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Somos uma organização marxista revolucionária. Procuramos intervir nas lutas de classes com um programa anticapitalista, com o objetivo de criar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, a seção brasileira de uma nova Internacional Revolucionária. Só com um partido revolucionário, composto em sua maioria por mulheres e negros, é possível lutar pelo governo direto dos trabalhadores, como forma de abrir caminho até o socialismo.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Muro de Berlim: ruim com ele, pior sem ele! (novembro/2009)

20 anos depois da queda...
Muro de Berlim: ruim com ele, pior sem ele!

No dia 4 de novembro de 1989, milhões de pessoas foram às ruas porque não aguentavam
mais as hesitações do governo stalinista do SED (Partido da Unidade Socialista) sobre a
reunificação da Alemanha. Durante aquela noite ea té o dia 12, elas destruíram grande parte da estrutura do muro, sonhando com a vida maravilhosa que teriam no capitalismo (a maioria das pessoas já havia
nascido depois da expropriação da burguesia, então nem mesmo imaginava o que era ficar
desempregado, passar necessidade, não ter acesso ao sistema de saúde, pagar escola ou precisar
fazer um aborto ilegal).

Foi a última etapa de várias mobilizações, que começaram em setembro de 1989, logo após
a morte de Eric Honecker. Honecker era um dirigente stalinista linha-dura, que se recusou até o
final a implantar medidas restauracionistas no estilo da Perestroika e da Glasnost soviéticas. Com a
sua morte, os setores restauracionistas do SED e da Igreja começaram a organizar as “manifestações
de segunda-feira”. No SED, a direção caiu na mãos dos restauracionistas, liderados por Gregor
Gysi.
 
Essas manifestações, conforme ficaram maiores, passaram a exigir a unificação com
República Federal da Alemanha, com o retorno do capitalismo. Isso ficou claro na mudança das
palavras de ordem. No começo, o lema das manifestações era “Nós somos o povo”, deslegitimando
o discurso stalinista de que a República Democrática Alemã era uma “democracia popular”. Em
novembro, o que os manifestantes diziam era “Nós somos UM povo”, apontando para a
reunificação.
 
 
O stalinismo desmontado
 
O contexto social disso tudo foi o desmonte da economia planificada da URSS por
Gorbatchev, assim como o movimento reacionário de massas do Solidariedade, na Polônia. O fato
que levou a burocracia da RDA a pensar na reunificação capitalista foi a abertura das fronteiras da
Hungria, em dezembro de 1988. Ela levou milhares de pessoas a usarem a Hungria para fugirem
para a RFA, o que poderia levar a RDA ao colapso. Por isso, foi feito o acordo entre o SED e o
governo da RFA para a unificação a partir de novembro de 1990.
 
Na RDA nunca houve uma revolução socialista. A burguesia foi expropriada em 1949-1953,
após a ocupação soviética que se seguiu à derrota do nazismo. Os trabalhadores nunca tiveram
realmente o poder político nas mãos. Por isso dizemos que o Estado Operário Alemão era
Deformado desde a sua origem.
 
Quando os trabalhadores tentaram avançar até o socialismo derrubando a burocracia, em
1953, chamaram por um governo dos metalúrgicos, como se fosse para contrapor uma categoria
social concreto ao discurso abstrato de que o regime stalinista representava os trabalhadores. Nessa
ocasião (que foi a primeira tentativa incipiente de revolução política), foram esmagados com ajuda
da URSS.
 
O Muro de Berlim foi o maior símbolo do regime stalinista. Foi construído do dia para a
noite em novembro de 1961, porque grande parte dos trabalhadores não suportava as privações do
“socialismo em um só país” e a polícia política (STASI) e acabou fugindo para a RFA. Depois
disso, o regime endureceu cada vez mais.
 
Para se ter uma idéia, 10% da população era X9 da STASI, fazendo parte de sua
folha de pagamento! 
 
Os sucessivos planos econômicos da burocracia, por não serem controlados
democraticamente pelos trabalhadores, eram cada vez mais fora da realidade, e reduziam o nível de
consumo do povo. Assim, durante a década de 1980, a economia da RDA ficou estagnada.
Isso tudo prova que a política da burocracia de construir economias planificadas isoladas e
sem controle operário só levaria à ruína dos Estados Operários. Por isso, os trotskistas defendíamos
a necessidade de uma revolução política, que derrubasse a burocracia e colocasse o poder
diretamente nas mãos dos trabalhadores, através de conselhos operários.
 
