Reproduzimos aqui o artigo escrito pelos companheiros, e revisado pela companheira Lenna Valendorf, que dá uma explicação didática sobre as raízes e história do conflito na região. O blog da companheira Denise é este
Para entender o conflito permanente entre o Estado
fortemente armado de Israel, contra
foguetes artesanais da Palestina, precisamos entender como foi desenhada
a configuração da coexistência entre as duas nações. Por mais que a ONU não
reconheça, a Palestina é uma nação. E, mais do que sempre, é necessário o
reconhecimento, e a delimitação do Estado da Palestina.
Um histórico
A região que hoje abriga o Estado de Israel era habitada
pelos povos árabes desde a Antiguidade. Por conta das várias Diásporas do povo
israelita, causada pelas perseguições e escravidão imposta no período do
Império Romano, essa região foi sendo
efetivamente ocupada pelos muçulmanos.
Os judeus se tonaram
um povo de comerciantes desde a destruição do Segundo Templo, em 70 d. C. O
cristianismo já nasceu fazendo polêmicas religiosas contra a religião judaica,
mas esse antijudaísmo só virou o que conhecemos hoje como antissemitismo depois
no final do século XIX, quando o motivo da perseguição deixou de ser religioso
e se tornou étnico.
Durante toda a Idade Média, os judeus foram perseguidos,
tanto por motivos econômicos (as riquezas que eles conseguiam através do
comércio), como por motivos religiosos, porque a própria existência desse povo
colocava em dúvida os dogmas da Igreja sobre o Antigo Testamento ter sido
abolido e Jesus ser o Messias.
Com a formação dos Estados modernos, as monarquias usaram da
perseguição religiosa para se apoderar dos bens dos judeus, como aconteceu
através da Inquisição em Portugal e na Espanha.
Sem mudar a situação de marginalização, no século XVIII
surge o movimento de reforma no judaísmo, muito influenciado pelos ideais
iluministas, com o objetivo de que os judeus fossem assimilados nas sociedades
europeias. No século XIX, a maioria dos judeus
concentrava-se no Leste Europeu e dedicavam se ao comércio e ao empréstimo de
dinheiro a juros. Com o desenvolvimento das burguesias nacionais e da Revolução
Industrial, no entanto, os judeus foram responsabilizados pelo desemprego em
massa e pela concorrência com as classes dominantes. A partir daí, foram
confinados a guetos, sofreram várias perseguições e massacres. O resultado
disso foi a emigração para a Europa Ocidental. Durante todo o século
XIX, houve uma assimilação crescente dos judeus, e entre os judeus da classe
trabalhadora, essa assimilação era ligada à participação no movimento
socialista.
O sionismo surgiu no final do século XIX, por causa da
contradição colocada à tentativa de assimilação pelas ondas periódicas de
antissemitismo. Foi neste cenário
que o jornalista judeu Theodor Herzl, em 1896, criou o movimento sionista, cujo objetivo era estabelecer um lar
judeu na Palestina. Este povo começou a colonizar o país em 1897, ano da
fundação da Organização Sionista Mundial. O
objetivo do sionismo, o retorno dos judeus a Sião (Jerusalém), era uma
aspiração de uma pequena minoria dos judeus.
Vale ressaltar que Herzl era portador de ideias racistas, próprias do seu tempo, onde o etnocentrismo vigorava a pleno vapor, e ele investiu na emigração de judeus para a Palestina, iria civilizar a região, pois acreditava que o povo árabe era atrasado cultural e socialmente.
Sem apoio popular suficiente, os sionistas vão buscar ajuda
nos governos imperialistas. Durante a Primeira Guerra Mundial, em que o Reino
Unido lutou contra o Império Otomano, o secretário de Assuntos Estrangeiros Arthur
James Balfour, num documento que se tornou conhecido como Declaração de
Balfour, de 1917, prometeu aos judeus o território da Palestina se o Império
Otomano fosse derrotado. Quando isso aconteceu, a Palestina se tornou um
Mandado britânico.
Durante o período entre guerras, e mais profundamente na década de 1930, e durante toda II Guerra, o movimento sionista colaborou com os nazistas, forçando a ida de judeus deportados, para a Palestina, a fim de ocupar a área. O que era muito bom, tanto para os nazistas que queriam se livrar da concorrência judaica na economia, quanto para os sionistas, que queriam ocupar uma das partes mais disputadas economicamente pelo capitalismo.
