Introdução do Coletivo Lênin:
Recebemos esse texto de linha conselhista do companheiro Denes, do Maranhão. Estamos cedendo democraticamente o nosso blog para publicar, depois do que foi explicado por ele.
Introdução do companheiro Denes:
Aqui é o Denes do Maranhão. Como a UJC MA União da
Juventude Comunista do Maranhão esconde-me a senha do seu blog, volto a
reproduzir textos e análises no blog da organização “Coletivo Lênin”.
Obrigado uma vez mais.
Há braços!
NOTAS SOBRE UMA DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA
Luiz Eduardo Lopes Silva
Poucas coisas me deixam tão indignados no senso comum da esquerda atual, cada
dia mais decadente, que o famoso jargão:
“A revolução não triunfa atualmente por falta de
uma direção revolucionária”.
Ou, outra bem parecida, que equivale à mesma coisa:
“A culpa da revolução não triunfar é das direções
traidoras”
Essa frase é bastante reveladora quanto à concepção de história que tem esses
militantes. Para eles, os rumos decisivos da história são tomados por um
pequeno conjunto de pessoas, um grupo seleto de iluminados que ao decidir
escolher por determinado caminho mudam o rumo da história. Dizer que essa visão
de mundo e da história nada tem a ver com a visão do materialismo histórico
dialético é dizer o obvio. O que não teria nenhuma problema, caso os autores
dessa enormidade: “a revolução não triunfa atualmente por falta de uma direção
revolucionária” não se reivindicassem adeptos desse tal materialismo histórico
e dialético. Para o materialismo histórico e dialético, teoria
revolucionária criada pelos pensadores alemães Marx e Engels, os sujeitos da
história, isto é, aqueles que ao agirem traçam os caminhos do desenrolar da
história da humanidade são as classes, e no caso da sociedade industrial
capitalista contemporânea, a classe explorada que é classe operária, apesar da
posição trágica que ocupa na sociedade é, na verdade, a responsável por
produzir a riqueza do mundo social. Essa classe, é, ela mesma a responsável pela
sua auto-emancipação, e por consequência dessa mudança ocorrida na estrutura
societal, a emancipação da classe trabalhadora significaria a emancipação do
conjunto da humanidade. Deixando de lado que isso é um péssimo resumo de 200
anos de teoria revolucionária, o importante é que esteja claro que, para Marx e
Engels, a emancipação do proletariado só pode vir mediante as ações do próprio
proletariado, e não pelas mãos de um grupo organizado enquanto classe separada,
muito menos das mãos de meia dúzia de dirigentes. Essa visão, no entanto, não é
a visão corrente entre os militantes de esquerda que se dizem adeptos das
teorias de Marx e Engels. Ao observarmos com cuidado vemos que essa sentença
sobre a tal traição das direções, muito comum atualmente (formulada há quase
100 anos) entre os militantes de esquerda, é tributária da visão mais
conservadora que a história já teve notícia e que é claro, nada tem a ver com a
visão de Marx e Engels, tem a ver sim com aquela visão da história que tributa
os principais acontecimentos aos feitos das grandes personalidades.
Tal visão da história, como não poderia ser diferente, contamina as mais
diversas interpretações dos acontecimentos da história da humanidade e
inclusive da história do movimento revolucionário. Os mesmos militantes que
dizem hoje que “a revolução não triunfa por conta das direções traidoras”, são
os mesmos que olham para trás e dizem que o grande problema da experiência da
construção do socialismo na Rússia foi à morte precoce do seu principal líder
(Lênin), e, em algumas interpretações somam-se a isso, a substituição do
principal líder, Lênin, por um líder nefasto (Stálin), caso o grande líder
(Lênin) tivesse sido substituído por um outro líder a altura, como Trotski por
exemplo, as coisas teriam caminhado de um jeito radicalmente
diferente. É curioso perceber que essa visão de mundo é idêntica a visão dos
senhores e das senhoras conservadoras que na época das eleições votam nos
políticos tradicionais como Maluf ou Sarney, por exemplo, porque acreditam que
esses são grandes líderes, e que os seus dotes individuais, quaisquer que sejam
eles, farão toda a diferença. Nessa visão de mundo as classes são escamoteadas,
a grande massa das pessoas comuns, as conjunturas históricas, sociais,
econômicas e políticas somem e prevalece a providência do indivíduo. Na cabeça
viciada pela hierarquia e abarrotada de jargões desses militantes, não cabe
entender o processo de ampliação da burocracia czarista promovida pelo partido
bolchevique pós tomada jacobina da máquina Estatal, crescimento da burocracia
admitida inclusive pelo próprio Lênin pouco antes de morrer, com a criação de
uma polícia violenta e repressora a tcheka (depois se tornaria KGB),
amplas medidas autoritárias e contrarrevolucionárias que qualquer um que tenha
um mínimo desejo de conhecer a história da revolução russa para além dos
jargões da esquerda tradicional vai poder constatar. E que sendo Trotsky ou
Stálin seu sucessor, ambos seriam representantes da classe burocrática no poder,
portanto teriam que governar segundo os interesses dessa classe e continuar
implementando as medidas contrarrevolucionárias, de tal forma que se sabe
amplamente que muitas das propostas de Trotsky em relação, principalmente a
economia russa, foram colocadas em prática por Stálin. Da mesma maneira, esses
militantes são os mesmos que dizem que a Comuna de Paris não foi vitoriosa
porque não havia um partido dirigente. Isto é, pouco importa a enorme
superioridade bélica das forças que esmagaram os comunados. As balas da aliança
franco-prussiana contra os indivíduos mais pobres de Paris pouco importa frente
à falta de alguns líderes iluminados e burocraticamente organizados segundo os
ditames do tal centralismo. Outras análises, como as de Marx e Engels, por exemplo,
que falaram que a Comuna de Paris foi a expressão viva da tal “ditadura do
proletariado”, mesmo que nenhuma de suas principais correntes políticas reivindicasse
o marxismo, nada disso importa, a análise de Marx errou feio quando esqueceu de
apontar a ausência de um partido centralizado, e, caso o anacronismo
permitisse, um partido de tipo leninista!