Desde 1953, houve várias tentativas de revolução política no Leste Europeu. Mas,
infelizmente, por causa da destruição da Quarta Internacional, em 1951-1953, elas não tiveram
direções conseqüentes e acabaram sendo derrotadas. Foi o caso da Hungria e da Polônia, em 1956,
da Tchecoslováquia em 1968 (a Primavera de Praga) e da Polônia em 1970.
 
Por causa dessas derrotas, os trabalhadores nunca conheceram nenhuma alternativa ao
capitalismo que não fosse o regime stalinista. Por isso, quando começaram a se mobilizar nos anos
1980, identificavam socialismo com stalinismo, e por isso esses movimentos giraram à direita.
 
Assim, se tornaram agentes diretos da restauração do capitalismo.
 
 
Porque defendemos essa merda?
 
Por tudo o que já falamos, é fácil ver que a vida na RDA (e nos outros Estados Operários
burocratizados) era uma porcaria, e os trabalhadores não tinham nenhum poder político na
sociedade. Então, porque defender algo assim?
 
É simples: a volta do capitalismo ainda seria pior! O Estado Operário excluía a burguesia do
poder, mesmo que esse poder fosse exercido pela burocracia. Mesmo assim, era muito mais fácil
derrubar a burocracia do que derrubar uma classe social enraizada na produção. Isso ficou provado
no caso da Hungria, em 1956, quando o movimento quase desmontou o Partido stalinista em poucos
dias.
 
Como a burguesia não estava no poder, foi possível criar uma economia planificada, mesmo
que burocraticamente. As empresas não eram mercadorias, porque não podiam ser vendidas ou
compradas. A produção não era voltada para o lucro. Assim, não havia desemprego, todos tinham
todos os direitos trabalhistas e sociais. As mulheres tinham acesso a todos os setores da economia, o
trabalho doméstico foi, em grande parte, socializado, e o aborto foi legalizado.

Isso era socialismo? CLARO QUE NÃO! Só pode existir socialismo se toda a economia for
controlada pelos trabalhadores, e com alta tecnologia. Ou seja, expropriar a Microsoft, o Google, e
várias outras empresas em escala mundial. Por isso, não é possível socialismo em um só país.
 
Para usar conceitos filosóficos, o capitalismo já tinha sido negado, mas ainda não tinha sido
superado. Por isso, a economia planificada era incompleta, e precisava do controle operário. Como
a economia era uma mistura incoerente de capitalismo e planificação, a partir de um determinado
momento (anos 1970), ela se tornou até mesmo mais ineficiente do que a economia dos países
imperialistas. O crescimento cada vez menor da economia dos países do Leste Europeu (em parte
determinado pela incapacidade da economia planificada de incorporar a informática e a
microeletrônica ) piorou as condições de vida dos trabalhadores, e foi a gota d´água que levou as
massas à contra-revolução.
 
 
Os pseudotrotskistas que capitularam ao imperialismo
 
Ao contrário dos stalinistas que consideravam aquele regime o melhor que a humanidade
pode conseguir na Terra, e dos maoístas e anarquistas que igualavam a RDA com um país colonial
(como se a URSS explorasse o país, o que é desmentido por todos os dados econômicos), nós
trotskistas reconhecemos a importância fundamental da abolição do capitalismo, ao mesmo tempo
em que lutamos pela derrubada da burocracia e pela extensão da revolução.
 
Diante de um Estado Operário Deformado sob ameaça de contra-revolução, os trotskistas
devem defender o Estado incondicionalmente, e ao mesmo tempo agitar as palavras de ordem
transitórias da revolução política. Ou seja, armamento dos trabalhadores para defender o Estado,
luta contra os setores socais restauracionistas, fim dos privilégios da burocracia, e principalmente a formação de conselhos de trabalhadores que podem ser os embriões de soviets. A defesa das
liberdades democráticas também é correta, mas só quando ela não virar um instrumento para
organizar os setores pró-capitalistas.

 
A nossa política, então, é de FRENTE ÚNICA com a burocracia ou com a sua ala (ainda)
contrária à restauração do capitalismo.
 