A partir do fim da guerra, houve um aumento da imigração de
judeus para a Palestina, mas, até a década de 1930, eles ainda eram uma minoria
(como foram durante séculos). A Liga
das Nações (organização criada ao final da I Guerra Mundial, e antecessora da
ONU), declarou a região da Palestina como Mandato Britânico, com obrigação de
conciliar os grupos árabes e judeus. Entre
1917-1938, incentivados pelo Lorde Balfour, milhares de judeus foram para a
Palestina, compraram terras e se estabeleceram em núcleos cada vez maiores.
Neste período, começaram os choques entre judeus e árabes, que assistiam os
judeus conquistarem boa parte das terras boas para o cultivo.
Os judeus criaram um exército
clandestino (Haganah) para proteger suas terras e, à medida que crescia a
emigração judaica para a Palestina, aumentavam os conflitos. Durante a 2ª
Guerra Mundial - em função da perseguição alemã e do Holocausto -, a emigração
judaica para a região aumentou vertiginosamente e a tensão chegou a níveis
insuportáveis: os britânicos, na época, tomaram partido dos Aliados e os
árabes, do Eixo.
Em 1936, quando os judeus já
constituíam 34% da população na Palestina, estourou a primeira revolta árabe.
Bases e instalações inglesas foram atacadas e judeus foram assassinados. A
Inglaterra esmagou a rebelião e armou 14 mil colonos judeus para que pudessem
defender suas colônias.
Pouco tempo depois, a Grã-Bretanha
tentou controlar a emigração judaica para a área e, desta vez, os judeus
atacaram os ingleses. Em 1946, o quartel-general dos britânicos foi dinamitado
e 91 pessoas morreram.
Em 1947, os Aliados, incluindo a União Soviética, votaram na
ONU pela repartição da Palestina e pela formação do Estado de Israel. A perseguição e extermínio em massa dos judeus na Europa,
reforçou, ao fim da Guerra, a criação de um estado que protegesse o povo judeu.
Imediatamente, os governos árabes da região tentaram impedir
militarmente a independência. Israel, com o apoio imperialista, conseguiu se
estabelecer através de uma resposta violentíssima, inclusive com a expulsão de
vilarejos inteiros da população árabe, na guerra de 1948. Esse acontecimento é
chamado pelos povos árabes de Nakba (Catástrofe). Desde então, uma das
reivindicações do povo palestino é o direito de retorno às terras que eles
ocupavam antes. A outra parte do território Palestino é dividida entre o Egito
(Gaza) e a Jordânia (Cisjordânia).
Durante os anos de Guerra Fria, o
Estado de Israel, foi de suma importância para a manutenção dos interesses do
bloco capitalista no Oriente Médio. Portanto, receberá um apoio bélico dos mais
modernos advindos dos EUA, principal parceiro de Israel na região. Com a
promoção de vários conflitos e alargando seus domínios sobre os países árabes,
Israel vai tomando um corpo muito maior, tanto pelo crescimento populacional,
como o fortalecimento bélico:
Guerra de Suez, Egito X Israel,
1956: conflito gerado pela nacionalização do Canal de Suez e o fechamento do
Porto de Eilat, que prejudicava a economia do Egito.
Os palestinos lutaram pela sua autodeterminação, formando em
1964 a OLP (Organização pela Libertação da Palestina), que incluía vários
setores nacionalistas e socialistas, sendo os principais a Al-Fatah (A
Abertura), nacionalista de esquerda, a Frente Popular pelaLibertaçãoda
Palestina (FPLP), marxista-leninista, e a Frente Democrática pela Libertação da
Palestina, maoísta. Desde a época, a OLP era dirigida por Yasser Arafat. A OLP
defendia o fim do Estado de Israel, e o estabelecimento de um Estado Palestino
democrático e laico, no território anterior à repartição. E imediatamente
começou a guerra de guerrilhas contra Israel, com o apoio dos governos nacionalistas
árabes.
Setores de extrema-esquerda de
Israel, como o Partido Comunista Israelense, formado em 1948 a partir do antigo
Partido Comunista da Palestina, e o Matzpen (Organização Socialista em Israel),
marxista revolucionária, defendiam um Israel socialista e não-sionista que
reconhecesse a autodeterminação do povo palestino na “outra metade” do antigo
Mandato Britânico.
