Em Junho de 2013 construímos e vivenciamos o ascenso de massas que teve
como estopim o aumento das passagens de ônibus em todas as principais cidade e
capitais do país, e que de certa maneira modificou o cenário político nacional
da luta de classes no Brasil. No entanto essas manifestações não foram plenamente
avaliados pelas diferentes organizações do movimento dos trabalhadores no
Brasil.
Esse processo de lutas ainda não acabou, pois as mobilizações
continuaram durante o mês de Julho em algumas cidades como no Rio de Janeiro,
onde elas conseguiram se manter como um movimento de massas de esquerda contra o
Governo do Estado e a violência da PM, através de passeatas constantes e
ocupações, e deverão perdurar até proximidade dos mega-eventos. Assim através
de um breve balanço desse período, devemos definir as tarefas diante delas se
não quisermos perder uma oportunidade histórica.
"Jornadas de Junho"?
Pra começar, temos que entender as causas da insatisfação popular que
permitiram que centenas de milhares de pessoas fossem às ruas.
A crise internacional, que começou em 2008, e que ainda não mostra
sinais de que vai se resolver, está, é claro, no pano de fundo dos atos, mas não
diretamente. Diferente de países como a Grécia ou a Espanha, em que
algumas cidades contam com 30% de desempregados e o governo impôs até mesmo
reduções de salários, a crise no Brasil tem tido efeitos mais indiretos, com o recente
aumento dos preços e dos juros em 2012 e 2013. Tudo isso reflete as
contradições do subimperialismo brasileiro, que ainda não está esgotado, apesar
dos sinais de crise do modelo atual de gestão capitalista com o alto
endividamento do povo, resultado direto do período anterior, entre 2009 a 2012,
com crescimento baseado no estímulo de consumo através da expansão de crédito
para os trabalhadores (expansão da construção civil , automóveis,
eletrodomésticos e serviços) e da redução de tarifas e impostos sobre produtos
nacionais, como a política central do governo para absorver a produção e
atrasar os efeitos da crise internacional no Brasil.
Esses aumentos se combinaram, em algumas cidades, com todo o ataque às
condições de vida provocados pela preparação dos megaeventos. Remoções,
especulação causando aumento absurdo do valor dos imóveis e aluguéis, violência
policial cada vez maior contra os moradores de favelas e periferias, tudo isso
ficou ainda mais presente no dia-a-dia das cidades que serão sedes da Copa. O
Rio de Janeiro, onde vai ser as Olimpíadas, foi o local dos atos maiores e mais
radicalizados.
A luta contra a remoção da Aldeia Maracanã, em Janeiro de 2012, foi o
começo do fim da estabilidade do governo Sérgio Cabral (PMDB-PT). Toda a
frustração com a remoção da Aldeia foi canalizada em Junho e Julho, quando
aconteceram os atos contra o aumento que, no Rio, foram resultado da influência
da luta em São Paulo, dirigida pelo MPL, ao mesmo tempo que as organizações de
esquerda do Rio já vinham se organizando no Fórum de Lutas Contra o Aumento das
Passagens desde Janeiro e Junho de 2012 nos aumentos dos ônibus, barcas e
metrô. Aqui, no início de Junho de 2013 nós conseguimos fazer uma passeata com
cerca de 5 mil pessoas, depois de outras violentamente reprimidas pela polícia,
no mesmo dia em que a polícia atirou até mesmo em repórteres em São Paulo.
Foi a rejeição da população contra a violência desproporcional da
polícia e o apoio à luta justa contra os aumentos que permitiu na semana do dia
17/06 o ato do Rio tivesse mais de cem mil pessoas, e mais de sessenta mil em
São Paulo. Nesse dia no Rio cerca de 20 mil dos manifestantes foi pra
Assembleia Legislativa (ALERJ), onde tomaram a escadaria tentando tomar a
Assembléia e enfrentaram a PM, fazendo
ela recuar vários quarteirões e ainda alguns policiais se esconderem dentro da
Assembléia montando barricadas contra os manifestantes enquanto esses tentavam
tomar a casa. Foi esse enfrentamento que fez os governos recuarem, e
revogarem o aumento na terça.
Aí tudo ficou muito mais complexo: diferente da ilusão espontaneísta e
distorcida de grande parte da extrema-esquerda (o maior exemplo é o PSTU), infelizmente
as multidões que foram às ruas no dia 18 (SP) e 20 (RJ), assim como os atos
espalhados por todo o país, foram as ruas com um conteúdo político
difuso, majoritariamente atrasado, e de forma nenhuma foi uma explosão popular
progressiva.
