QUEM SOMOS NÓS

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Somos uma organização marxista revolucionária. Procuramos intervir nas lutas de classes com um programa anticapitalista, com o objetivo de criar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, a seção brasileira de uma nova Internacional Revolucionária. Só com um partido revolucionário, composto em sua maioria por mulheres e negros, é possível lutar pelo governo direto dos trabalhadores, como forma de abrir caminho até o socialismo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Abaixo a repressão policial em SP! Pelo passe livre e irrestrito!

Nota do Movimento Hora de Lutar


Imagens de protestos têm estampado as manchetes dos mais variados jornais durante o último mês. Após uma década bastante morna em termos de lutas, os trabalhadores e jovens da Tunísia, Egito, Argélia, Líbia, entre outros, têm deixado claro que, enquanto houver opressão e exploração, vai haver resistência e luta. E isso logo após um final de ano em que a Europa, através de greves gerais na França, Espanha, Grécia e Portugal, demonstrou que os trabalhadores não estão dispostos a pagar a conta da crise econômica gerada pelos banqueiros e empresários em sua busca desenfreada por lucros.
    E, apesar da grande mídia fazer parecer que essa realidade de greves gerais, passeatas radicalizadas e manifestações de milhões é parte de uma realidade muito distante da nossa, a juventude da cidade de São Paulo tem mostrado o contrário nas últimas semanas.
    No dia 27 de janeiro, cerca de 3 mil estudantes ocuparam as ruas de São Paulo para resistirem ao mais novo ataque do prefeito tucano, Gilberto Kassab. A mobilização, que contou com a presença de diversas entidades estudantis e foi encabeçada pelo Movimento Passe Livre (MPL), exigia a diminuição da passagem de ônibus, que o PSDB fez ir para abusivos R$3,00, como forma de agradar as empresas que bancam suas campanhas e sustentam o partido.
    Mas como a prefeitura não quer abrir mão do aumento, apostando na desmobilização pela qual passa o movimento estudantil nos últimos anos, no último dia 17 cerca de 400 estudantes, em conjunto com trabalhadores ligados ao Sindicato dos Metroviários de SP, se dirigiram até a sede da Prefeitura, exigindo uma reunião com Kassab.
Queima de uma catraca em frente à prefeitura
     Apesar de pacífica, a manifestação foi brutalmente reprimida pela Guarda Municipal e pela PM, que deixaram claro seu papel de cães-de-guarda do Estado dos patrões. No meio da confusão, até mesmo dois vereadores do PT apanharam e levaram gás de pimenta na cara. Kassab deixou claro qual seu recado aos estudantes e trabalhadores: não tentem interferir nos lucros da burguesia.
10 PMs se juntaram para espancar um manifestante
     Apesar da brutalidade com que foi recebido esse retorno dos estudantes paulistas às ruas, não podemos nos deixar abater! O movimento estudantil de SP deve fortalecer sua luta, rodando ainda mais escolas e faculdades, fazendo plenárias nas bases com todos aqueles dispostas a lutar, sejam da ANEL, UNE, UBES, etc. e, acima de tudo, tentar estender mais ainda a luta aos trabalhadores do metrô e, principalmente, dos ônibus. Como demonstra a experiência do ME carioca, por mais que os estudantes consigam o passe livre e irrestrito para poderem frequentar a escola, locais de estudo e de lazer, tão logo o movimento se enfraqueça, essa conquista será retirada: hoje o passe no Rio de Janeiro é extremamente restrito, está sob constante ameaça de mais cortes e as passagens não param de subir.
    Apenas quando as empresas de transporte estiverem nas mãos dos trabalhadores, controladas por assembleias democráticas, é que o passe estudantil poderá estar seguro de cortes.
    Por isso, dizemos aos bravos companheiros de São Paulo: continuem a luta pelo passe livre, busquem aumentar ainda mais a aliança com os trabalhadores, e lutem para que as empresas estejam nas mãos de quem trabalha, e não de quem lucra com o trabalho alheio!

            E defendemos que essa deve ser a mesma meta dos estudantes cariocas no próximo dia 28 de março, quando além de declararmos toda solidariedade ao ME paulista contra a repressão policial, devemos dizer bem alto: se o passe livre não rolar, a cidade vai parar!
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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Boletim Sindical - Bancários

Sindicatos no País das Maravilhas

O Assédio Moral Acabou!?

O Sindicato dos bancários e a CONTRAF-CUT só podem estar de sacanagem!

Depois de assinar um acordo com a FENABAN no dia 26 de janeiro, todos os jornais (inclusive o Jornal Nacional) comemoraram que agora existem vários mecanismos para impedir o assédio moral.

Os tais mecanismos são os seguintes:

a) os bancos se comprometem a condenar explicitamente o assédio moral;

b) a FENABAN avaliará semestralmente o assédio moral;

c) o bancário vai poder fazer denúncias aos sindicatos, e os bancos têm 60 dias para prestar esclarecimentos.

Como é fácil de ver, isso não muda nada! Essa campanha é só mais uma das jogadas da CONTRAF, para dizer que "estão fazendo alguma coisa", mas não passa de propaganda enganosa.

A verdade é simples: é impossível deixar a luta contra o assédio moral nas mãos dos banqueiros que o estimulam. O assédio moral não é um problema psicológico de chefes "maus", é um resultado da lógica de transformar a categoria bancária em vendedores de produtos que, na maioria dos casos, os clientes não querem.
O que fazer?

Diante de todas as palhaçadas da direção dos sindicatos, a nossa atitude deve ser outra. Devemos, em todas as assembleias que pudermos, exigir outra política. Que sejam criadas comissões de combate ao assédio moral em cada banco, sem nenhum representante dos bancos, e que os próprios bancários as controlem, através de representantes eleitos e revogáveis a qualquer momento.

Isso é o contrário da política de "colaboração" com os bancos que a CONTRAF defende, e só pode sair do papel com a luta contra as correntes políticas que a controlam, principalmente o PT e o PCdoB. Esses partidos, por fazerem parte de um governo em que os banqueiros participam e financiam, vão fazer de tudo para bloquear as lutas, para não atingir os seus "aliados".

Por isso, as menores vitórias dos bancários e dos trabalhadores em geral dependem de uma alternativa política socialista (e não de direita) contra o PT e seu governo. É essa alternativa que nós, da Oposição Classista, queremos criar.

Uma alternativa socialista

O Movimento Nacional de Oposição Bancária poderia ter se tornado essa alternativa. Ele foi criado em 2004, depois das grandes greves que envolveram todos os bancos, e em que a direção dos sindicatos foi desafiada pela base.

Infelizmente, o PSTU nunca teve nenhuma estratégia para o MNOB. Com as derrotas das greves de 2005 para cá (mesmo que a CONTRAF finja que são grandes vitórias, porque são um ou dois por cento acima da inflação), o MNOB se esvaziou.

Para nós, isso aconteceu porque o MNOB nunca tentou romper o círculo vicioso de ser formado por funcionários dos bancos públicos, que são minoria na categoria, e por isso não conseguiu dar resposta aos problemas dos outros setores bancários, os funcionários de bancos privados e terceirizados.

Sem a luta constante pela estabilidade no emprego para os bancários privados, e por direitos trabalhistas iguais para os terceirizados, é impossível unir de vez a categoria e vencer os banqueiros.

Os sindicatos devem, nessa luta, combinar as campanhas com esses temas (e incluir os funcionários de bancos públicos nelas, mostrando como elas também são do seu interesse), e a organização de comissões clandestinas no setor privado e entre os terceirizados.

Essa perspectiva parece muito fora da realidade. Queremos deixar bem claro que isso não pode ser alcançado somente escrevendo panfletos. É preciso estar dentro dos sindicatos! Só se os trabalhadores lutarem para reconquistar os seus sindicatos, é que poderemos nos levantar contra o assédio moral, as terceirizações e toda a pressão que sofremos no capitalismo.

Junte-se a nós!

