi talvez o
maior marxista latinoamericano, mas as suas posições classistas e de defesa da
democracia operária não iriam servir de exemplo para o PCP.
Depois de um longo período de preparação, o PCP começou a guerra popular
no Peru em 1980, com a ação de queimar urnas eleitorais. Desde o começo, houve
conflitos e violência contra a população camponesa das bases de apoio, sendo
que o ponto alto foi o massacre de Lucanamarca, em que o PCP matou 69 pessoas,
incluindo mulheres, crianças e idosos, como resposta à morte de um de seus
dirigentes na região.
A estratégia econômica do PCP era transformar as bases de apoio em
economias de subsistência, impedindo a venda da produção dos camponeses no
mercado. A ideia era ir sufocando as cidades progressivamente. Logicamente,
isso afetava economicamente os camponeses, e a reação do PCP era recorrer à
violência, inclusive contra outras organizações de esquerda que também estavam
na luta armada, como era o caso do MRTA.
Como uma estratégia de cerco da cidade pelo campo é impossível num país
capitalista como o Peru, o PCP não conseguiu avançar, e os seus métodos fizeram
eles perderem o pouco apoio que tinham tido. Eles viraram alvo fácil para a
repressão, tanto que o Presidente Gonzalo foi preso em 1992. Mesmo a derrota tendo
sido motivada por uma estratégia errada, não podemos subestimar a repressão
brutal, principalmente do governo golpista de Fujimori, através de esquadrões
da morte, tortura generalizada e estupros das mulheres das Bases de apoio. As
mortes da guerra suja no Peru chegam a quase 70 mil pessoas.
Isso levou a uma crise generalizada no partido, que hoje se dividiu em
três. A ala direita, que hoje se tornou o MOVADEF (Movimento por Anistia e
Direitos Fundamentais), abandonou a luta armada e está disputando as eleições.
O setor da Base Mantaro Rojo mantém as posições antigas do PCP, enquando o
grupo em torno dos irmãos Quispe Palomino se tornou guerrilheirista, e hoje
tenta fazer uma síntese entre maoísmo e guevarismo.
A principal polêmica
entre os três setores é sobre a suposta mudança de posição do Presidente
Gonzalo sobre a guerra popular. Em 1993, apareceram cartas de paz, assinadas
por ele, defendendo o fim da guerra popular e um giro eleitoral. Como ele está
incomunicável desde que foi preso, as especulações levaram a três posições, a
ala direita aceitou a veracidade das cartas, a ala guerrilheirista também
aceitou, mas viu isso como uma capitualçao do Presidente Gonzalo e Mantaro Rojo
nega que elas sejam verdadeiras.
O que está por trás dessa
polêmica é a suposta infalibilidade do Pensamento Gonzalo, ou seja a aplicação
do maoísmo no Peru feita por ele.
Marxismo-leninismo-maoísmo-Pensamento
Gonzalo, principalmente Pensamento Gonzalo
Como resultado das
pressões sectárias de que falamos antes, todas as correntes maoístas avançaram
para um grau maior ou menor de dogmatismo. Dentro do MRI (Movimento
Revolucionário Internacional), que foi fundado em 1984 para reunir os maoístas
do mundo inteiro, o PCP foi a ala que defendeu, e conseguiu convencer os outros
partidos, que o maoísmo não era mais simplesmente "Pensamento Mao
Tsé-tung", ou seja, as contribuições de Mao para o marxismo-leninismo, e
sim uma nova etapa, a superação do marxismo-leninismo. Por isso, foi em 1993
que o MRI declarou que o mundo vive numa terceira etapa, do
marxismo-leninismo-maoísmo.
No Peru, segundo o PCP, o
Pensamento Gonzalo tem o mesmo papel que o Pensamento Mao Tsé-tung teve na
revolução chinesa. Além disso, consideram o Presidente Gonzalo como jefe
(chefe) infalível do PCP (http://www.solrojo.org/pcp_doc/pcp_gd88.htm).
E justamente a
"contribuição original" do Presidente Gonzalo é a ideia da
militarização do partido. Essa ideia não era estranha ao PCC. Mao Tsé-Tung só foi
se tornar líder do PC Chinês em 1943, até então ele só acumulava funções
militares, então houve uma militarização das próprias funções partidárias,
motivo pelo qual o maoísmo tem essas tendências tão bélicas, do Peru ao
Camboja. Durante toda o resto de sua vida, o Mao acumulou funções militares com
funções políticas, inclusive no governo da China. Isso não é pouca coisa, o
maoísmo é uma vertente militarizada do PC Chinês, que se forjou na Guerra Civil
e assumiu posições de comando por conta das especificidades do combate, e que
nunca mais abriu mão desde então.
Mas, no Pensamento Gonzalo, acontece um
salto, em vez de o partido comandar o exército, ele se torna uma organização militar. E vai lidar com as
outras forças políticas de forma militar, também em grande contradição com a
experiência do PCC, que fazia acordos políticos, dava uma certa autonomia ao
movimento camponês etc. Esse é o motivo da hostilidade dos senderistas contra
todas as outras organizações - e essa hostilidade vai se tornar violência
aberta, se eles puderem.
Enfim, a política
senderista, que foi a responsável pela morte de vários comunistas, não é
exclusividade do Peru. Aconteceram evoluções semelhantes nos partidos maoístas
das Filipinas, na mesma época e, o mais famoso de todos, no Camboja, durante o
regime de Pol Pot. É condição de sobrevivência para o movimento comunista
derrotar politicamente os senderistas.
E isso só pode ser feito
esclarecendo o que os stalinistas, incluindo a sua vertente maoista-senderista,
querem esconder. Para essa tarefa árdua, será fundamental o desenvolvendo a
prática da democracia socialista, e resgatando para os tempos atuais os legados
de Marx, Engels e as contribuições e atualizações dos marxistas que fundaram a
Internacional Socialista e posteriormente Internacional Comunista (morreram
contribuindo para isso, como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht) e as oposições
de esquerda do comunismo que fizeram oposição ao Stalinismo no século
(trotskystas, conselhistas, anarcocomunistas).
Sempre fazendo o balanço das contribuições, dos erros e dos acertos
históricos nos séculos XIX e XX. Só assim levaremos adiante o marxismo
dialético, materialista e revolucionário, derrotando as correntes
pós-degeneradas do Stalinismo sem cair nas mesmas armadilhas que
progressivamente levaram cada uma delas para o que hoje elas são: A "nova e superior etapa" da
degeneração e do oportunismo, que em nada tem em comum com os princípios do
marxismo-revolucionário.