Para milhões de pessoas, o beijo entre os personagens Félix e Nico, no
final da novela Amor à Vida, da Globo, foi um alívio,
uma esperança e um tapa na cara dos fundamentalistas e conservadores em geral.
Circularam muitos relatos na Internet sobre pais que se reconciliaram com os
filhos, preconceitos quebrados e pessoas de alma lavada.
Tudo isso representa uma vontade de resistência de um setor importante
da população que sabe o perigo que o país corre com o fundamentalismo
religioso.
Até aí, é uma reação compreensível.
Mas...
Mas acontece que muitos militantes de esquerda, socialista e que batem
no peito pra dizer que são revolucionários passaram os últimos dias
praticamente agradecendo à Globo pela cena do beijo. Ou então, para dizer que a
cena foi uma conquista do ativismo LGBT.
Será que tinham esquecido do papel da Globo como partido da burguesia
brasileira, base de apoio da ditadura e do neoliberalismo, agora tentando
desgastar o governo do PT pra garantir a volta do PSDB ao Planalto?
Será que tinham esquecido que essa mesma novela reciclou vários e vários
estereótipos machistas e racistas? Será que não tinham visto que os próprios
personagens gays retratados eram caricaturas, além de serem burgueses e
brancos?
Ser contra a Globo é dogmatismo?
Pra variar, o caso mais ridículo foi o do PSTU que, através de seu braço
estudantil, a ANEL, fez um twittaço (?) "exigindo" que a Globo
mostrasse o beijo na novela, já que havia uma pressão por parte de reacionários
contra.
Só pra começar, twittaço não é método de luta. Não afeta absolutamente
nada no mundo real. O mesmo vale para as petições do Avaaz, que inundam a caixa
postal do nosso perfil no Facebook (por favor, parem de mandar!).
Ainda se fosse método de luta, qual o sentido de uma organização que se
reivindica marxista revolucionária ficar fazendo exigências de roteiro de
novela a uma empresa imperialista?
Nós, comunistas, não devemos nos prender à aparência das coisas, e sim
procurar as motivações e ver o contexto e a relação dos acontecimentos com a
luta pela vitória da revolução socialista.
E falamos isso com orgulho, porque uma das acusações da "esquerda
global" contra os que não embarcaram nessa canoa furada foi a de que somos
dogmáticos. Isso é o que acontece quando se perde de vista a totalidade: as
pessoas passam a celebrar as migalhas que caem da mesa da classe dominante.
Por que a Globo dá essa visibilidade ao beijo?
Logicamente, não tem nada a ver com a luta contra a homofobia. Depois da
novela, no Zorra Total, homossexuais são tratados da maneira mais ridícula
possível. Mas a Globo, como qualquer empresa capitalista, que explorar o nicho
comercial do "mercado rosa", acessível a uma parte dos homossexuais
(geralmente homens) de classe média.
Então, na verdade, o beijo foi uma jogada de marketing, além de uma
tentativa de lavar a cara da Globo e fazer a emissora que passa o ano chamando
a gente de vândalo e terrorista parecer "moderna". Se você divulgou o
beijo, parabéns, você ajudou a jogada de marketing deles!
Hegemonia?
A maioria do assim chamado
"movimento LGBT" (que em grande parte é formado por ONGs financiadas
pelo Estado e por empresas privadas), refletindo a sua despolitização, a sua
ausência de conteúdo de classe e a sua adaptação ao mercado, não só não critica
isso, como ainda apoia e diz que está "lutando por hegemonia".
Ao contrário do que dizem os falsificadores profissionais da obra do
marxista Antonio Gramsci, como o falecido Carlos Nelson Coutinho, o conceito de
hegemonia do proletariado é o complemento do conceito de
ditadura do proletariado. A hegemonia é a capacidade de uma classe dominante
governar as outras classes por consenso, sem necessidade da violência.
É a hegemonia da ideologia burguesa do individualismo, da competição, do
carreirismo etc, que faz com que os trabalhadores não se revoltem diariamente
em massa contra o sistema. Para Gramsci, essa hegemonia só pode ser derrotada
pela hegemonia do proletariado, através de seus próprios meios de comunicação,
sustentados pelo movimento.
A ideia de que se deve disputar
hegemonia por dentro do Estado ou da mídia foi criada pelos reformistas do PC
italiano, copiada pelo antigo PCB, pelo PT e agora pelo PSOL. Várias posições
do Gramsci são questionáveis, mas esse erro ele não cometeu, é pura mentira
mesmo.
Organizar os trabalhadores é elitismo?
De todas as acusações, a pior é que a esquerda que combate a Globo é
"elitista". Mas como assim? A Globo, que faz todas as campanhas
ideológicas contra o povo? Se rejeitar a manipulação da Globo for elitismo,
então como os companheiros acham que vai ser feita a luta pelo socialismo?
Quando o Fantástico defender a revolução?
Os
movimentos sociais organizam uma pequena minoria da sociedade? Claro,
se eles organizassem a maioria, já teríamos o poder ao alcance das mãos.
No fundo, esse argumento que diz que a Globo ter passado a
cena do beijo foi positivo, uma vez que os movimentos só alcançam uma
minoria;
revela o ponto de vista de quem, sem esperança na capacidade do
movimento
alterar a sociedade, tem que procurar por outro setor da sociedade que
pelo
menos faça alguma coisa.
O fato do beijo ter ido ao ar pode ser recebido pela sociedade de várias
maneiras diferentes, inclusive negativas. É sim o nosso papel como militantes
de politizar essa discussão, colocando no centro dela a condição de vida de
lésbicas, gays, pessoas trans e bissexuais da classe trabalhadora.
Em vários movimentos populares, como o movimento sem-teto do Rio de
Janeiro, várias lideranças são lésbicas ou gays negros. Nós não precisamos da
Globo pra mostrar ao povo como defender essas reivindicações. O objetivo da Globo é a falsa inclusão de
uma pequena minoria, através do consumo. O nosso é a extensão da luta contra o
machismo, o racismo e a homofobia, até mesmo dentro do movimento.
Porque só uma mudança radical na sociedade pode tirar o poder de quem se
beneficia mais com o preconceito: as Forças Armadas, as cúpulas religiosas, as
grandes empresas. Essa mudança radical é a revolução socialista, feita pela
classe trabalhadora.
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