OPOSIÇÃO CLASSISTA


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domingo, 13 de fevereiro de 2011

O Estado Burguês Reorganiza o Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro

Tráfico, polícia e burguesia
O Estado burguês reorganiza o tráfico de drogas no Rio de Janeiro
Por Rodolfo Kaleb – Janeiro de 2011


            Mais de vinte mil homens da polícia e das forças armadas participaram da operação que, no final de 2010, derrotou a organização traficante que dominava as favelas do Complexo da Penha e do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. A principal ação do Estado ocorreu em 28 de novembro, quando as forças policiais invadiram e tomaram o controle da região com o uso de tanques e veículos blindados. A operação foi iniciada no dia 22 do mesmo mês, desencadeada após ataques a veículos, supostamente realizados pelos comandos que controlam grande parte do tráfico de drogas da cidade.
            Esses ataques a veículos teriam sido motivados pela progressiva instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. As empresas de ônibus, que foram os principais alvos, pararam de rodar pelas áreas atacadas. Isso manteve milhares de trabalhadores sem transporte durante os dias do conflito. Depois de uma semana de ataques e confronto, mais de cem veículos destruídos, meia centena de mortos e mais de trezentos presos, o poder da polícia se estabeleceu nas regiões antes dominadas militarmente pelo comando de traficantes.
            Incessantemente, a grande imprensa trabalhou para apresentar os acontecimentos sob um ângulo pasteurizado. A tela da televisão convertia a polícia no órgão supremo da justiça social. Inúmeras vezes os telejornais leram cartinhas de crianças agradecendo ao governador Sérgio Cabral/PMDB ou ao BOPE (Batalhão de Operações Especiais da polícia carioca) por terem “resgatado” suas famílias. Simultaneamente, serviços públicos de energia elétrica e registros eram oferecidos para a população das regiões tomadas, com o objetivo de passar a impressão de que era simplesmente o domínio do comando de traficantes a causa das péssimas condições sociais das favelas. Toda essa cobertura buscou manter estagnada a consciência da classe trabalhadora no morro e no asfalto, ou seja, garantir que a população seguisse enxergando nos policiais os “defensores naturais” da sua segurança.
            É verdade que muitos trabalhadores, inclusive grande parte daqueles que moram nas regiões agora ocupadas, apoiaram as ações policias. Isso é uma resposta compreensível, ainda que incorreta, diante da desesperança causada por décadas em que sofreram a opressão dos comandos. Mas não vai demorar para que os proletários que vivem nessas comunidades percebam a armadilha que é o domínio direto de uma polícia que mata uma pessoa a cada 8 horas nessa cidade. As mentiras da imprensa burguesa cumpriram, como dissemos, um papel nesse processo de tomada de territórios pelo aparato estatal. Por isso, é fundamental que os revolucionários desconstruam tal mentira expondo a realidade violenta e corrupta da polícia.
            Enquanto entrevistavam repetidamente Sérgio Cabral, que falava sempre em tom de triunfo, as grandes redes de jornalismo claramente evitavam tocar nos pontos sensíveis da operação. Nenhum comentário foi feito sobre as graves denúncias de abusos policiais que aconteceram nas comunidades. Em breve entrevista no Complexo do Alemão, o comandante geral da Polícia Militar, Mario Sérgio Duarte, declarou que “Todas as casas serão revistadas. Beco por beco, buraco por buraco” (Portal Terra). Como o conjunto de favelas tem mais de 30 mil moradias, é interessante notar que não houve pudor algum da PM em declarar que estava atentando diretamente contra as moradias dos trabalhadores.
            Inúmeras foram as reclamações de moradores de que suas casas estavam sendo arrombadas, seus pertences revirados e de que estavam sofrendo saques. Milhares de operários eram revistados antes de entrar em suas casas e a opressão policial caiu principalmente em cima dos trabalhadores negros, que são geralmente os “suspeitos preferenciais” das batidas. A opressão policial contra a população das favelas ficou explícita, por exemplo, no caso da atendente Flávia Gomes, de 28 anos (registrado pela revista Época). Ela conta que sua irmã de apenas 14 anos ficou detida por um dia num ônibus da polícia, após ser presa sem nenhuma acusação enquanto caminhava de noite.
            A atuação policial deixa clara a demagogia da polícia e da Justiça dos patrões. Em 2008, quando colocaram algemas no banqueiro corrupto Daniel Dantas, o caso causou um rebuliço nacional, com governantes e autoridades se manifestando contra o “excesso” da polícia. Agora, quando milhares de trabalhadores tem suas casas invadidas, são obrigados a fugir de tiros e encaram o terror policial, só o que se ouve dos governos é aplauso para a polícia, nenhum apelo humanitário. Nenhuma rede de televisão comentou o fato de que nem sequer um mandato de busca a domicílio foi expedido. Esta é a Justiça burguesa – “Não há direitos para o pobre. Ao rico, tudo é permitido”.
            A polícia assassina e violenta do Rio também é sinônimo de corrupção. Como não é fácil conseguir provas, não vamos falar aqui sobre as conhecidas práticas policiais de venda do espólio de guerra (armas e drogas apreendidas em operações) para organizações traficantes rivais. Falaremos apenas sobre um caso ocorrido durante a operação conjunta das polícias e do exército. A Folha online mostrou que a Polícia Militar e a Polícia Civil do Rio não registraram nenhuma apreensão, enquanto a Polícia Federal informou ter recolhido quase 40 mil reais e o exército 106 mil reais. Entretanto, apenas pouco mais de 75 mil reais foram entregues na Delegacia da Penha após o fim das ações militares. Para onde terá ido o restante do tesouro do tráfico?
            Tudo isso deixa claro que nessa guerra entre comandos traficantes e a polícia, os trabalhadores não tem nenhum lado preferencial. Tanto o comando quanto a corporação são inimigos da população. Não se pode ter nenhuma confiança na polícia diante de operações que matam tantos inocentes e subjugam a população proletária das favelas. Os operários devem ter o direito de se proteger de maneira independente contra todos aqueles que os oprimem. Pelo direito dos trabalhadores de organizarem autodefesas em seus locais de trabalho e moradia!

