O texto do companheiro Paulo reflete a posição do CL, só está assinado porque ele fala de algumas experiências vividas pessoalmente por ele.
Como reconhecer um P2?
Por Paulo Araújo
Nos últimos dias dias, a esquerda americana está
dividida por uma nova polêmica. O jornalista Seth Rosenfeld acaba de publicar um livro em que fala que Richard
Aoki, um militante histórico dos Panteras Negras, foi durante mais de 50 anos um informante da polícia.
Além
do debate se isso é verdade ou não (parece que as fontes não são
confiáveis, e logicamente é do interesse da CIA desacreditar os
militantes históricos para jogar o nome do socialismo mais na lama
ainda), isso levantou o tema infelizmente subestimado a infiltração da
polícia nos movimentos.
Muitas coisas importantes foram ditas
sobre isso, principalmente no ótimo site do grupo maoísta
Kasama Project. Em vez de traduzir esse tipo de material,
seria mais interessante escrever alguma coisa sobre a realidade do
Brasil, onde a repressão não é tão sofisticada (por exemplo, nos EUA, o
FBI conseguiu botar lenha nas divergências políticas dentro dos Pantera
Negras com o objetivo de rachar o partido, coisa que até onde eu sei
nunca aconteceu no Brasil), mas é muito mais violenta.
A
questão da infiltração não tem sido levada a sério, principalmente pela
nova geração de militantes, formada depois da destruição
contrarrevolucionária da URSS e depois de mais de vinte anos de
democracia burguesa no Brasil, e que se expõem e se organizam pelas
redes sociais. Por isso, tentamos usar parte da nossa experiência para
dar exemplos e mostrar a importância do que estamos falando.
Quais são os tipos de P2?
Quando
a gente fala P2, na verdade podem ser funções muito diferentes. Existem
muitos tipos de infiltrados no movimento, e eu vou falar dos dois mais
comuns.
Antes disso, uma coisa tem que ficar bem clara: existe a
polícia à paisana do Serviço de Inteligência (P2), ou a ABIN (Agência
Brasileira de Inteligência, que substituiu o SNI na ditadura, mantendo
as mesmas funções) mas o que a gente chama de P2 no movimento GERALMENTE
NÃO É POLÍCIA. Muitas vezes, são pessoas que têm trabalho, mas
são pagas para se inflitrarem no movimento e agir como provocadores
e/ou recolher informação.
Em alguns casos muito tristes e
vergonhosos, são ex-militantes ou militantes que, por vários problemas
pessoais graves (dívidas pesadas, vício em drogas, acordos para redução
de penas na justiça, ameaças a familiares etc), acabam virando
informantes, o que torna quase impossível a gente descobrir.
Mas, voltando ao assunto: geralmente nós encontramos dois tipos de P2:
- provocadores
São
os caras que incentivam os movimentos a fazerem ações ilegais
totalmente absurdas, fora do contexto e sem nenhuma possibilidade de
sucesso, justamente para provocar prisões e processos.
Eu lembro
de um caso de um ato do movimento antiglobalização, em que apareceu uma
pessoa com uma pedra, chamando as pessoas para jogarem na Bolsa de
Valores (quando ainda existia no Rio) junto com ele. Logicamente,
ninguém caiu nessa, mas
se tivesse caído, com certeza seria preso por ele mesmo!
Claro
que nem toda pessoa que quer fazer uma ação radicalizada necessariamente
é polícia. Mas temos que ter a atenção redobrada quando isso é feito em
situações sem planejamento e por pessoas que ninguém nunca viu. Mesmo
se a pessoa for honesta, isso é uma atitude perigosa, que pode ter
graves conseqauências. Como disse Trotsky, sobre políticas tão erradas
que chegam a ser perigosas: "A estupidez, elevada a esse grau, é igual a
traição".
- informantes
É o tipo mais perigoso,
porque entra no movimento e, em algumas situações, até mesmo em
organizações de extrema-esquerda, com o objetivo de recolher informações
sobre os militantes, atividades, formas de organização, preparando o
Estado para destruir quem ou o que ele quiser, quando for preciso.
São
muito mais difíceis de descobrir, por isso podem fazer muito mais
estrago. A única saída
é se a gente trabalhar em cima dos erros deles. Como disse Abraham
Lincoln, "é possível enganar uma pessoa por muito tempo, ou várias
pessoas por pouco tempo, mas não é possível enganar todas as pessoas por
todo o tempo".
Então, algumas características têm que ser tratadas com muita suspeita:
- pessoas que ninguém nunca viu
Mesmo
sendo possível que isso aconteça, desconfie se alguém apareceu num
movimento e não conhece nenhum integrante. Sinceramente, o movimento
social não é tão popular assim que atrai pessoas sem mais nem menos!
- pessoas que parece que não trabalham
Alguns
P2 estão presentes em todos os atos, em qualquer hora, e nunca fica
claro exatamente o que eles fazem da vida. De onde vem o dinheiro deles?
Pode ser o sinal de que eles recebem justamente pela sua atividade no
movimento...