Foi exatamente o contrário do que fizeram os restauracionistas involuntários, no SU (antiga
DS/PT, hoje Enlace/PSOL), LIT (antiga CS/PT, hoje PSTU, MES, CST, MR etc, etc), CIO (hoje
divididos entre SR/PSOL e Esquerda Marxista/PT), Causa Operária, O Trabalho, entre outros.
Eles, depois de terem apoiado (junto com Margareth Tatcher, João Paulo II e Ronald
Reagan) o Solidariedade, na Polônia, e de terem emblocado com Osama Bin Laden durante a
ocupação soviética no Afeganistão, foram mais além. Defenderam a democracia e a reunificação da
Alemanha, que foi a forma encontrada pelo imperialismo para anexar o antigo Estado Operário. Ou
seja, abriram mão de qualquer critério de classe ou social, e deitaram e rolaram no discurso dos
EUA! “Esqueceram” a posição clássica de Trotsky, no seu livro proibido Em Defesa do Marxismo:
“Stálin derrubado pelos trabalhadores, é o caminho para o socialismo; Stálin derrubado pela
burguesia, é a contra-revolução que triunfa”, e que por isso mesmo Trotsky foi contra a palavra de
ordem de “Abaixo Stálin”.
 
Essas correntes são culpadas diante da História, por terem passado abertamente ao campo da
social-democracia na hora em que era mais necessário ser comunista. Depois da derrota na RDA, e
da reunificação em novembro de 1990, veio o fim da URSS e o resultado dessa contra-revolução foi
a maior ofensiva da burguesia em toda a sua história, o fim dos direitos dos trabalhadores e a total
desorganização do movimento operário (que até alguns intelectuais passaram a questionar se existe
ou não!), no momento de decomposição do sistema!
 
O lindo resultado da restauração do capitalismo no que hoje é a parte oriental da Alemanha
está aí pra quem quiser ver. A volta do desemprego, a perseguição contra os imigrantes, a
surgimento de vários grupos neonazistas, a destruição do sistema de saúde e de educação. E uma
desindustrialização gritante (que é a base social da barbarização). Nem todo o dinheiro da RFA
conseguiu equacionar os problemas surgidos com o retorno do capitalismo, o que criou uma grande
tensão regional na Alemanha, além de preconceito da parte ocidental, que não quer levar a parte
oriental “nas costas”. E isso depois de vinte anos!
 
 
Pela defesa dos Estados Operários existentes atualmente
 
Ao mesmo tempo, os pseudotrotskistas se recusam, pelo mesmo motivo da democracia, a
defender os Estados Operários deformados existentes (China, Cuba, Coréia do Norte e Vietnã), o
que os tornará, em poucos anos, cúmplices das próximas contra-revoluções. A tarefa da defesa dos
Estados Operários é uma das maiores para os comunistas. Como disse Trotsky: “quem não souber
defender as conquistas existentes nunca será capaz de novas conquistas”! Sobre a caracterização
desses países, escrevemos o livreto A Queda do Muro de Berlim e o Fim da União Soviética.
 
Por conta disso, estamos desarmados diante do fascismo que se aproxima em todos os
países, e se nenhuma perspectiva de revolução social nas próximas décadas. É uma realidade
amarga que estamos expressando, mas não adianta tapar o sol com a peneira. Hoje, a nossa tarefa
maior é assegurar a continuidade do comunismo, através da refundação da Quarta Internacional,
para que as próximas gerações possam ter a teoria e a prática do marxismo quando puderem utilizálo
novamente na luta pelo poder!
 
 
Pós-escrito: as posições da Liga Espartaquista em 1989-1990
 
Nós consideramos que a Tendência Bolchevique Internacional (TBI) representa a
continuidade do trotskismo nos dias de hoje, justamente porque ela soube defender a URSS na
época da contra-revolução.
 
A TBI é um racha da organização internacional dirigida pela Liga Espartaquista (dos EUA).
 
A TBI rompeu em 1983, por causa do regime burocrático que tinha surgido no espartaquismo desde
o final da década de 1970, e por causa da capitulação cada vez maior da LE ao stalinismo.
 
A LE tende a confundir a frente única militar com a ala da burocracia contrária à restauração
do capitalismo com o apoio à burocracia. Por isso, no Afeganistão, em 1979, falaram que o
Exército Soviético iria expropriar a burguesia, quando ele estava lá justamente para apoiar uma
frente popular contra o golpe dos fundamentalistas armados pelos EUA.
 
A posição clássica do trotskismo é reconhecer que a burocracia tem um caráter dual, ou
seja, ao mesmo tempo em que é uma casta que tem interesse na restauração do capitalismo (pra
virar burguesia, passando a ter a propriedade dos meios de produção), ela precisa defender (com
seus próprios métodos) a economia planificada, sobre a qual ela se apóia para existir.
 