A tomada de territórios por UPPs e milícias
            A operação no Complexo de Favelas do Alemão foi um marco no enfraquecimento das organizações de traficantes, sobretudo o Comando Vermelho, que tinha na região o seu principal reduto. A bandeira do Estado brasileiro tremulando no alto do Complexo representou uma mudança no domínio direto sobre o local, onde foi prometida a instalação de uma UPP em 2011. Vendo isso, a esperança de muitos trabalhadores era de que essa ação significasse o fim do tráfico de drogas, que explora muitos jovens nesses bairros pobres com grande concentração operária.
            Acontece que o tráfico de drogas é muito maior que qualquer organização traficante. Estimativas indicam que esse tráfico movimenta, no Rio de Janeiro, cerca de 1,4 bilhões de reais por ano. Como qualquer outra mercadoria, existe uma demanda pelas drogas ilícitas e isso não é eliminado pelas UPPs. Nem seria interesse do Estado capitalista eliminar um comércio tão lucrativo quanto o tráfico de drogas. Já o interesse do Estado em desarticular as organizações traficantes tradicionais se mostrou consolidado com a tomada do Complexo do Alemão.
            Os comandos traficantes são formações sociais com características mistas de empresa ilegal e poder armado que faz as últimas etapas da distribuição das drogas. Os patrões do negócio, a burguesia do tráfico, quase sempre permanecem nas sombras das suas mansões, enquanto os “gerentes locais” da distribuição são aqueles perseguidos pelo Estado burguês. Apesar dessa aparente repressão, o Estado cria as condições para que o processo de produção e circulação das drogas se mantenha, assim como faz com todas as outras frações da burguesia.
            A vista grossa para que as drogas atravessem as fronteiras brasileiras, vindas dos países onde ocorrem as etapas principais de produção industrial, deixa isso claro. Mais ainda, a facilidade com que a polícia e o exército tomaram o Complexo do Alemão, em menos de uma semana, mostra que essa perspectiva sempre esteve ao alcance do Estado burguês, mas que ele permitiu que as organizações traficantes dominassem essas regiões.
            Sempre existiu uma colaboração implícita do Estado com o chamado “poder paralelo”, que até hoje nunca chegou a ameaçar o poderio bélico muito superior do Estado burguês. Chama atenção o pouco ou nenhum treinamento militar das organizações traficantes, que não são concorrentes para o BOPE e o exército. Isso não significa que não existiram conflitos entre polícia e organizações traficantes ao longo de mais de vinte anos no Rio de Janeiro, mas simplesmente mostra que esses conflitos eram por questões pontuais e que o Estado jamais quis realmente destruir os comandos.
            A próprias UPPs não acabam com o tráfico, nem eliminam as organizações traficantes, como fica claro para um observador mais atento. Por exemplo, uma busca organizada pela Polícia Militar em dezembro do ano passado, na Cidade de Deus (onde foi instalada uma UPP em fevereiro de 2009), apreendeu 41 papelotes de cocaína (Folha online). Durante um evento sobre segurança pública, o chefe da Casa Civil do governo Cabral, Régis Fichtner, admitiu que as UPPs não tem o objetivo de acabar com o tráfico. Segundo ele, as UPPs buscam acabar com o uso de armamento pesado pelas organizações traficantes (site do governo do estado do Rio de Janeiro). Ou seja, as UPPs tem o objetivo de enfraquecer e desarticular os grupos traficantes tradicionais, como o Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando (TC) e o Amigos dos Amigos (ADA). As UPPs, um projeto de Secretaria de Segurança Pública do governo Cabral, são um fenômeno muito recente. A mais antiga das 14 unidades instaladas na cidade foi a da Favela Santa Marta, em novembro de 2008. Mas o enfraquecimento dos comandos traficantes já vinha acontecendo desde bem antes, com o crescimento de um tipo novo de poder armado na cidade – as milícias.
            As milícias existem no Rio de Janeiro desde o fim da década de 70, em alguns locais como Rio das Pedras, em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade. A origem ocorreu quando comerciantes começaram a contratar o serviço de policiais para que não deixassem as suas comunidades serem ocupadas por comandos traficantes ou outros tipos de criminosos. Mas assombra o crescimento das milícias na década de 2000, quando elas se tornaram muito mais do que um “grupo de proteção”. Se até o começo da década as milícias se configuravam como um fenômeno local, limitado a um ponto ou outro da cidade, em dezembro de 2006 já havia conhecimento de seu controle sobre 92 favelas. Em novembro de 2010, quatro anos depois, as milícias controlavam 417 comunidades!
            Quando as milícias começaram a se expandir, a imprensa e mesmo o então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, descreviam-nas como uma forma alternativa de segurança, que poderia livrar as comunidades das diversas fracções traficantes existentes na cidade. As milícias eram descritas como “autodefesas comunitárias” ou “mal menor que o tráfico”. Mas não levou muito tempo para que apoiar as milícias se tornasse impopular. As milícias tomam comunidades fazendo uso de violência bem equipada e depois sustentam sua presença através da exigência de pagamentos dos trabalhadores e pequenos comerciantes para manter sua “segurança” (sendo que os próprios milicianos são a ameaça).
            Em muitas comunidades, os milicianos impõem toque de recolher e outras regras para manter os trabalhadores sob controle. A pena para o descumprimento de suas leis são castigos violentos, inclusive há registros de casos de extermínio. As milícias também fazem questão de combater qualquer expressão de resistência política. Em 2007, o advogado e militante da Frente Internacionalista dos Sem-teto, André de Paula, foi ameaçado de morte e expulso de uma ocupação sem-teto em Campo Grande, numa região dominada pela milícia, por realizar trabalho político com os moradores.
            As milícias são a melhor expressão de crime organizado na história do Rio de Janeiro. Elas são compostas por policiais, ex-policiais, bombeiros e outros agentes relacionados com o Estado burguês. Criam relações com o poder político do Estado para garantirem sua estabilidade. A principal facção miliciana conhecida é a Liga da Justiça, liderada pelo ex-vereador e policial Jerominho, que usa o apelido de Batman. Também o então deputado estadual Natalino Guimarães era líder do grupo miliciano. Ambos foram importantes apoios políticos de Sérgio Cabral em sua eleição para governador. Tendo seus redutos eleitorais na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde hoje se sabe que também comandavam a Liga da Justiça, contribuíram muito para que Cabral tivesse uma vitória esmagadora na região em 2006.
            Diferente do que se imagina, as milícias não acabam com o tráfico de drogas – elas o tomam. A milícia destrói as organizações traficantes tradicionais e se torna a nova “gerente” do tráfico em todas as regiões tomadas. Na verdade, elas também passam a administrar outros negócios ainda mais lucrativos. Na maioria das favelas tomadas, as milícias controlam não apenas o tráfico de drogas como também exploram serviços de prostituição, venda de gás, transporte alternativo e fornecimento de televisão à cabo. A força de trabalho para todos esses serviços não pode ser outra que não a dos trabalhadores das favelas. É claro que a exploração largamente superior imposta à comunidade dominada exige, da parte dos milicianos, uma repressão maior do que aquela das antigas organizações traficantes, coisa que policiais e ex-policiais sabem fazer muito bem.
            Um misto de poder armado paraestatal com uma empresa-leque, atuante em vários ramos da economia, as milícias tem relações íntimas com o Estado burguês. Além das lideranças políticas citadas, que tinham relações diretas com o governador Sérgio Cabral (um vídeo na internet mostra Cabral, Jerominho e Natalino abraçados durante um comício e o futuro governador dizendo que os três são amigos), há registros de casos em que a polícia ajudou a milícia a se estabelecer em comunidades. Foi o caso da favela Cidade Alta, no bairro Cordovil, em 2007, em que os milicianos tiveram apoio de um caveirão (carro blindado) da PM para tomar de assalto a comunidade. Qual é o significado de tudo isso?
            Muito antes de as UPPs aparecerem, já havia uma força com relações íntimas com o Estado, formada por agentes ou ex-agentes do Estado, destruindo as organizações traficantes tradicionais e estabelecendo seus regimes nas comunidades com o apoio da polícia. Isso significa que o enfraquecimento das organizações traficantes antigas tem na UPPs apenas um dos seus pontos de apoio. O outro e principal elemento é a expansão das milícias, que ocorre, não com a displicência, mas com o apoio do Estado burguês! Ainda que haja prisões de alguns dos líderes mais conhecidos das organizações milicianas, ninguém duvida que eles continuam, dentro ou fora das prisões, comandando seus negócios e tirando deles os lucros. As características das milícias, suas relações políticas com o Estado, o papel que elas cumprem – tudo isso forma um padrão que dá a entender que as milícias cumprem as tarefas ilegais (a parte mais suja do serviço) que o Estado burguês não pode fazer à luz do dia, mas que apoia e garante o sucesso. Os objetivos da expansão das milícias é garantir que quem controla o tráfico de drogas e as comunidades seja muito mais próximo do Estado do que eram as antigas organizações traficantes.
            Em 2008, as milícias começaram a chamar atenção da imprensa. Foi o ano em que ocorreram as prisões de Jerominho e Natalino. No mesmo ano, jornalistas que tentavam fazer uma matéria sobre as milícias foram torturados pelos milicianos e foi criada a CPI das milícias, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Esses fatos geraram repercussão internacional e é nesse momento que começa a se falar de UPPs. Quando a frente ilegal da tomada de territórios começa a chamar atenção demais (inclusive em suas relações com o Estado) é que a frente legal de uma operação se torna necessária.
            Já há suspeitas de que uma milícia esteja se organizando no Complexo do Alemão, poucas semanas depois de ele ter sido tomado pelas forças policiais. Isso não é nenhuma surpresa: as UPPs cumprem um papel não menos assassino que as milícias, mas sob o pano da “legalidade”. Se o tráfico nesses locais foi temporariamente interrompido, isso só aumenta a demanda para o tráfico controlado pelas milícias, e não vai demorar para que se revelem quem serão os novos “gerentes locais” do tráfico de drogas no Complexo do Alemão.
            A armadilha da legalidade das UPPs não pode continuar enganando os trabalhadores que acham que o Estado combate o tráfico, quando esse mesmo Estado impõe não apenas o tráfico mas uma opressão tirânica sobre a vida dos proletários, seja sob a forma legal da polícia ou a forma ilegal das milícias. Se o governador diz que sua gestão está comprometida em combater as milícias (compromisso para o qual ele nunca moveu um músculo), nós o desafiamos a expor os seus “segredos de Estado”. Pela quebra de todo sigilo econômico, telefônico e de internet da polícia e dos líderes do poder executivo! Essas informações devem ser colocadas à disposição dos movimentos sociais para desmascarar a cumplicidade do Estado com as milícias.