- pessoas muito ativas, mas que parece que não entendem o que estão fazendo
Como
dizem os companheiros do Kasama Project, "é impossível fingir
consciência". Teve um caso aqui no Rio de um cara que estava em todos os
atos, mas fazia perguntas muito estranhas (por exemplo, perguntou se o
PCB apoiava o Hugo Chávez, uma coisa que a grande maioria das pessoas no
movimento saberia a resposta). É o que acontece quando um policial sem
vivência nos meios de esquerda cai de "paraquedas" no movimento.
- "pau pra toda obra"
É
um subtipo do anterior. São as pessoas que têm dinheiro, ou recursos
(carro, projetores, computadores etc) e que aparecem de repente do
movimento, e se envolvem tão rápido que se tornam "indispensáveis". Isso
pode ser uma tática para se inflitrarem na organização dos movimentos.
- Racismo, machismo ou outros comportamentos muito destoantes com o de uma pessoa de esquerda
É
uma variação do caso anterior. Tinha um cara no movimento sem-teto que
todo mundo imaginava que era P2.
Para muitos, a gota dágua foi quando ele começou a esculachar um
anarquista israelense que estava no Brasil, chamando o cara de
"judeuzinho". Isso é tão diferente do que tradicionalmente a esquerda
prega, que pode ser o sinal de que o cara não é do meio.
- pessoa que quer "registrar" o movimento
Sinceramente,
se o cara quer fazer mestrado, escolha outro assunto! Uma vez vimos uma
"antropóloga" de algum lugar distante GRAVANDO uma reunião da FIST.
Depois perguntamos: "que porra é essa?" Depois de ouvir a historinha de
que era para uma monografia sobre movimento sem-teto, falamos que não é
permitido filmar nem registrar nada. Se você tiver razões sentimentais
para filmar o movimento, fique com o coração partido, mas mantenha a
segurança das pessoas!
- pessoas que querem saber todos os detalhes
A
curiosidade é natural no ser humano, mas é bom ficar com as orelhas em
pé se alguém começa a se interessar
demais pela sua vida pessoal, seu trabalho, quem é de cada partido,
quem dirige qual movimento, sobre as finanças do movimento (sinal
vermelhíssimo!), rotina das atividades etc Ninguém é tão curioso sobre
detalhes que só tem importância se você for "usá-los" com algum
objetivo...
O que podemos fazer?
Em quase todos os
pontos acima, falamos em "sinais" e suspeitas. Provavelmente, só depois
de uma revolução seria possível abrir os arquivos da polícia e descobrir
quem realmente era P2 e quem só tinha um comportamento suspeito.
Esse
também é um motivo para não ficarmos "queimando" qualquer pessoa que
tenha um comportamento como os mostrados acima. Aliás, a fofoca e as
picuinhas certamente prejudicam o movimento mil vezes mais do que a
polícia pode fazer!
A atitude correta é a organização e o movimento SE AFASTAR DISCRETAMENTE do possível P2.
Além disso, na era da Internet, não custa nada
lembrar algumas medidas óbvias de segurança, que devem ser levadas a sério:
-
NUNCA dizer de qual organização você é na Internet, a não ser que você
seja uma figura pública, esteja em campanha eleitoral etc.
- NUNCA organizar nada pela Internet, no máximo divulgar ATOS PÚBLICOS E LEGAIS.
-
NÃO SE EXPONHA em manifestações, NÃO SE DEIXE SER FOTOGRAFADO,
principalmente em enfrentamentos. Se você quer brincar de super-heroi,
vai ojogar videogame!
- SÓ PARTICIPE DE AÇÕES RADICALIZADAS
adequadas ao movimento, PLANEJADAS e ORGANIZADAS PREVIAMENTE por pessoas
ou organizações DA SUA MAIOR CONFIANÇA.
- NÃO FALE da sua VIDA PESSOAL com pessoas que você não conhece no movimento.
- NUNCA USE O TELEFONE PARA ORGANIZAR ATIVIDADES. Se você precisar fazer isso, USE METÁFORAS que não permitem alguém de fora entender o assunto. Ou seja, fale por meio de parábolas (por exemplo, na ditadura, muitas vezes se falava "vamos jogar futebol"). Na década passada, uma ocupação foi perdida porque marcaram com as pessoas a entrada no prédio usando o telefone do DCE da UERJ (que tem 150% de chance de estar grampeado!).
-
NÃO USE O FACEBOOK E O TWITTER PARA DETALHAR TUDO O QUE VOCÊ FAZ. Ano
passado, foi presa uma quadrilha de sequestradores que descobriam toda a
rotina das suas vítimas pelo Facebook, depois iam para os eventos
sociais preferidos delas, e sequestravam. Imagina o que a polícia pode
fazer?
Todos os setores da esquerda são contra a
terceirização, então nada melhor do que não "terceirizarmos" o trabalho
da polícia, informando sobre as nossas atividades e as do movimento!
"Não
incomodar-se nem se ofender pelo silêncio de um camarada. Isso não
indica de falta de confiança, e sim uma estima fraternal e uma
consciência, que deve ser comum, do dever revolucionário".