O PIG (Partido da Imprensa Golpista), através da Globo, da Record e da
Veja, viram que não adiantava mais queimar as manifestações dizendo que eram
todos "vândalos". Então, eles tiveram que mudar a sua tática, o que
foi representado pela "autocrítica" do "intelectual"
Arnaldo Jabour, que passou a "apoiar" a luta. Como eles mudaram? Fácil,
dando um conteúdo nacionalista, "contra a corrupção", despolitizado e
levantando bandeiras da direita para os atos, assim esvaziando e expulsando o
conteúdo de esquerda com a hegemonização do discurso ufanista na massa
atrasada.
O ato de São Paulo, em que a FIESP fez projeção da imagem da bandeira
verde-amarela da Casa de Orleans e Bragança nos prédios, e a agressão de
elementos da extrema-direita (sob o apoio da maioria da massa) contra os
militantes de esquerda, mostraram que de forma nenhuma nessa semana se tratava
de uma rebelião popular. Infelizmente foi uma massa despolitizada, numa etapa
histórica ainda marcada pelo fim da URSS e pelo discurso da "morte do
socialismo" que então gerou a crise de consciência e falta de alternativa
da nossa classe trabalhadora. Foi nesse contexto, com os partidos de esquerda
adaptados à democracia burguesa, deslocados da classe trabalhadora e
minoritários, que então a maioria dos que foram as ruas acabaram servindo de
massa de manobra do discurso moralista, ufanista nacionalista da direita.
Isso é o que é minimizado pelo PSTU, MRS, LER etc, quando tratam as
agressões anticomunistas como se fossem um problema único de grupos fascistas
isolados. As organizações que não entendem que a direita tradicional tem sim
uma estratégia para voltar ao governo, e que isso passa por desgastar e atacar
o governo do PT, não são capazes de analisar e nem de se orientarem na
realidade política nacional.
Alguns setores da direita certamente pensaram em um golpe
"cívico", no modelo do Paraguai e de Honduras, naqueles dias. Mas
foram derrotados pelo setor majoritário da burguesia, que prefere, no momento,
a estabilidade proporcionada pelo governo do PT na obtenção dos lucros,
inclusive os que ainda estão por vir com os mega-eventos, ainda mais quando uma
parte das massas, principalmente os setores de "classe média"
defendem uma pauta ainda mais reacionária que a própria Globo, pela pena de
morte, redução da maioridade penal, e com muitas simpatias pela ditadura
militar.
Nós avaliamos erradamente que o golpe era a possibilidade principal mas,
logo depois, fizemos autocrítica, mas sempre nos distanciando da ilusão
espontaneísta que vê um ascenso de massas nas manifestações amorfas influenciadas
pela mídia empresarial durante a semana dos dias 18 e 20 de Junho.
Porém nesse mesmo ato do dia 20 de julho foi o ápice da violência da PM
do Rio nas manifestações, com a ação do Choque e o BOPE por todo o centro do
Rio de Janeiro atacando qualquer agrupamento de pessoas após os confrontos na
prefeitura. Nesse dia até a "classe média" mais pacifista, que inchou
o ato com a manobra da mídia burguesa de direita, sentiu na pele o terror e a
violência da PM nas favelas. Muitos grupos de esquerda enfrentaram a PM em vários
focos para atrasar a ação desta contra todo o ato, e depois disso a PM ficou
ainda mais queimada, mesmo entre alguns setores da própria burguesia.
Após ver que estava perdendo o controle da situação, e após conseguir
arrancar fortes concessões do Governo Dilma/PT, a direita tirou as massas
manipuladas das ruas, o que melhorou bastante a qualidade política das
manifestações. Isso ficou bem claro depois, quando na Plenária do Fórum de
Lutas do Rio estiveram presentes cerca de 2 mil pessoas, e mais ainda nos atos
na final da Copa das Confederações.
Assim no Rio, depois de ver o estrago que a direita fez nos atos de
massa e também a escalada da violência policial, o Fórum de Lutas, com o
conjunto da esquerda socialista e anarquista, organizou mais três atos onde o
conteúdo político voltou a ser progressivo e anti-capitalista, contra a
violência da PM e do governo e contra a privatização do Maracanã e as remoções.
Depois de um momento de indefinição, as lutas foram retomadas a partir da
visita do Papa Francisco, já unificadas pela palavra de ordem de Fora
Cabral, que coroa todas as lutas parciais contra a política do governo.
Já não eram manifestações de dezenas de milhares, geralmente eram de
duas a quatro mil pessoas. Mas, mesmo assim, são a expressão de uma
tendência muito positiva para o ascenso. A imprensa, novamente, votou a criminalizar
os movimentos, agora escolhendo como bola da vez o Black Block.