Uma polêmica mais do que necessária
            A esquerda proferiu inúmeras respostas aos eventos no Rio de Janeiro. Dentre os grupos cuja “estratégia” é reformar o capitalismo (ainda que seus membros de base sejam convencidos do contrário) é importante destacar o Enlace, corrente interna do PSOL, cujo maior símbolo do reformismo é o deputado Marcelo Freixo, que ganhou grande reconhecimento ao presidir a CPI das milícias. Freixo deixou claro em pronunciamento à Assembleia Legislativa do Rio no fim de novembro, que sua perspectiva é reformar a polícia e eliminar sua corrupção, e que deseja que haja UPPs em todas as regiões da cidade! (Por que as UPPs não chegam para todos?, site do deputado). Em entrevista no começo de dezembro, ele mostrou que é muito perspicaz em rastrear a origem tanto da violência policial, quanto miliciana contra os trabalhadores pobres:
            “A nossa polícia historicamente serve a uma elite política. Ela foi construída assim: barata e violenta porque serve para manutenção da relação do Estado com esses territórios desassistidos de direitos. Como a nossa elite política é clientelista e corrupta, ela precisa de uma polícia assim. Essa relação faz nascer a milícia no Rio. As milícias são fruto desse papel histórico que foi atribuído à polícia frente às populações mais pobres. Boa parte da zona oeste e da zona norte da cidade são hoje controladas por esses grupos. É o nosso instrumento de apartheid.” (Exame, 3 de dezembro de 2010).
            Apesar disso, Freixo não tem problemas em afirmar suas boas relações com o secretário de segurança José Mariano Beltrame, o “homem honesto” que conduz a chacina que são as operações policiais nas favelas cariocas. “Eu sou oposição política ao governador. No entanto, no debate da Segurança Pública não gosto de me posicionar como situação ou oposição. A nossa responsabilidade com a sociedade está acima dessas diferenças políticas. Por isso, eu fico muito mais confortável em falar do Beltrame que do Sérgio Cabral. O Beltrame leva uma grande vantagem porque sua honestidade o faz uma pessoa muito melhor do que os últimos secretários que existiram antes dele. Tenho uma relação muito sincera com ele. Com divergências, mas muito respeito.”
            Em outras palavras, quando é uma questão de segurança pública, não existe oposição ou situação. De fato, na raiz, Marcelo Freixo nada tem para se opor a Sérgio Cabral – ambos defendem a continuidade de uma polícia racista, responsável pela repressão aos trabalhadores. A responsabilidade de Freixo com a (manutenção da) sociedade (burguesa) está acima de qualquer deiferença política. Enquanto Freixo alimenta as ilusões de que tal sociedade pode ser reformada, Cabral é uma face muito mais cínica da mesma moeda da manutenção do Estado burguês.
            Não é de espantar a posição do Enlace/PSOL nesses ataques, já que, na prática, a corrente não defende nada mais do que a idéia utópica de gerir o Estado dos patrões a serviço dos trabalhadores. Na verdade, a polícia é irreformável, assim como o próprio sistema capitalista. O que Freixo vê como uma coisa que pode ser mudada – o reconhecido caráter racista, assassino e corrupto da polícia – são as suas caracteristicas intrísecas!
            A polícia é um grupo de homens armados colocados à disposição do Estado dos patrões (coisa que uma mudança eleitoral não altera) e que não cumpre nenhuma função social que não seja a de manter a ordem capitalista e reprimir os movimentos sociais e setores mais oprimidos da classe trabalhadora com uso da força que for necessária. Os policiais não são trabalhadores explorados, mas agentes de repressão armada da burguesia. A segurança real dos trabalhadores é ignorada pela polícia enquanto a das empresas e bancos é garantida a todo custo.
            A tentativa eleitoral de modificar a natureza fundamental do Estado burguês ganhando eleições, que constitui toda a “estratégia” do PSOL, e de Marcelo Freixo em especial, nada mais é que uma quimera. Na verdade, o Estado é um braço político, ideológico e militar do poder burguês para garantir o funcionamento da produção que visa o lucro. O funcionamento do capitalismo pressupõe, além de condições econômicas constantes (como o desemprego), a necessidade de ter uma força armada para reprimir qualquer tentativa das classes exploradas de se revoltarem. Por isso, a defesa da propriedade privada é o papel central das armas do Estado capitalista.
            Enquanto Freixo tenta, com sua lógica de “reformar o capitalismo”, ensinar um cachorro raivoso a se sentar à mesa, ele na verdade contribui com os inimigos dos trabalhadores ao prestar apoio à instalação das UPPs. Em seu citado pronunciamento, ele questiona: “Por que não há UPPs para todos?” numa tentativa de demonstrar a conhecida ligação de Cabral com líderes políticos das milícias. Mas a visão neutra que Freixo faz da polícia, equivale a entregar a cabeça da população proletária aos seus maiores carrascos.
            O deputado sonha em tornar a polícia um aparato que possa servir aos trabalhadores, enquanto ela permanece sendo firmemente subordinada a uma “elite política clientelista e corrupta”, ou seja, uma força armada a serviço da burguesia e comandada pelos seus “opositores políticos” (ou nem tanto), como Cabral. O que Freixo não vê é que essa é a própria razão de ser da polícia – intimamente ligada às necessidades do capitalismo, e não uma condição temporária em que Cabral ou outros políticos colocaram os policiais. Essa posição pró-UPP revela a total ausência de qualquer perspectiva revolucionária no PSOL, que defende a instalação de mais unidades de repressão contra os trabalhadores. Num futuro próximo, as UPPs irão com certeza combater qualquer resistência ou luta dos proletários, que terão unidades de repressão instaladas em seus locais de moradia.