A política dos espartaquistas é uma forma de pablismo, porque considera que a burocracia
pode defender os Estados Operários com os métodos revolucionários da classe trabalhadora
. Se isso
fosse verdade, a única tarefa dos trotskistas nos Estados Operários burocratizados seria pressionar a
burocracia, para impedi-la de restaurar o capitalismo.
 
Na Alemanha, essa capitulação chegou a um ponto ridículo.
 
Tanto a LE como a LQI (racha dos espartaquistas de 1996, que tem a LQB como sua seção
brasileira) dizem que o SPAD (Partido Espartaquista dos Trabalhadores Alemães) lutou pela
revolução política durante a dissolução da RDA. É uma forma de afirmarem que a sua corrente teve
um papel de destaque na história mundial.
 
Vamos aos fatos:
 
Os companheiros chegaram na RDA no dia 27 de outubro de 1989 – uma semana antes da
Queda do Muro. Por si só, já fica claro que era impossível mudar a orientação do movimento de
massas. Ainda mais com um grupo que nunca chegou a ter mais de 70 pessoas.
Além dessa avaliação absurda – de que era possível uma revolução política – os
companheiros do SPAD ainda conduziram o processo capitulando à direção do SED (já na mão dos
restauracionistas), usando a palavras de ordem de “Unidade com o SED”.
 
Por exemplo, o maior ato que o SPAD ajudou a organizar foi em 3 de janeiro de 1990, em
Treptow, com cerca de 300 mil pessoas. Dois dias antes, uma estátua em homenagem aos soldados
soviéticos que libertaram a Alemanha do nazismo tinha sido vandalizada. O SED ajudou a convocar
o ato. Essa manifestação mostrava, ao mesmo tempo, que havia um sentimento contra a restauração
em grande parte da sociedade, e que esse sentimento precisava se transformar em consciência e
organização. Isso porque não existia luta de massas correspondente ao tamanho do ato.
O SPAD, na sua convocatória, não criticava o SED, que foi quem levou a RDA à crise. Fez
como a CONLUTAS faz aqui no Brasil; deixa de criticar a direção da CUT, sempre que tenta fazer
uma atividade com ela!
 
O SPAD concorreu nas eleições de 1990, que foram quase um plebiscito sobre a
restauração. Conseguiu apenas 800 votos, que junto com os 2500 da Esquerda Unida (um bloco de
propaganda de vários setores que eram contra a restauração do capitalismo), foram os únicos à
esquerda do SED. Isso mostra, de novo, como o sentimento anti-restauração era difuso e o quanto
era preciso lutar para organizá-lo. Ou seja, o quanto a RDA estava longe de uma revolução
política!
 
Não adianta tapar o sol com a peneira: as massas foram para as ruas com um sentimento
anticomunista.
E o melhor que poderia ser feito era resistir, mas sem alimentar ilusões. O máximo
que esteve ao alcance do SPAD foi criar alguns conselhos de operários e soldados – uma ação
heróica, mas ainda insuficiente.
 
E mais: a política de “passar a mão na cabeça” da burocracia teve um preço trágico para a
LE. Em 1992, a companheira Martha Phillips foi assassinada por militares na Rússia. Aconteceu
isso porque mesmo depois do golpe de Boris Ieltsin, em agosto de 1991, a LE teimou em tentar
procurar uma fração anti-restauracionista dentro do Exército russo (já expurgado de todos os
comunistas).
 
O GIVI (Grupo Quarta Internacional) estava discutindo com a TBI na época, mas ainda
acreditava na possibilidade de regeneração da LE. Diante dessa loucura toda, os companheiros
entraram na TBI.
 
Não estamos falando tudo isso para queimar ou ridicularizar os companheiros da LQI e da
LCI (atual corrente internacional dirigida pela LE). Nosso objetivo é insistir na tese de Lênin e
Trotsky: O PARTIDO NÃO SE IMPROVISA! E é por isso que, mesmo sabendo que nas próximas
décadas não será possível fazer revolução, que nos dedicamos no dia-a-dia à construção dos
instrumentos que serão necessários quando o momento chegar: o Partido Revolucionário dos
Trabalhadores e a Quarta Internacional refundada.
 
[13/08/1961] ~ [09/11/1989]
 
Homenagem do Coletivo Lenin em memória da República Democrática Alemã,
derrubada pela contra-revolução há 20 anos atrás.