É claro que esses militantes ao alardearem como um mantra essas baboseiras só
estão repetindo aquilo que os seus líderes ensinam mediante as famosas
secretarias de (de)formação e em seus jornais que cada militante tem a
obrigação de vender mas não necessariamente de ler (talvez ler um ou outro
texto no intervalo das inúmeras tarefas). O ensinamento dessa grosseira visão
de mundo, que, tais líderes, têm obviamente um enorme interesse que triunfe,
visto que, colocam suas ações como o grande palco onde a história se desenrola
e legitimam sua posição escondendo sua face opressora e contrarrevolucionária.
Os militantes que repetem tais baboseiras como se estivessem em transe, só
estão legitimando a cisão interna que suas próprias organizações trazem
consigo, entre aqueles que mandam e aqueles que são mandados, entre os que
dirigem e os que são dirigidos. Tal cisão que é idêntica à cisão mais geral da
sociedade, é seguida acriticamente pela maioria das organizações que se dizem
revolucionárias, isto é, o fato que acontece na nossa sociedade onde algumas
poucas pessoas decidem o futuro de milhões a portas fechadas é seguido a risca
pelas organizações que dizem que querem mudar esse mesmo mundo. Não basta que
as grandes corporações, as multinacionais, os dirigentes do Estado burguês e
muitas outras instituições que não estão sob o nosso domínio e que, no entanto,
decidem nossa vida, propaguem essa visão (e práxis) de mundo. Os partidos ditos
marxistas não acham isso o suficiente, e colocam também seus aparelhos
ideológicos para que essa filosofia triunfe inclusive entre aqueles que pensam
que vão mudar alguma coisa. Tais organizações repetem com grande sucesso todos
os vícios da sociedade que elas dizem pretender abolir. E mal sabem seus
seguidores mais honestos que, ao engajarem em tais organizações, caso venham a
triunfar, o máximo que eles vão conseguir, não é uma mudança radical desse
mundo, e sim, no máximo, mudar algumas coisas superficiais ao mudarem o atual
pequeno grupo dirigente por outro futuro pequeno grupo dirigente, que em
hipótese nenhuma, servirá de abre alas para o domínio pleno da classe
trabalhadora, é o que a história tem mostrado.
É muito irônico perceber o fato de que as pessoas que se engajam nessas
organizações, a maioria delas, presumo eu, talvez sendo um pouco otimista,
estão cansadas de verem suas vidas serem decidas por forças que estão
totalmente alheias a sua vontade, e ao se engajarem a maioria é incapaz de
perceber que essa é a exata lógica que inspira a essência dessas organizações.
A situação tragicômica de milhões de pessoas em todo mundo, das pessoas comuns,
dos trabalhadores em geral, é ser um pau-mandado no trabalho pelos patrões, é
ser um pau-mandado na vida pública pelos políticos, e se não bastasse, quando
pensam em se rebelar contra essa lógica, o caminho que lhes é apontado é
tornar-se um pau-mandado nos partidos que dizem representar seus interesses.
Mesmo que não chegue a entrar nesses partidos, muitos desses trabalhadores
continuam sendo um pau-mandado nos sindicatos que dizem lhe representar, mas
que na maioria das vezes nada mais são que aparelhos que se estendem ou dos
patrões, ou dos políticos ou dos partidos que lhe usurpam a representação.