Os trabalhadores são aliados da “base da polícia”?
            Com a articulação da imprensa burguesa, como demonstramos, não foram poucas as ilusões com a polícia criadas entre os próprios trabalhadores moradores das favelas. A posição dos reformistas serve para criar muita confusão e desarmar a consciência dos oprimidos. Já uma posição única na esquerda é a do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Ao redor de uma declaração aparentemente revolucionária, defendendo o direito de os trabalhadores organizarem autodefesas, o partido defendeu através de seu principal dirigente, Eduardo Almeida Neto, a unificação da polícia (fusão da polícia civil e militar) num corpo que seja “controlado pelos trabalhadores”:
            “A nova polícia teria que se organizar de forma radicalmente diferente da atual. Deve desaparecer a diferença entre polícia civil e militar, que não serve de nada, e assegurar todas as liberdades sindicais e políticas a seus participantes. É preciso também que seus comandantes ou delegados sejam eleitos pela população da região onde atuam. Ao contrário dos que se escandalizem com a proposta, a eleição de delegados locais é realizada em muitos países, inclusive nos EUA. É uma forma democrática de comprometer esses comandantes com a população local.” (site do PSTU).
            Não nos escandalizamos nem um pouco pela proposta. Ela é mais que comum entre muitos reformistas que acreditam na possibilidade de criar uma “polícia para defender a população”. Ao mesmo tempo, sabemos que essa proposta é incapaz de mudar o caráter real da organização policial. Não precisamos ir muito longe para conseguir exemplos – o próprio Eduardo Almeida nos fornece o da “democrática” polícia americana, recordista de repressão à população negra e aos imigrantes. A palavra de ordem de uma polícia “eleita democraticamente” não é usada aqui para expor o caráter burguês e a hierarquia do aparato, mas é uma proposta real, como o exemplo americano de Almeida mostra, para gerir o capitalismo.
            Além de apresentar essa perspectiva desoladora e dizer que o Estado burguês pode ter algum tipo de “compromisso” com a classe trabalhadora local, o PSTU reafirma sua famosa posição de defender todos os “direitos sindicais” dos policiais. Essa posição não é nova. Ela vem sendo defendida pelo PSTU de maneira mais clara desde a formação da Conlutas (mas é defendida pelo partido desde muito antes, como na greve policial nacional de 1997). Discutimos essa questão anteriormente no artigo Porque não apoiamos a greve da polícia (agosto de 2007), disponível em nosso site. A presença de “sindicatos policiais” na central dirigida pelo PSTU atualmente, a CSP-Conlutas, assim como o uso do slogan “Você aí fardado, também é explorado!” pelo partido, em atos e protestos, é justificado com dois argumentos.
            O primeiro é de que os “trabalhadores” policiais de base tem o direito de reivindicarem melhores condições de trabalho e melhores salários, e que isso, inclusive, contribui para a luta dos demais trabalhadores. Enquanto reconhece que a polícia é usada para reprimir a população, o PSTU afirma que os policiais “não conhecem o seu papel” e tentam disputar sua consciência como se fosse a de um operário. O segundo argumento é o da necessidade fundamental de apoiar as lutas da “base da policia” para talvez rachá-la numa situação revolucionária futura.
            Antes de tudo, o slogan usado pelo PSTU é puro oportunismo. Os policiais não são explorados pelo capitalismo pelo simples fato de não cumprirem nenhuma função socialmente necessária. Os policiais não produzem e nem realizam nenhuma tarefa indispensável para a produção, como é o caso dos serviços de transporte, comunicação, saúde ou educação. Não há na polícia nenhum papel progressivo, nada que seja útil para garantir o funcionamento da vida dos trabalhadores. A sua função exclusiva (por mais que sua base seja mal paga) é ser um corpo repressivo que garante o papel subjugado dos proletários na sociedade. Isso é uma questão objetiva, ou seja, independe das ilusões dos “policiais de base”.
 Não acreditamos que as ilusões da “base da polícia” sejam grande coisa. Na verdade, quando um membro originário da classe trabalhadora decide se tornar um policial, na maioria das vezes operou-se nele uma transformação reacionária de consciência. Mas mesmo que os policias achassem que estão aí para distribuir flores para a população, seria tarefa dos marxistas apontarem a realidade e expor o seu papel claramente repressivo e anti-operário. O policial não é um trabalhador, é um membro do aparato repressor da burguesia colocado diariamente contra os verdadeiros trabalhadores.
            Daí vem o fato de que o “sindicalismo policial” e as greves da base da polícia (contra suas instâncias superiores) por “melhores condições de trabalho e salários” não contribuem em nada para a luta dos trabalhadores, muito pelo contrário. Melhores “condições de trabalho” para os policiais significa melhores condições de repressão contra os trabalhadores, significa mais armas, caveirões e munição para serem usados contra os proletários. Melhor salário para os policiais significa aumentar a pressão material sobre os trabalhadores para integrarem a polícia, ou seja, aumentar o número de trabalhadores dispostos a integrar o aparato repressivo do Estado burguês e até mesmo aumentar o seu contingente policial. Por isso, qualquer marxista autêntico só pode rechaçar o “sindicalismo policial”, pois as manifestações corporativas dos policiais, se vitoriosas, significariam uma derrota e um passo atrás para a luta dos trabalhadores. Os trabalhadores devem limpar sua própria casa – “sindicatos policiais” fora das centrais! Nenhum apoio a greves policiais por “melhores condições”!
            Já o discurso “estratégico” do PSTU sobre rachar a polícia, não resiste à menor investigação histórica. Primeiro, de nada vale tentar rachar a polícia virando as costas para os interesses dos oprimidos. Depois, não se conhece nenhuma situação revolucionária em que a polícia tenha apresentado um racha para apoiar a classe trabalhadora. Pelo contrario, abolir a polícia é, na maioria das vezes, a ação dos trabalhadores assim que começam a se organizar por seus objetivos históricos. Isso é muito coerente com a composição da polícia – profissionais de carreira que são ideologicamente homogeneizados pelo treinamento militar. O que é comum são rachas das patentes baixas do exército, principalmente em épocas de guerra, em que os reservistas são recrutados e se tornam maioria das forças armadas. Estes sim, trabalhadores recrutados completamente contra a sua vontade e que não passaram pela “lavagem cerebral” do militarismo burguês, tem chances reais de serem atraídos para a luta dos trabalhadores.
            Independente disso, qualquer racha nos instrumentos do Estado burguês, seja no exército ou na polícia, não deve ser conseguido apoiando as reivindicações corporativas desses setores. Pelo contrário, devemos expor claramente qual é o seu papel e defender o fim de sua repressão e ataque contra os trabalhadores – essa é a maneira revolucionária de causar rachas no aparato burguês. As reivindicações que devem ser apoiadas, nessa perspectiva, são aquelas com conteúdo político que indicam o papel repressor do aparato, não as reivindicações para “melhorar” os órgãos armados do poder burguês (veja, por exemplo, o texto Militar é Preso por ser Homossexual, em nosso site).
            Como bom centrista vacilante, o PSTU abandona o aspecto aparentemente revolucionário de seu programa, no papel, para na prática pegar carona na concepção dos reformistas e contribuir com a ideologia dos inimigos dos operários. Suas palavras de ordem e “estratégia” falham em expor a polícia diante da classe operária e, ao invés disso, criam confiança na “base da polícia” ao igualar ela com os trabalhadores. O que é necessário é mostrar o caminho da revolução no combate a tudo que a polícia representa. O PSTU, entretanto, parece buscar uma possibilidade real de reformar o aparato burguês (não nas UPPs, mas nos “policiais de base”) e contribui para semear a mesma concepção de adaptação ao capitalismo que seus companheiros de viagem do PSOL.