Leia mais!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Brasil é um país semicolonial ou subimperialista? Uma polêmica (não só) com a LC

Os companheiros da LC escreveram no seu blog, no dia 02/02, a matéria "Luta pela terra no Paraguai". Nós achamos que é um documento de alto nível, e concordamos com as posições políticas dele, tanto que o reproduzimos no nosso perfil no Facebook.

Para quem ainda não leu, o link é:

http://lcligacomunista.blogspot.com/2012/02/luta-pela-terra-no-paraguai.html


Apesar (ou por causa) desse acordo político, queremos debater um ponto importante: a caracterização do Estado brasileiro. Esse não é um simples debate de rótulos; como nós vamos mostrar, a conclusão do debate leva a posições muito diferentes a serem tomadas pelos comunistas brasileiros.


A polêmica sobre a luta antiimperialista no Brasil

Então, vamos começar.

A LC diz no seu artigo:

"Em que pese a diferença no atraso das forças produtivas imposto artificial e historicamente pelo colonialismo e o tamanho da pilhagem sofrida por cada país na divisão mundial do trabalho, Brasil e Paraguai são duas semi-colônias controladas pelo imperialismo cujas economias são destinadas fundamentalmente a alimentar o mercado mundial capitalista de commodities".

Desde a década de 1920, com o surgimento do PCB, o Brasil foi caracterizado pela grande maioria das correntes marxistas, assim como pela Internacional Comunista e pela Quarta Internacional, como um país semicolonial. Mas o que é exatamente um país semicolonial?

Para Lênin, em Imperialismo, etapa superior do capitalismo, dando os exemplos da Pérsia, Turquia e China:

"Quanto aos Estados "semicoloniais", dão-nos um exemplo das formas de transição que encontramos em todas as esferas da natureza e da sociedade. O capital financeiro é uma força tão considerável, pode dizer-se tão decisiva, em todas as relações econômicas e internacionais que é capaz de subordinar, e subordina realmente, mesmo os Estados que gozam da independência política mais completa, como veremos seguidamente".

Assim, o Brasil, por ser dependente dos países imperialistas, mas ter independência política formal, foi enquadrado como semicolônia. Naquele momento (que se prolongou, do nosso ponto de vista, até a década de 1950, quando a industrialização avançou e permitiu que o Brasil deixasse de ser simplesmente um exportador de matérias-primas), a caracterização era correta. Porém, no mesmo capítulo VI de seu livro, Lênin fala de outras formas de subordinação ao imperialismo que não sejam o estado de colônia ou semicolônia:

Ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário notar que o capital financeiro e a correspondente política internacional, que se traduz na luta das grandes potências pela partilha econômica e política do mundo, originam abundantes formas transitórias de dependência estatal. Para esta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países - os que possuem colônias e as colônias -, mas também as formas variadas de países dependentes que, dum ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática. Uma destas formas, a semicolônia, indicamo-la já anteriormente. Modelo de outra forma é, por exemplo, a Argentina. 


"A América do Sul, e sobretudo a Argentina - diz Schulze-Gaevernitz no seu livro sobre o imperialismo britânico -, encontra-se em tal dependência financeira relativamente a Londres que quase a devemos qualificar de colônia comercial inglesa." Segundo Schilder, os capitais investidos pela Inglaterra na Argentina, de acordo com os dados fornecidos em 1909 pelo cônsul austro-húngaro em Buenos Aires, ascendiam a 8750 milhões de francos. Não é difícil imaginar as fortes relações que isto assegura ao capital financeiro - e à sua fiei "amiga", a diplomacia - da Inglaterra com a burguesia da Argentina, com os círculos dirigentes de toda a sua vida econômica e política.

O exemplo de Portugal mostra-nos uma forma um pouco diferente de dependência financeira e diplomática, ainda que conservando a independência política. Portugal é um Estado independente, soberano, mas na realidade há mais de duzentos anos, desde a Guerra da Sucessão de Espanha (1701- 1714), que está sob o protetorado da Inglaterra. A Inglaterra defendeu-o, e defendeu as possessões coloniais portuguesas, para reforçar as suas próprias posições na luta contra os seus adversários: a Espanha e a França. A Inglaterra obteve em troca vantagens comerciais, melhores condições para a exportação de mercadorias e, sobretudo, para a exportação de capitais para Portugal e suas colônias, pôde utilizar os portos e as ilhas de Portugal, os seus cabos telegráficos, etc. etc. Este gênero de relações entre grandes e pequenos Estados sempre existiu, mas na época do imperialismo capitalista tornam-se sistema geral, entram, como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações que regem a "partilha do mundo", passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro mundial".