Diante da pressão nacionalista, principalmente do governo de
Nasser, no Egito, a resposta de Israel foi militarizar completamente a
sociedade. Em 1967, as IDF (Forças de Defesa Israelenses), o Exército de
Israel, fizeram uma operação-relâmpago, que ficou conhecida como Guerra dos
Seis Dias, em que tomaram a outra parte do território repartido (Gaza e
Cisjordânia), além da Península do Sinai e das Colinas de Golã, pertencentes
respectivamente ao Egito e ao Líbano.
Nos anos 1970, o Egito e a Síria
fazem um ataque surpresa nas regiões invadidas em 1967, durante o feriado
judaico do Yom Kippur (o Dia do Perdão). A Guerra do Yom Kippur mostrou que a
supremacia militar israelense não era absoluta. Na mesma década, a OLP é aceita
na ONU como legítima representante do povo palestino, e os países produtores de
petróleo, organizados na OPEP, fazem um embargo aos países aliados a Israel.
Todos esses fatores levam Israel a
negociar com o Egito, nos Acordos de Campo David, em 1978, em que Israel
devolve a Península de Sinai ao Egito. É a primeira vez que um país árabe
reconhece Israel.
Em 1982, Israel intervém na guerra
civil libanesa, para debilitar as forças palestinas que estavam baseadas na
região. Acontece o Massacre de Sabra e Chatila, um ataque ao campo de
refugiados palestinos pelas tropas israelitas no sul do Líbano, que resultou no
extermínio de milhares de pessoas.
Primeira Intifada (Rebelião), 1987:
rebelião que explodiu na Faixa de Gaza e Cisjordânia, após o atropelamento de
quatro palestinos por um caminhão israelense. Os palestinos atacaram o Exército
de Israel com paus e pedras. A resistência acaba forçando uma rodada de negociação
entre Israel e OLP. A OLP, na mesma época, passa a defender a política de Dois
Estados, ou seja, reconhece a existência do Estado de Israel, mas reivindica um
Estado Palestino formado pela Cisjordânia e por Gaza.
Nos acordos de Oslo, em 1993, em
contra partida, são iniciadas as conversações para o reconhecimento da
Palestina. O primeiro passo é a criação da Autoridade Nacional Palestina, criada
em 1994, como primeiro passo para o novo Estado. O primeiro-ministro israelense
Yitzak Rabin foi assassinado em 1995 por um israelense de extrema-direita
contrário ao processo de paz. Isso levou a situação novamente a se estagnar.
A Segunda Intifada começou em
2000, e foi o resultado da frustração com a paralisação das negociações de paz.
Nesse período, a política israelense se torna mais dura ainda, com a construção
do Muro separando Israel e Palestina. Desde então, a situação de tensão
permanente se estabeleceu na região, e periodicamente acontecem crises como a
atual.
Século XXI, e o impasse continua
Durante a Primeira Intifada em
1987, nasce o Hamas (Movimento de Resistência Islâmico),
fundado pelos xeques Ahmed Yassin, Abdel
Aziz al-Rantissi e Mohammad
Taha, com orientação sunita,
da ala palestina da Irmandade
Muçulmana do Egito. O braço político e beneficente da Irmandade Muçulmana
é então reconhecido oficialmente por Israel. O grupo se concentrava na ajuda
social e em projetos religiosos, com uma intensa ação social e comunitária. Não
podemos negar que o Hamas é um movimento fundamentalista Islâmico, e que,
dentro do seu entendimento político, as ações terroristas e de extremismo
religioso também são válidas.
Nas eleições de 2006, o Hamas
chega ao poder, derrotando o Fatah (grupo político majoritário da OLP), que tem
uma aberta aceitação norte-americana e israelese). Desde a vitória do Hamas, os
conflitos acirram: O Hamas se conflita com o Fatah, e preconiza a luta armada e
a destruição do Estado de Israel.
No início de junho, três jovens
estudantes judeus, são sequestrados e mortos. O governo israelense atribui o crime a
integrantes do Hamas, em resposta á morte de um adolescente palestino causada
por extremistas judeus. Até agora, não existe nenhuma prova que aponte os
autores dos assassinatos. Esse foi o estopim para o que vemos há uma semana,
ataques totalmente desproporcionais que o Exército de Israel tem imposto a
Gaza, em sua maioria, atacando a população civil, com mais de 70 mortos até o
momento, incluindo mulheres e crianças.
Denise Oliveira e Rodrigo do Ó - julho de 2014