Uma vez mais a questão negra
            A faceta mais marcante da conjuntura de derrotas da classe trabalhadora nessa década pôde ser vista com as operações no Rio de Janeiro. Foi total a falta de reação do proletariado, sobretudo do proletariado negro (o mais atingido), e dos movimentos sociais em geral, diante do conflito entre as organizações traficantes e a polícia. Enquanto os principais movimentos sociais do país são mantidos congelados pela direção traidora do PT de Dilma e Lula, cúmplices do governo de Cabral, a esmagadora maioria dos proletários, inclusive os seus setores mais explorados, são colocados para receber passivamente os golpes da violência burguesa. Enquanto CUT, MST e os movimentos negros e populares estiverem sob influência do governo, pouco poderá ser feito para a resistência dos trabalhadores. Muitos esperam que os setores da chamada “oposição de esquerda” possam apresentar uma alternativa, mas como vimos, eles não só falharam em apresentar uma resposta coerente, como também acabam fazendo o jogo dos maiores inimigos da nossa classe.
            Enquanto o PT destaca o exército brasileiro para criar nas favelas cariocas a mesma “paz” que ele já deu ao Haiti, o PSOL, no fundo de seu grito por uma polícia melhor, deseja “UPP para todos” e aborta qualquer possibilidade de expressão independente da classe trabalhadora. Já o PSTU, cheio de ilusões e apego aos candidatos a reformadores do capitalismo, também luta por “uma polícia com melhores condições de trabalho”. O que falta para que esses caras-de-pau defendam “mais tropas” ou “melhores condições de trabalho para os soldados” no Haiti?
            Ao vacilarem e semearem a ilusão na classe, esses partidos desmoralizam a esquerda diante dos trabalhadores mais oprimidos, que sabem quem são seus inimigos. Esses partidos, no entanto, tem algo em comum. Ambos representam a total ausência de uma estratégia revolucionária capaz de pôr fim ao sofrimento dos trabalhadores. A maior expressão disso se coloca na questão da opressão aos trabalhadores negros, os mais atingidos nesses ataques e os mais perseguidos desde sempre pelo tráfico, polícia e milícias no Rio de Janeiro.
            A polícia do Rio de Janeiro realizou inúmeras invasões a moradias, agressões físicas e agressões psicológicas contra os trabalhadores nessa operação. É a mesma polícia que mata duas vezes mais negros do que pessoas de outras etnias, de acordo com estudo do PNUD. O foco da polícia em “combater o tráfico” onde estão os trabalhadores negros, mas não o local estratégico de alguém que estivesse realmente interessado em acabar com o tráfico (o transporte da droga na fronteira), tem razões na natureza do capitalismo brasileiro.
            No Brasil, os trabalhadores negros constituem uma casta super-explorada da classe operária. A manutenção de aparelhos racistas na atuação e ideologia da polícia em todos os momentos da nossa história e a colocação, consciente por parte do Estado, da população negra em condições precárias de educação, moradia e emprego cumpre um papel. Eles permitiram que o capitalismo brasileiro obtivesse aí um exército industrial sem qualificação tanto para os empregos baratos e sem necessidade de formação profissional, assim como para o contingente de desempregados, fundamental para estar à disposição do mercado capitalista.
            É preciso combater na raiz o rumo que o capitalismo quer dar à vida da classe trabalhadora. Emprego pleno para todos os trabalhadores! Devemos lutar para reduzir a jornada de trabalho sem redução de salário para gerar novas vagas até acabar com o desemprego, que atinge principalmente os operários negros. Fim do vestibular e qualificação para todos os proletários! Se for necessário, o lucro dos empresários deve ser usado para financiar a educação até que haja acesso global ao ensino superior.
            A ação preferencial predatória da polícia dentro das favelas é instrumento fundamental nas mãos do Estado burguês para garantir com sangue que o proletariado negro nem mesmo ouse pensar em lutar contra as condições destacadamente inferiores de vida na qual é mantido. Uma dessas condições mantidas diretamente pelos patrões é o salário consideravelmente mais baixo que recebem os negros, mesmo aqueles que atuam em postos iguais aos de operários de outras etnias. De acordo com estudo citado pela Folha, trabalhadores negros recebem bem menos que trabalhadores brancos atuando na mesma função de trabalho, na mesma cidade. “Pesquisa divulgada hoje pela Fundação Seade mostra que, na mesma função, homens negros (R$ 639) e mulheres (R$ 652) recebem salários até 47,8% inferiores aos pagos para trabalhadores brancos do sexo masculino (R$ 1.236)” (Folha online). Exigimos salário igual para trabalho igual! – deve-se nivelar pelo salário mais alto até eliminar a diferença entre trabalhadores homens e mulheres, negros e brancos, em todas as empresas públicas e privadas.
            Pela sua dependência estrutural histórica com o capitalismo, o racismo praticado pelo Estado não pode ser combatido como uma questão em separado, mas deve ser combatido no cerne das lutas operárias, onde está colocada a necessidade de expor o caráter intrinsecamente racista do Estado e seu objetivo de prover ao mercado capitalista mão de obra sem qualificação e historicamente reprimida em suas lutas. No livreto A Escravidão é a Chave da História do Brasil (revista Revolução Permanente número 3), analisamos como a questão da opressão negra foi historicamente subestimada e negligenciada pelas organizações da esquerda brasileira. Isso se demonstra de maneira trágica na inação das comunidades diante dos ataques e operações de novembro.
            O potencial revolucionário dos trabalhadores negros e sua posição em setores industriais de base é estratégico para a revolução brasileira. Por isso, é fundamental para uma organização revolucionária estar inserida nesses setores e combater o racismo do Estado dos patrões em todas as oportunidades, com o intuito de recrutar trabalhadores negros e ter forte presença nos seus locais de trabalho e moradia. Também deve ser travado intenso combate contra as condições de trabalho inferiores dos negros e o desemprego maciço que os atinge. Essas questões devem ser tratadas no cotidiano do movimento dos trabalhadores e da juventude. Sem isso, o socialismo será apenas uma fantasia escrita num papel. Combater o racismo no movimento estudantil e sindical! O racismo só serve ao inimigo comum de todos os trabalhadores.
            Hoje nas favelas e nos locais de trabalho dos setores mais explorados da classe operária, existe não uma crise, mas um completo vácuo de lideranças combativas, quanto menos uma liderança revolucionária. Os reformistas, ao negarem a necessidade de se enraizarem nos setores mais explorados da classe trabalhadora, que acreditamos serem os trabalhadores negros e as mulheres no Brasil, entregam este setor fundamental de bandeja para o conformismo de igrejas e associações de moradores, além do assistencialismo do Estado burguês. É preciso dizer que, mesmo que houvesse vontade, seria um pouco difícil para os que são amigos das UPPs e da “base da polícia” se inserirem entre os trabalhadores negros, que tem na polícia o seu maior inimigo.
            Sempre dissemos que nosso Coletivo não é um fim em si mesmo. Nosso papel é contribuir para a construção de um partido revolucionário de trabalhadores capaz de combater de maneira coerente as ilusões com o Estado burguês em todas as lutas. A tarefa é árdua com a difícil correlação de forças em que vivemos, atrapalhada ainda pelos auxiliares voluntários da ideologia burguesa, disfarçados de “partidos de esquerda”. Ainda assim, é preciso dar desde já os primeiros passos.
            Um partido revolucionário deve ser construído entre os setores mais explorados do proletariado brasileiro, principalmente as mulheres e negros. Esse partido deve lutar para concretizar as demandas históricas dos trabalhadores. Grande parte delas só pode ser conseguida com a destruição do Estado que nos oprime diariamente. É por isso que levantamos inúmeras bandeiras que expõem o caráter capitalista do Estado, mostrando a necessidade de destruí-lo e de construir o poder de todos os explorados e oprimidos. Por um Partido Revolucionário de Trabalhadores!
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Texto do Reagrupamento Revolucionário

Introdução à série Polêmica Marxista

O seguinte artigo foi originalmente publicado pelo Reagrupamento Revolucionário (RR) em dezembro de 2008. Sua tradução para o português foi realizada pelo Coletivo Lenin em 2010.