Em Julho, luta contra o governo Cabral e a violência policial
O movimento que tem tido mais visibilidade tem sido o Ocupa Cabral,
na rua em que ele mora, no Leblon. Fica uma ocupação pequena estrategicamente
na rua, e varios atos acontecem, atualmente com um apoio muito grande por parte
da população.
Além disso, as comunidades têm aproveitado a situação favorável para
lutarem contra a violência policial e a farsa das UPPs, organizando
manifestações contra a opressão policial e polarizando ainda mais a luta contra
governo como uma luta de classes. Primeiro, foi a Maré, que conseguiu expulsar
o Caveirão da favela depois de uma chacina em que morreram onze pessoas, e em
que a própria PM reconheceu que três deles eram trabalhadores. Depois na
Rocinha, o caso do Amarildo, que continua desaparecido, numa situação em que a
responsabilidade da polícia e as desculpas incompetentes têm ficado às claras. Pela
primeira vez um o desaparecimento de um trabalhador negro morador de uma
comunidade teve visibilidade e solidariedade nacional e internacional, com
manifestações da comunidade e atos em Rio de Janeiro e São Paulo contra a
violência das UPPs nas favelas, sendo mais um tapa-na-cara do governo de Sérgio
Cabral, com o movimento atacando diretamente o seu projeto de militarização das
favelas e comunidades proletárias do Rio.
Por causa dessas lutas, a bandeira de desmilitarização da PM,
que era minoritária até mesmo dentro da vanguarda, se transformou numa campanha
com visibilidade internacional. Outra coisa que desmoralizou a polícia ainda
mais foi o uso de P2 nas manifestações, que foi amplamente comprovado por
filmagens da Mídia NINJA e de manifestantes, que inclusive flagraram os P2
agredindo pessoas e quebrando lojas.
No dia 07/08, como expressão da fraqueza do governo Cabral, que passou a
recuar em uma série de políticas que beneficiam as construtoras em detrimento
dos trabalhadores, e da nova conjuntura na cidade de forte clima de luta e
resistência, a Aldeia Maracanã foi reocupada pelos índios apoiados pelo
movimento, dessa vez com condições bem melhores de resistir!
Em todos esses movimentos, vemos que existe um recuo muito grande da
esquerda institucional. O PSOL tem apostado tudo na realização da CPI dos
Ônibus, jogando ilusões de que a ALERJ vai punir os milicianos e corruptos que
beneficiam as empresas de transporte. O PSTU tem tido uma linha tão recuada nos
atos desde Junho, muitas vezes fugindo antes do enfrentamento, que a nota que
eles escreveram criticando o Black Block criou uma repulsa muito grande na
vanguarda que está se manifestando.
Apesar das nossas divergências com os maoístas do MEPR e com a Unidade
Vermelha, temos estado junto com eles em muitos enfrentamentos importantes,
quando o PSTU e a maioria do PSOL fogem.
Ao mesmo tempo, os setores pseudo-anarquistas e despolitizados têm
crescido um pouco. Eles têm criado vários problemas nas plenária do Fórum de
Lutas , tentando implodir as reuniões e fazendo polêmicas imbecis contra a
existência de mesa nas reuniões (!) e outras coisas do tipo que em nada
contribuem para o método de organização do Fórum de Lutas.
O que vai definir uma saída progressiva na luta pelo Fora Cabral é a
intervenção organizada dos trabalhadores nas lutas. No dia 11 de julho, o ato
convocado pelas burocracias sindicais foi grande, mas as centrais não
organizaram as suas bases para participarem em massa e, muitas vezes, fizeram o
mesmo discurso da Globo, criminalizando os setores mais radicalizados. Parece
que as coisas estão começando a mudar, agora, com a greve dos professores
municipais e estaduais, no meio da luta pelo Fora Cabral.
A nossa atuação principal tem sido no movimento estudantil e de
trabalhadores da UFRJ e da PUC, intervindo e construindo as Plenárias do Fórum
de Lutas do Rio, que tem sempre se aliado com a FIST, a Aldeia Maracanã e os
outros movimentos populares da cidade. No Rio a necessidade agora é enraizar
comitês regionais por locais de estudo, moradia e trabalho, preparando a nossa
atuação no dia 30 de agosto e manter polarização contra a violência da PM e do
governo.
Nós do Coletivo Lenin estamos concretizando essa política atuando
taticamente em conjunto com os companheiros da Oposição Operária e de setores
de base independente do PSOL, para que a luta ultrapasse as barreiras
burocráticas das direções das centrais e coloque na ordem do dia:
· derrubada
do governo Cabral;
· pelo
fim da PM;
· tarifa
zero através da estatização dos transportes públicos;
· contra
a precarização do trabalho e a marginalização e a exclusão social que antecede
os mega-eventos;
· redução
da jornada para 30 horas sem redução de salário e com reajuste salarial mensal
acima da inflação!