Portanto, nem todo país dependente era visto por Lênin como uma semicolônia. Mais à frente voltaremos à questão de qual é o tipo de dependência do Brasil em relação ao sistema imperialista.
 
A maioria das organizações que reivindicavam o marxismo no Brasil se adaptou às teorias oportunistas que a Internacional Comunista passou a defender a partir do movimento em que o stalinismo chegou ao poder na União Sovíética. Por isso, essas correntes, como o PCdoB, MR8, Liga Operária e o antigo PCB, passaram a defender a política de um bloco dos trabalhadores com o setor da burguesia que perdia terreno econômico para o imperialismo, para fazer uma revolução por etapas. Na primeira etapa, a revolução seria unicamente contra o imperialismo, respeitando a burguesia nacional.
 
A história mostrou com muito sangue derramado que a burguesia costuma ter mais consciência dos seus interesses que esses "revolucionários" etapistas. Mesmo na "primeira etapa", todos os setores da burguesia se unem para massacrar os trabalhadores quando eles "vão longe demais" nas suas reivindicações. A burguesia faz isso porque a maioria dos empresários não são idiotas e sabem que, se o movimento destruir a exploração dos grandes monopólios imperialistas num país, pode acabar com as classes dominantes locais com só mais um "peteleco". Então, a burguesia "nacional" prefere fechar com o imperialismo do que arriscar a entregar até uma pequena parte do poder real para os trabalhadores.
 
Se alguém não acreditou nesse argumento, é só ver qualquer filme ou ler qualquer livro sobre os governos Jango, no Brasil, Allende no Chile, Arbenz na Guatemala, Velasco Alvarado no Peru, Paz Estenssoro na Bolívia etc etc etc, para se convencer!
 
Mas a LC não é stalinista, muito pelo contrário, é uma corrente trotskista que sabe muito bem que é impossível formar blocos estáveis com a burguesia nacional. É por isso que a posição da LC sobre o caráter semicolonial do Brasil não leva a traições.
 
Mas isso não quer dizer que entender errado qual é o papel do Brasil na economia mundial não tenha problema. Na verdade, esse erro leva a um foco totalmente deturpado das tarefas a serem cumpridas pelos comunistas brasileiros.
 
Então, vamos tentar definir: que tipo de país é o Brasil?


Rui Mauro Marini e a teoria do subimperialismo brasileiro

Junto com o Caio Prado Júnior e o Jacob Gorender, Rui Mauro Marini é um dos maiores teóricos marxistas brasileiros. Nós reivindicamos a sua teoria sobre o subimperialismo, formulada pela primeira vez em Dialética do Desenvolvimento Capitalista do Brasil, em 1966, mesmo não concordando com o restante das suas posições políticas. Marini foi militante da POLOP e depois do MIR chileno, defendendo diferentes teses erradas em diferentes períodos, que não tem como a gente detalhar aqui, porque essa resposta viraria uma biografia dele.

O que interessa dizer é que a teoria de Marini foi formulada para fazer uma análise do golpe militar de 1° de abril de 1964. O PCB, baseado na sua teoria da revolução por etapas, colocava toda a responsabilidade do golpe no imperialismo americano. O que Marini tentou provar é que a burguesia nacional brasileira estava desde aquela época associada com o imperialismo. Por isso, o golpe correspondia às necessidades da burguesia na luta de classes dentro do Brasil. É lógico que houve apoio dos EUA, mas as causas do golpe foram internas ao capitalismo brasileiro.

Mas a teoria ia mais longe. Para Marini, as dimensões do Brasil permitiram a formação de um mercado interno, mesmo que restrito pela ausência da revolução agrária, que levou a uma acumulação de capital importante. Assim surgiu uma burguesia brasileira.

Mas o Brasil permanecia dependente do capital imperialista, desde a época em que realmente era uma semicolônia exportadora de matérias-primas. Então, a burguesia brasileira se tornou dependente e associada à burguesia imperialista.

Ao mesmo tempo, a burguesia brasileira não resolveu a questão da revolução agrária, porque a burguesia não pode fazer isso no período imperialista sem correr o risco de mobilizar os trabalhadores e camponeses e botar o seu próprio poder em jogo, como foi demonstrado por Trotsky na sua Teoria da Revolução Permanente.