Em 1938, na conferência de fundação do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) americano, após ter ganhado para o trotskismo revolucionário de maneira bem sucedida uma larga fração de membros do reformista Partido Socialista (SP), inclusive uma maioria de sua juventude, James P. Cannon explicou que:
“TODA A EXPERIÊNCIA da luta de classes numa escala mundial, e especialmente a experiência dos últimos vinte anos, ensinam uma lição acima de todas as outras, uma lição resumida numa única posição: o mais importante problema da classe trabalhadora é o problema do partido. O sucesso ou o fracasso nesse domínio é a diferença entre a vitória ou a derrota todas às vezes. A luta pelo partido, o esforço incessante para construir uma nova organização política de vanguarda sobre as ruínas da velha, concentra em si mesma os mais vitais e progressivos elementos da luta de classes como um todo...”
“A reconstrução do movimento operário revolucionário na forma de um partido político não é um processo simples. No meio de dificuldades sem precedentes, complicações e contradições, o trabalho continua, como em todos os movimentos sociais, numa linha em ziguezague. O movimento novo toma forma através de uma série de rachas e fusões que devem parecer com um xadrez chinês ao observador superficial. Mas como poderia ser de outra forma? A assustadora desintegração dos movimentos antigos, num cenário de levante mundial, desorientou e separou os militantes revolucionários em todas as direções. Eles não podem achar o seu caminho sozinhos, nem chegar às mesmas conclusões básicas, do dia para a noite.” – Um Novo Partido é Criado (1938)
No mesmo discurso, Cannon, um líder histórico do trotskismo nos Estados Unidos, também comentou sobre os sectários “anti-sectários” dos seus dias. Como hoje, o pequeno movimento trotskista era zombado por seu foco em lutar por clareza ideológica e programática dentro da extrema esquerda do movimento operário. Contraposta a isso era uma falsa e aventureira “orientação para as massas”. Os “anti-sectários” que denunciavam os trotskistas como “primariamente um círculo de teóricos isolados e detalhistas” Cannon caracterizava como “centristas que manobram todo o tempo com inexistentes ‘movimentos de massa’ no vácuo...”. Enquanto revolucionários confiam numa classe trabalhadora politicamente consciente, aliada com todas as massas exploradas e oprimidas, como a única capaz de destruir o capitalismo numa escala mundial, e não pode buscar agir como um substituto a ela, Cannon explicou que “A estrada para as massas é através da vanguarda e não por cima da sua cabeça.” (A História do Trotskismo Americano).
Ao contrário, os verdadeiros sectários (e em geral, também oportunistas) são aquelas tendências que tentam enganar seu público ao se recusarem rigorosamente a sequer mencionar ou reconhecer a existência de todos os outros grupos em suas publicações, ou ao pôr pressão em suas fileiras e periferias para prevenir que entrem em contato livre com militantes de outras correntes ou que leiam seus textos. Mas a vitória das políticas corretas contra as incorretas só pode triunfar sob circunstâncias de debate livre e honesto entre todos. As organizações que se abstém ou tentam pôr pressão em suas fileiras e periferia para não participarem nesses debates estão proclamando a falta de confiança em sua política, assim como em suas fileiras e periferias. Assim, essas organizações não merecem confiança, nem por suas fileiras e periferias, nem da classe trabalhadora como um todo.
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A série Polêmica Marxista é produzida pelo Reagrupamento Revolucionário e cada número será dedicado a um tema político específico. Nosso público alvo para esta série são os grupos e militantes subjetivamente revolucionários ao redor do mundo que “devido à desintegração dos movimentos antigos” estão nesse momento “desorientados e divididos”.
Também é esperado que esses documentos sejam bem sucedidos em iluminar e introduzir questões centrais para aqueles que há pouco se interessaram na política revolucionária. Uma investigação séria das organizações atualmente existentes é crucial para decidir qual grupo deve-se ajudar a construir, ou então nele permanecer. Como tem sido frequentemente demonstrado por muitos, pode-se perder muitos anos de vida se isso não for feito.
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Ao criticar diferentes tendências políticas, não nos limitaremos àquelas maiores entre as existentes atualmente. Muitos grupos internacionais ainda pequenos são mais jovens e, assim, menos burocratizados, e apegam-se menos às tradições e ortodoxias revisionistas do que os grupos dos quais racharam. Tendências socialistas menores frequentemente possuem hoje membros mais compromissados e mais desenvolvidos teoricamente (e em algumas circunstâncias, dependendo de suas histórias, a sua liderança também) do que organizações maiores. Desse modo eles irão provavelmente desempenhar um papel altamente importante nos estágios iniciais de construção de um partido revolucionário.
Em resposta aos que argumentavam que os trotskistas alemães prestavam atenção insuficiente ao Partido Comunista, que possuía uma quantidade maciça de membros em relação a outros grupos, Leon Trotsky respondeu:
“Talvez pareça estranho que nós devamos devotar comparativamente trabalho tão grande a uma organização tão pequena. Mas a essência da questão está no fato de que a importância do SAP é muito maior do que o próprio SAP. Envolvido aqui está, em última instância, a questão de uma política correta em direção às tendências centristas que agora aparecem em todas as cores do arco-íris no movimento operário. O aparato centrista conservador herdado do passado deve ser abortado do desenvolvimento revolucionário da vanguarda proletária, essa é a tarefa!” – Alquimia centrista ou marxismo (1935).
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Os pablistas e outros oportunistas objetivistas geralmente confiam no desenvolvimento orgânico do processo histórico para resolver o problema do reagrupamento revolucionário (e por esse propósito a crise de liderança revolucionária também). Para eles, a simples existência de um movimento de massas popular, quaisquer que sejam sua liderança e sua política, expressa por si só a solução para esse problema. Todos aqueles que não se comportam como ovelhas seguindo um pastor e tentam expor os falsos líderes, são denunciados por serem ultra-esquerdistas e “sectários sem solução”.
Apesar de frequentemente se queixarem da divisão nas forças revolucionárias, o problema que está na raiz da confusão e da desorientação política não lhes interessa. Eles esperam que as lideranças não-revolucionárias do movimento de massas do momento sejam forçadas pela força dos fatos a se tornarem uma “faca cega” para o socialismo, quaisquer que sejam suas intenções verdadeiras e/ou iniciais, muito menos consideram qualquer confusão ou desorientação política da parte de outros. A história das derrotas da classe operária (que incluem muitas situações potencialmente revolucionárias) que inevitavelmente aconteceram sob a liderança desses líderes desleais, da Espanha ao Chile e ao bloco Soviético, é geralmente aceita formalmente, mas suas lições são repetidamente ignoradas para as lutas dos dias de hoje. Isso arma o terreno para a repetição dessas derrotas.
Hoje essa atitude é mais bem expressa pelas profundas ilusões de muitos que afirmam serem marxistas, na capacidade de Hugo Chávez de liderar a Venezuela em direção a uma revolução socialista. Tal posição não está apenas em conflito com o entendimento do marxismo sobre a necessidade do programa e da liderança revolucionária, mas também no entendimento sobre a impossibilidade de reformar o Estado capitalista, e a oposição à colaboração de classes. Ela também pressupõe, explicita ou implicitamente, uma estratégia similarmente reformista a nível internacional.
Outras tendências, ou explicitamente não tem interesse no reagrupamento revolucionário, ou inconscientemente sabotam todas as oportunidades que tem para tal. O recrutamento numericamente significativo de camaradas experientes com grande força de vontade põe um desafio em potencial para a habilidade dos líderes autoritários de controlarem suas seitas. A sua atitude sectária não é um reflexo de qualquer tipo de sinceridade juvenil ou ultra-esquerdismo rígido, mas medo burocrático. A existência de suas organizações é transformada em um fim em si próprio e para eles próprios, ao invés de um veículo para construir uma liderança revolucionária das massas. As lideranças de tais grupos geralmente deixaram há muito de acreditar nas políticas e objetivos formais que eles professam, prestando essencialmente o mesmo papel que o “socialismo dos dias de festa” da Segunda Internacional, mascarando a realidade dos seus objetivos e posições verdadeiros. Eles preferem que seus grupos permaneçam pequenos, tornando-os mais fáceis de controlar. Em contraste, a atitude de Trotsky não era nem objetivista nem sectária.
“A crise de liderança proletária não pode, é claro, ser superada através de uma fórmula abstrata. É questão de um processo extremamente monótono. Mas não de um processo puramente “histórico”, ou seja, das premissas objetivas de atividade consciente, mas de uma cadeia ininterrupta de medidas ideológicas, políticas e organizativas com o propósito de reunir os melhores, mais conscientes elementos do proletariado mundial debaixo de uma bandeira sem mácula, elementos cujo número e autoconfiança devem ser constantemente reforçados, cujas conexões com seções mais largas do proletariado devem ser constantemente desenvolvidas e aprofundadas – em uma palavra: devolver ao proletariado, sob novas e altamente difíceis e onerosas condições, sua liderança histórica.” – Rosa Luxemburgo e a Quarta Internacional” (1935).
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A resolução de 1961 da britânica Liga Operária Socialista (SLL), que estava liderando o Comitê Internacional na época, argumentava que:
“A Quarta Internacional, como organização mundial fundada por Leon Trotsky em 1938, não existe mais. Ela foi destruída pelo pablismo”. – A Perspectiva Mundial para o Socialismo, Labour Review (inverno de 1961), página 127.
Enquanto o CI subsequentemente mudou e desonestamente apagou essa posição no curso de sua degeneração política, o documento da SLL prestou um importante papel na formação da Tendência Revolucionária dentro do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP). Num documento fracional fundamental contra o giro do SWP para o pablismo, a TR afirmou:
“Nos últimos quinze anos o movimento fundado por Leon Trotsky sofreu uma profunda crise teórica, política e organizativa. A manifestação superficial dessa crise foi o desaparecimento da Quarta Internacional como uma estrutura significativa. O movimento consequentemente foi reduzido a um grande número de pequenos grupos, formalmente filiados a três tendências: o ‘Comitê Internacional’, o ‘Secretariado Internacional (Pablo)’ e o ‘Secretariado Internacional (Posadas)’. Políticos superficiais esperam superar a crise por uma fórmula organizativa – ‘unidade’ de todos pequenos grupos que queiram se unir em torno de um programa de denominador comum. Essa proposta obscurece, e na verdade agrava, as causas políticas e teóricas fundamentais dessa crise.” – Rumo ao Renascimento da Quarta Internacional. (1963).
Se a “desintegração dos movimentos antigos... que desorientou e dividiu os militantes revolucionários em todas as direções” tornou as tarefas dos trotskistas complexas em 1938, a desintegração da Quarta Internacional em três tendências internacionais, numa situação de continuação da separação e confusão pré-existentes tornou-as substancialmente mais difíceis e complexas em 1963. Hoje existem não apenas 3 organizações reivindicando o trotskismo, mas muitas. Dessa forma, as conclusões organizativas propostas pela TR retém a sua validade ainda hoje.
“A tarefa do movimento marxista revolucionário internacional hoje é restabelecer sua própria existência real. Falar da ‘conquista das massas’ como uma guia geral internacional é um exagero qualitativo. As tarefas diante da maioria das seções trotskistas e grupos atuais parte da necessidade de clarificação política na luta contra o revisionismo, no contexto de um nível de trabalho de uma natureza geral preparatória e propagandista.”
Para muitos militantes, a atividade mais estreita imposta pela situação, compreensivelmente, não parece atraente. Entretanto, esse crucial trabalho preparatório é hoje uma precondição para liderar lutas de massas de maneira bem sucedida amanhã. Em tais períodos, Trotsky argumentou:
“Uma tendência revolucionária não pode contar com vitórias relâmpagos em um tempo em que o proletariado como um todo está sofrendo as maiores derrotas. Mas isso não é justificativa para ficar de braços cruzados. Precisamente nos períodos de refluxo revolucionário é que se formam e desenvolvem os quadros que mais tarde serão chamados a liderar as massas numa nova investida.” – É necessário Construir Partidos Comunistas e uma Nova Internacional” (1933).
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O Reagrupamento Revolucionário está determinado a não se curvar diante da dificuldade da situação, e nem fazer desta uma virtude permanente como outros antes fizeram. Como previamente declarado, nós seguimos
“convencidos da necessidade e da possibilidade de derrubar a sociedade capitalista, mas essa possibilidade só pode se atingida através do reagrupamento dos subjetivamente revolucionários pelo mundo numa base programaticamente sadia pela reconstrução da Quarta Internacional.” – Carta de Rompimento com a Tendência Bolchevique Internacional”.
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Os Caminhos da Luta de Classes na França

