Combater na guerra? Combater a guerra?
Como já dissemos antes, a guerra provocou uma reviravolta em
todas as correntes da Segunda Internacional. Não aconteceu, como a maioria das
correntes diz, uma divisão entre direita, centro e esquerda em relação à
guerra.
Por exemplo, o Bernstein, que era da ala direita, foi
pacifista desde o começo, assim como Kautsky, que era do centro. Os dois
romperam com o SPD em 1916 e formaram o USPD (Partido Socialdemocrata
Independente) com o grupo de Rosa Luxemburgo. Na França, o reformista Jean
Jaurès foi o maior militante contra a guerra dentro da SFIO (Seção Francesa da
Internacional Operária, como era chamado o partido), tanto que foi assassinado
por um nacionalista em 31 de julho, um dia antes do início do conflito.
Os guesdistas, seguidores de Jules Guesde, a ala esquerda da
SFIO, apoiaram a guerra, e Guesde inclusive chegou a assumir um ministério em
nome da “união nacional”. Gustave Hervé, que era da alta esquerda e militante
antiimperialista na SFIO, apoiou a guerra e, alguns anos depois, se tornou
fascista. Esse foi o mesmo caso de Benito Mussolini, da ala esquerda do PSI,
que formou o grupo dos “socialistas intervencionistas”, ou seja, os socialistas
que queriam que a Itália saísse da neutralidade e fizesse uma “guerra revolucionária” contra a Áustria-Hungria.
Os maiores setores contra a guerra, previsivelmente, estavam
nos países neutros. Por exemplo, nos EUA, que só entraram na guerra em 1917,
todas as alas do Partido Socialista foram pacifistas. Mesmo assim, os três
únicos partidos que defenderam que a guerra mundial deveria ser usada como
oportunidade para a revolução foram o Partido Bolchevique, na Rússia, o Partido
Socialista Sérvio e os “Estreitos” da Bulgária.
A divisão também aconteceu entre as fileiras dos
anarquistas, com a diferença de que a maioria das organizações aderiram à linha
anarquista de “guerra à guerra”, com a exceção da Confederação Geral dos trabalhadores
(CGT) francesa, de alguns agrupamentos minoritários que se denominaram “nacional-sindicalistas”,
e de algumas personalidades, como Piotr Kropotkin.
Então, em 1914, a Segunda Internacional estava despedaçada,
e existiram duas posições antiguerra: a pacifista e a que defendia a
transformação da guerra em revolução. Vamos ver agora como os socialistas
antiguerra se organizaram para reconstruir uma Internacional.
Os social-imperialistas durante a guerra
A Segunda Internacional estava com uma conferência marcada
para agosto de 1914, justamente com o objetivo de lutar contra a ameaça de
guerra. Mas a traição de 4 de agosto colocou o Birô Socialista Internacional,
que era o seu órgão dirigente, em inatividade.
O apoio à guerra estava em completo desacordo com o
Congresso de Stuttgart, em 1907, em que tinha sido aprovada uma resolução
contra a ameaça da guerra, escrita pela Rosa Luxemburgo. O Manifesto aprovado
por unanimidade no Congresso de Basiléia, em 1912, era ainda mais claro, e
defendia que, no caso de uma guerra imperialista, era o dever dos trabalhadores
transformá-la numa guerra civil revolucionária. Karl Liebknecht imortalizou
essa ideia, com a frase “o inimigo principal está em casa”.
Com a capitulação, se formaram dois campos de socialistas
pró—guerra ou, como Lênin chamou, de social-imperialistas. O primeiro, dos
partidos dos países Aliados (França, Inglaterra e Rússia), organizou três
conferências, em fevereiro de 1915, agosto de 1917 e setembro de 1918. Os
principais organizadores foram o Partido Trabalhista e o Partido Trabalhista
Independente (ILP) ingleses, a SFIO francesa e o Partido Social-Revolucionário
russo.
Ao mesmo tempo em que eles diziam que a guerra tinha sido
necessária para defender a democracia, eles fizeram declarações contra as
anexações de territórios e exigindo a formação da uma Liga das Nações (o que
realmente foi feito) e uma Corte Internacional para impedir futuras guerras.
Já os partidos dos países centrais (Alemanha e
Áustria-Hungria), tendo à frente o SPD, o Partido Socialdemocrata Húngaro e o
Partido Socialista Austríaco, fizeram uma única Conferência, em abril de 1915,
com resoluções semelhantes, mas dessa vez insistindo que a guerra era uma
medida necessária contra o czarismo russo.
Os internacionalistas na guerra
Foi a partir dos partidos dos países neutros que começou a
se formar o movimento contra a guerra imperialista. Houve três conferências
desses partidos, que prepararam as conferências antiguerra gerais. A primeira
foi em Lugano, Suíça, em setembro de 1914, organizada pelo Partido
Socialdemocrata Suíço e pelo Partido Socialista Italiano, exigindo que houvesse
uma pressão diplomática pelo fim da guerra. A segunda foi em Copenhague, em
outubro de 1915, e os participantes foram os partidos dos países nórdicos, e a
terceira foi em Hague, Holanda, em julho de 1916.