Assim, o mercado interno brasileiro, que foi capaz de permitir o surgimento de grandes empresas nacionais, não pôde servir como base para a expansão dessas empresas. Então, tão logo surge uma burguesia forte, ela passa a depender da exportação de capital para expandir a sua produção.

Então, a burguesia brasileira se torna expansionista. Mas essa expansão não pode acontecer isoladamente, já que a burguesia brasileira é dependente do imperialismo. Por isso, existe uma penetração constante de capital imperialista nas multinacionais brasileiras, que se tornam "sócias menores" na exploração dos países latinoamericanos (e desde a década de 1970, africanos).

Ou seja, o subimperialismo é justamente a maneira que a burguesia tem de expandir o capital nas condições de um país dependente e atrasado, em que o atraso no campo leva a um mercado interno menor.

Em relação aos países imperialistas, um país subimperialista como o Brasil, a Índia, a China ou a África do Sul é um país dependente. Ele é dominado mas não é semicolonial. Mas em relação à sua periferia, ele é um país imperialista, mesmo sendo um sócio menor do imperialismo.

Aqui é que começamos a responder as críticas da LC, no seu artigo Economia política marxista X Macroeconomia burguesa. O Brasil é uma semi-colônia, um país imperialista ou sub-imperialista? Eles fizeram a gentileza de mandar o artigo para a gente antes de postarem no blog deles, o que é uma demonstração rara de companheirismo e vontade de discutir, apesar de todas as nossas divergências.


As críticas da LC e as consequências políticas da caracterização do Brasil como país subimperialista

A base de toda argumentação da LC é de que, para ser subimperialista, o Brasil não poderia ser dependente e nem atrasado no campo. Bem, já demonstramos que o subimperialismo é exatamente uma nova forma de dependência. Mas, só pra citar o Rui Mauro Marini, em A acumulação capitalista mundial e o subimperialismo, vamos lá:

"O subimperialismo é a forma que assume a economia dependente ao chegar à etapa dos monopólios e do capital financeiro (...) desdobrando-se no exercício de uma política expansionista relativamente autônoma (...) não só se acompanha de uma maior integração ao sistema produtivo imperialista como se mantém no marco da hegemonia exercida pelo imperialismo em escala internacional".

Deixando isso claro, a maioria dos argumentos da LC desaparece naturalmente. As citações deles vêm depois dos travessões, em itálico: 

- "que não realizou sua revolução nacional nem as tarefas elementares da mesma (reforma agrária, independência nacional, etc.);"


aliás, como sabemos, nem a Rússia imperialista da época de Lênin tinha resolvido a sua questão agrária antes de 1917, mas isso já é outra história.


- "que estruturalmente é completamente dependente de seus sócios maiores";

- "que é proibido de desenvolver armamentos nucleares e é completamente incapaz de sustentar qualquer conflito militar com a mais “inofensiva” das nações verdadeiramente imperialistas, elemento que tem implicância direta e imediata no grau de autonomia política do Brasil em relação aos EUA e UE";


Temos certeza de que, se for necessário para manter a estabilidade imperalista na América Latina, os EUA vão apoiar a produção de armas nucleares pelo Brasil.

- "que as “multinacionais brasileiras” são dominadas pelo capital internacional e que as empresas de capital propriamente brasileiro são extramemente pequenas com relação as grandes multinacionais imperialistas";

Sobre a afirmação da LC de que o Brasil não pôde acumular capital por causa da remessa de lucros, achamos que não se sustenta. A LC precisaria demonstrar a afirmação. A observação, pelo contrário, nos mostra que existem sim grandes empresas brasileiras, algumas multinacionais (Petrobrás, EBX, Vale, Ipiranga, Gerdau, Ambev, Embraer, CSN etc) estatais ou privadas, e todas elas têm ações tanto da burguesia brasileira quanto das burguesias imperialistas. E o fato de serem de capital aberto é o que permite o interesse das burguesias imperialistas nas multinacionais do Brasil, pois essas empresas poderiam explorar mercados reigionais na América Latina e África, acumulando capital suficiente para as burguesias brasileira e imperialista ao mesmo tempo. Vemos isso na Argentina, no Paraguai e no Uruguais, que são países hoje dependentes da burguesia brasileira através do Mercosul, numa relação comercial muito desfavorável, devido a essa exploração das multinacionais do Brasil em aliança com o capital imperialista.