A verdadeira crise do nosso tempo, não é de direção, como querem fazer parecer
aqueles que almejam ocupar os altos postos da hierarquia que administra a luta
de classes e repetem esse mantra em todos os espaços que ocupam, sejam no
movimento estudantil, no movimento sindical, no movimento operário de base, na
política partidária etc. Se a revolução não triunfa ou não triunfou, não foi
por falta de rebeldia das massas como vemos ao longo da história. Inúmeros
fatores colaboram pra isso. Mas é claro que existe sim no seio da classe
trabalhadora e das suas organizações uma crise grave que é de forma de
organização. Se este ou aquele levante não triunfou porque sua
direção traiu, capitulou, negociou quando era pra radicalizar, é claro que há
problemas desse tipo, que não é minha intenção aqui negar, há sim direções
traidoras, e muitas! O que devemos tirar de lição desses acontecimentos, é
indagar que forma de organização que se construiu que permitiu com que a direção
desses movimentos ganhasse autonomia em relação a base? Que tipo de principio
organizacional permite essa profissionalização da direção e despolitização da
base? Que é o que temos visto acontecer sistematicamente no movimento operário,
sindical, estudantil e político partidário. Que tipo de forma de organização
permite que uma direção corrupta, pelega, imponha sua vontade frente a uma
ampla base de indivíduos sérios e comprometidos com a causa e que tendiam a
radicalização? Não é com a simples substituição de líderes que responderemos a
estas demandas. É questionando justamente esse princípio extremamente
hierárquico e extremamente centralista, típico das condições históricas da
nossa época, que é seguido acriticamente pela maioria das organizações políticas,
atentando para isso que chegaremos ao âmago da questão. Se uma direção
minoritária consegue impor sua vontade frente a uma base majoritária, é porque
criou-se condições (políticas, jurídicas, estatutárias, e até mesmo
carismáticas) para que essa separação se perpetuasse e não criou-se nenhum tipo
de mecanismo para que deixasse de existir essa cisão interna. Nesses tipos de
organizações os indivíduos da base sempre estão sujeitos ao “bom caráter dos
dirigentes”, porque quando a traição vem, estão totalmente desassistidos de
instrumentos e espaços de decisão direta, sem contar a própria falta de
experiência de decidir algo sem o auxílio dos líderes, muito menos contra
eles.
Como superar esses tipos de organizações e construir organizações realmente
revolucionárias? A resposta a essa pergunta não saiu da cabeça de nenhum
pensador, de nenhum intelectual seja ele conservador ou revolucionário, não
veio da decisão de nenhum líder ou direção revolucionária, não estava em pauta
em nenhuma reunião de nenhum comitê central. Foram os próprios trabalhadores
que responderam a essa demanda impulsionados pelas necessidades da luta, nos
momentos onde a luta se fez mais feroz e radical durante a história da luta do
proletariado moderno. Nesses momentos, vimos a classe trabalhadora se
auto-organizar e se auto-representar formando seus próprios espaços de decisão
política, de democracia direta, de democracia de base, colocando em prática
desde já a auto-gestão da vida. É o que observamos nos conselhos operários da
Comuna de Paris, nos sovietes durante as revoluções da Rússia em 1905 e 1917,
na China, na Hungria, nas fábricas e universidades ocupadas na França em 1968.
Formas de organização não burocráticas, não hierárquicas, onde qualquer
representante eleito poderia ser destituído pelas assembleias livres a qualquer
tempo. Onde entre os trabalhadores não havia distinção entre dirigidos e
dirigentes. Essa é verdadeira lição que a história da luta revolucionária nos
ensina, que o poder dos trabalhadores se manifesta através de seus conselhos de
fábricas e de bairros, de assembleias livres de pessoas livres, de sovietes!
Enquanto os trabalhadores se auto-organizaram segundo esses parâmetros
não houve traição de nenhuma direção porque não havia uma direção que
distinguia, que se separava, nitidamente da base. Esses movimentos não
triunfaram, porque foram esmagados por forças contrárias, e não por traição de
seus pares.
É claro que há muitos matizes em tudo isso que falei. Mas em essência traduz a
minha intenção que é mostrar o quão conservadora é a visão de mundo e de
história que guia a ação de muitos militantes e organizações que se
auto-intitulam revolucionárias e o quanto está distante da verdadeira essência
da luta promovida por milhões de seres humanos pela emancipação humana. Essa
luta nos mostrou que é preciso se utilizar de meios emancipados para lutar pela
emancipação, obediência cega à hierarquia e ao centralismo só pode levar a mais
obediência, mais centralismo e mais hierarquia. Em vez de ficar clamando pela
ação de líderes honestos é preciso repensar as organizações de luta, é preciso
reconstruí-las em base autogestionárias, em bases soviéticas, no sentido
primeiro da palavra, isto é, em bases conselhistas! Está numa direção
revolucionária é não está sob uma direção revolucionária!
“Emancipar-se das bases materiais da sociedade
invertida, eis no que consiste a auto emancipação de nossa época. Nem o
indivíduo isolado nem a multidão atomizada e sujeita à manipulação podem
realizar essa ‘missão histórica de instaurar a verdade no mundo’, tarefa que
cabe, ainda e sempre, à classe que é capaz de ser a dissolução de todas as
classes ao resumir todo poder na forma desalienante da democracia realizada, o
Conselho, no qual a teoria e a prática controla a si mesma e vê sua ação.
Somente ali os indivíduos estão ‘diretamente ligados a história universal’;
somente ali o diálogo se armou para tornar vitoriosas suas próprias condições”
(Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo).
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