Mas essas conferências não envolviam os setores antiguerra
dos países que estavam participando do conflito. Isso só aconteceu a partir da
Conferência de Zimmerwald (Suíça), em setembro de 1915, que reuniu todos os
setores internacionalistas. Uma segunda
conferência aconteceu em Kienthal (Suíça), em abril de 1916, e a terceira foi
em Estocolmo, em setembro de 1917, convocada pelo soviete de Petrogrado.
Durante as três conferências, existiram duas alas. Uma era a
ala pacifista, formada por representantes da direita e do centro, que defendia
o fim da guerra e uma política de autodeterminação dos povos, contra
retaliações aos derrotados etc. A outra ala, chamada de “esquerda de Zimmerwald”,
mantinha a posição de transformar a guerra imperialista em revolução. Foi a
esquerda de Zimmerwald que levantou a proposta de criar uma Terceira
Internacional, enquanto os pacifistas acreditavam que com o fim da guerra seria
possível reunificar a Segunda Internacional.
Com a revolução russa, as condições políticas mudam
completamente. Os bolcheviques, representantes da esquerda de Zimmerwald, criam
o primeiro Estado operário e convocam a formação da Terceira Internacional.
Para isso, contam com o apoio dos espartaquistas alemães, que logo fundarão do
PC Alemão (KPD), e setores da esquerda em todos os países. A derrota na guerra
abre,em 1918, a revolução na Alemanha e na Hungria, em que um governo dos
trabalhadores assume o poder durante quatro meses.
Epílogo
Em março de 1919 se realizou o primeiro Congresso da
Terceira Internacional. Além da esquerda de Zimmerwald, organizações
sindicalistas revolucionárias e anarquistas que foram contra a guerra
participaram. Para os bolcheviques, a Primeira Guerra marcava o estágio final
do capitalismo, e colocava na ordem do dia a luta pelo poder em toda a Europa.
Toda a atividade da IC até 1921 estava em função da expectativa da vitória na
revolução alemã.
Mas, a partir de 1923, a onda revolucionária aberta na
Rússia estava se encerrando, com a derrota da Ação de Março, na Alemanha. O
novo período de paz permitiu a volta das antigas correntes antiguerra aos partidos
socialdemocratas de onde tinham saído, formando a Internacional Operária e
Socialista.
Na verdade, a perspectiva de Bernstein, de condições sempre
mais favoráveis para a transição ao socialismo, se revelou uma ilusão. Em
poucos anos, a Alemanha entraria em colapso por causa das retaliações impostas
pelo Tratado de Versalhes. O fascismo iria se espalhar por toda a Europa,
preparando o terreno para a Segunda Guerra Mundial.
A “guerra de atrito” do centro também se mostrou uma ilusão.
O período prolongado de fortalecimento dos partidos e sindicatos tinha criado
uma burocratização e levado à colaboração de classes.
A perspectiva da esquerda, de que a guerra significaria a
agonia mortal do capitalismo, também foi uma ilusão. Lênin estava errado ao
pensar que só uma pequena parte dos trabalhadores passaria a ter um nível de
vida pequeno-burguês por causa do imperialismo. Bukhárin, em seu livro Imperialismo e Economia Mundial, apontava
que a maioria da classe trabalhadora nos países centrais tinha uma melhora do
nível de vida capaz de lhe dar uma perspectiva reformista, e que só as guerras
entre países imperialistas permitiam uma ruptura da política de colaboração de
classes.
Lênin também teve essa intuição no seu último texto, Mais vale menos, mas melhor, em que ele
fala que, nas décadas seguintes, o eixo das revoluções se deslocaria para a
Ásia. Infelizmente, a Terceira Internacional não pôde se preparar adequadamente
para essa mudança porque, a partir de 1924, Stálin chega ao poder na URSS, e
transforma a Internacional em um instrumento de pressão da burocracia
soviética.
A Quarta Internacional, que surgiu em luta contra o
stalinismo, não foi capaz de romper com as perspectivas da IC, tanto que o nome
do Programa de Transição é A Agonia
Mortal do Capitalismo e as Tarefas da Quarta Internacional. Depois da Segunda
Guerra, o período de desenvolvimento acelerado do capitalismo que durou 30 anos
desorientou violentamente o conjunto das organizações trotskistas, enquanto os
partidos stalinistas nos países centrais se tornaram partidos reformistas.
A tarefa dos revolucionários hoje é entender o período
histórico que estamos vivendo, com a crise estrutural e o deslocamento do eixo
imperialista, para que a gente possa formular perspectivas adequadas para frear
o caminho para a barbárie e colocar a luta pelo socialismo novamente na ordem
do dia.
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