Pedimos que os companheiros leiam as tabelas que encontramos na tese A teoria do subimperialismo brasileiro: notas para uma (re)discussão contemporânea, de Fábio Bueno e Raphael Seabra, disponível no endereço

http://alainet.org/images/A%20teoria%20do%20subimperialismo%20brasileiro.pdf








Em relação à última crítica, sobre o peso do Brasil no PIB mundial, vamos citar a crítica e reproduzir o próprio comentário da LC no começo do artigo, mostrando como as grandezas macroeconômicas não servem para analisar as relações de classes na sociedade:

- "que o peso econômico do país em conjunto no PIB mundial é quase irrisório e está retrocedendo: “A despeito do crescimento mais forte da economia brasileira nos anos recentes, o País perdeu participação no Produto Interno Bruto (PIB) mundial".


Diferente dos economistas burgueses que visam esconder a exploração social da classe que lhes paga, os marxistas se apropriam da economia política tendo como objeto não apenas a “produção”, mas buscam as diferenças sociais que existem entre os homens na produção, ou seja a estrutura social da produção. A medição do PIB não reflete as relações intrínsecas à sua produção e portanto não reflete a realidade capitalista. (...) A macroeconomia burguesa, com a qual comungam os estudiosos e políticos pequeno burgueses, despreza a relação entre a produção e apropriação da riqueza produzida entre as classes dentro de cada país e entre os países, ou seja, se apoia em parâmetros econômicos que ignoram o essencial para a resolução da contradição principal existente na humanidade entre a produção coletiva e a apropriação privada.  
Afinal, quais são as conclusões políticas?
A caracterização do Brasil pode levar a diferentes respostas para diferentes organizações. 

Por exemplo, o PCB, mesmo caracterizando o Brasil como imperialista, continua levantando as palavras de ordem de libertação nacional (O Petróleo tem que ser nosso, Pátria Livre, Venceremos! etc) sem relação nenhuma com a análise que eles fazem. No caso do PCB, é mais uma expressão da grande contradição do partido, que é reconhecer o caráter socialista da Revolução Brasileira, mas continuar levantando no movimento o programa democrático e popular e o arco de alianças que ele exige (como o PSOL, por exemplo)

Já o Movimento Negação da Negação também diz que o Brasil é imperialista mas, de forma mais coerente e (menos marxista), ignora todos os elementos que mostram que o Brasil é um país dependente. Por exemplo, o MNN nega (com trocadilho) a existência da questão agrária e da questão do negro, sendo que as duas são fundamentais para a luta revolucionária no Brasil. 

E a LC? 

Para nós, a LC mantém a tese do Brasil semicolonial, por ser uma tese "ortodoxa" do trotskismo, mas, por causa do seu instinto de classe, nega as suas consequências políticas, reacionárias na situação atual. É só ver o que grupos como o PCO ou LBI fazem, sempre denunciando a causa dos problemas do Brasil na subordinação ao imperialismo e, logicamente, levantando palavras de ordem nacional-libertadoras. Só dois exemplos, os dois sobre a privatização dos aeroportos feita pelo governo do PT com os empresários:

A privatização dos aeroportos consiste em um brutal ataque aos trabalhadores e a perda da mais elementar soberania nacional levada a cabo pelo governo Dilma

http://www.lbiqi.org/jornal-luta-operaria/no-230-fevereiro-2012/como-nos-tempos-201cplumados201d-do-tucanato-dilma-201cbate-o-martelo201d-e-privatiza-os-aeroportos-de-cumbica-viracopos-e-brasilia


Os aeroportos brasileiros nas mãos dos capitalistas estrangeiros e... da Interpol

http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=34995


A LC, por exemplo, não usa a palavra de ordem de "segunda independência" ou "independência real" para o Brasil, que seria parte de um programa transitório num país semicolonial. Nem fica perdendo tempo com a denúncia dos ataques à "soberania nacional" brasileira. Além disso, a LC sempre está acompanhando as lutas contra o subimperialismo brasileiro.

Finalizando, ao entender que o Brasil é um país subimperialista, temos a tarefa de combater as manifestações do subimperialismo nos países dominados pelo Brasil, de abandonar o eixo de libertação nacional, que se torna uma grande ilusão nessas condições, e de analisar o impacto do subimperialismo nas relações sociais dentro do país, por exemplo na formação de uma aristocracia operária brasileira e seu papel no movimento.

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