Texto da Revista Revolução Permanente número 5.
Passar por cima de burocratas e reformistas para derrotar Sarkozy!
Os Caminhos da Luta de Classes na França
Rodolfo Kaleb

Assim como seus irmãos gregos, os trabalhadores franceses protagonizaram no fim de 2010 um dos processos mais vivos da luta de classes no continente europeu. Os Estados europeus apresentaram “planos de austeridade” para estabilizar as contas, após o rombo gerado pelo salvamento de empresas à beira da bancarrota. Isso despertou a classe trabalhadora para a ação, já que esses planos querem descontar nas costas dos trabalhadores o custo da crise. Com a crise de superprodução (exposta desde 2008) a concorrência entre as empresas derrubou a taxa de lucro. Por isso, as empresas demitem para diminuir os custos e diminuir o efeito dessa queda da taxa de lucro.
Depois que o contingente de empregados chegou ao mínimo necessário, ainda são realizados outros ajustes para reduzir os custos da produção até que a taxa de lucro volte a subir. Aí entram o arrocho salarial e o aumento do tempo de trabalho, que poupam despesas dos patrões com reajuste salarial e novas contratações. No setor público, o Estado, que “esqueceu” o neoliberalismo ao dar fortunas para as empresas em crise, vai precisar arranjar dinheiro para equilibrar o seu orçamento – aumentando os impostos e cortando os serviços públicos. Dentre esses serviços, os que sofrem ataques são sempre aqueles socialmente necessários, como educação, saúde e transporte (incluindo os salários e aposentadorias dos funcionários). Logicamente, não vai haver nenhum corte na polícia, no judiciário ou no parlamento. A Grécia foi o país em que estes ataques aos funcionários públicos recebeu resposta mais radical da classe trabalhadora, com exatamente sete greves gerais ao longo do ano passado.
Na França o ataque principal lançado contra os trabalhadores se deu através da proposta do governo para aumentar a idade mínima da aposentadoria de 60 para 62 anos, ao mesmo tempo em que aumentava de 65 para 67 anos a idade para receber o valor integral da pensão. Essa reforma previdenciária, amparada pelo FMI e pelas potências européias, encontrou o combate da classe trabalhadora francesa. Foram as organizações de massa da classe operária no país, acima de tudo as suas centrais sindicais, que organizaram as formas de resistência. Entretanto, menos de três meses depois da aprovação da medida na Câmara, o Senado também a aprovou. Depois disso o movimento dos trabalhadores, que durante setembro, outubro e começo de novembro esteve explosivo, caiu numa desmobilização frustrada diante da vitória da medida no campo parlamentar.
É preciso entender o porquê desta derrota drástica para a classe operária francesa. Até porque as conseqüências da crise estão longe de acabar. Elas trarão novos ataques e sem dúvida nova resistência dos trabalhadores. Se as massas não estiverem alertas para os motivos da derrota no fim de 2010, essa situação pode se repetir indefinidamente até que o governo tenha descontado até o último centavo perdido com a crise através do sofrimento do povo.

A Dinâmica do Movimento
Setores estratégicos do proletariado francês estiveram à frente da luta contra o governo, configurando-se em verdadeira vanguarda do processo. Sobretudo se destacaram os setores de transporte e energia – os trabalhadores de refinarias de óleo e terminais de distribuição de combustível estiveram em greve por todo o período. Houve também greve dos trens, metrôs e aeroportos que deixou os transportes franceses debilitados. Por causa da greve no setor de transportes, o transporte de cargas foi reduzido a 10% do ritmo normal. Como resultado disso, enorme quantidade de indústrias ficaram sem suprimentos.
Como é muito comum, grande parte da mídia burguesa denunciou a “irresponsabilidade” dessas ações (assim como defendeu a “responsabilidade” dos planos de austeridade). Mas o apoio ao movimento grevista foi maciço. Uma pesquisa feita em 23 de outubro mostrou que 69% da população estava apoiando o movimento, ou seja, os trabalhadores estavam dispostos a lutar contra o ataque frontal que foi a reforma previdenciária, apesar da inconveniência da falta de combustível e da lentidão dos transportes. Os maiores protestos ocorreram na semana antes da medida ser votada no Senado, o que ocorreu no dia 20 de outubro. No dia 19, cerca de 3,5 milhões de trabalhadores foram às ruas por todo o país. Trabalhadores jovens compuseram a maior parte dos contingentes, o que faz muito sentido, já que a extensão da idade mínima para aposentadoria diminuirá a criação de novas vagas e aumentará a taxa de desemprego. Atualmente a taxa de desemprego na faixa etária entre 20 e 25 anos na França é de 23%.
O governo conservador de Sarkozy, entretanto, não recuou. Manteve firme seu compromisso em tornar a burguesia francesa competitiva diante de seus rivais. A coalizão que levou Sarkozy ao poder estava firme em fazer passar a reforma no Congresso. Mas isso não seria o suficiente para manter a ordem. Era necessário para o governo garantir com sangue que a reforma seguisse em frente. Por isso centenas de policiais de tropas de choque foram acionados para dispersar com força bruta piquetes organizados em refinarias, depósitos e áreas industriais. Três dias após a lei passar no Senado, no dia 22 de outubro, enquanto muitas dessas manifestações radicalizadas persistiam, o governo deu carta branca para que a polícia as destruísse e restabelecesse a ordem.
Mas para entender porquê a reação foi vitoriosa, é preciso compreender as debilidades no próprio movimento dos trabalhadores. Apesar da luta de classes acirrada e explícita entre dois campos opostos, havia alguns generais no campo dos proletários colaborando com o inimigo. Afinal, se todos os operários envolvidos fossem liderados corretamente, não haveria contingente policial capaz de vencer a investida. No entanto, a estratégia dos líderes do movimento caminhava a passos largos para a derrota.

A Estratégia Derrotista dos Burocratas Sindicais
Os principais organizadores dos protestos na França foram as grandes centrais sindicais. As principais são a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), dirigida pelo Partido Comunista da França, a CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), dirigida pelo Partido Socialista, e a FO (Força Operária), com uma direção supostamente “independente”. Assim que surgiram indícios das primeiras mobilizações, as lideranças dessas e de demais centrais se reuniram num fórum, chamado Intersindical, que “organizou” as mobilizações nacionais. A Intersindical foi apoiada mesmo por inúmeros setores e partidos que se colocam à esquerda do PS e do PCF, como o Novo Partido Anticapitalista (NPA).
Acontece que a “organização” criada pelas lideranças das centrais foram oito “dias de ação”, que consistiram em protestos isolados em dias nos quais todos os grandes setores da economia entrariam em greve, mas voltariam ao trabalho no dia seguinte. Enquanto os trabalhadores de transporte e energia ficaram em greve durante quase todo o período, a maioria da classe operária só foi chamada à luta e às ruas em dias esporádicos, que não conseguiam colocar em cheque o governo Sarkozy.
A Intersindical, uma coalizão de burocratas sindicais que “armou a derrota” desde o início das mobilizações, era vista por muitos trabalhadores como sinal de união, mas foi na verdade o meio encontrado para esfaquear os operários pelas costas. Além de só organizar protestos em dias isolados, as lideranças do PS e do PCF nas grandes centrais também colocaram bem menos peso nas mobilizações após a aprovação da medida no Senado, em 19 de outubro. Não por acaso, os “dias de ação” que vieram depois (28 de outubro e 6 de novembro) marcaram uma queda no número de grevistas e nos contingentes dos protestos.
Por meses, muitos líderes sindicais insistiram que poderiam aceitar parte da reforma do governo ou uma medida paliativa em seu lugar. A liderança da CFDT reiterou diversas vezes sua disposição em aceitar negociar apenas o aumento da idade para receber o valor integral das pensões. Já a CGT disse que poderia negociar com o governo se, ao invés do aumento no tempo de trabalho, este quisesse aumentar o valor da arrecadação retirada dos salários para a previdência. Em declaração para o jornal parisiense Libération, o principal dirigente da CFDT, François Chérèque, afirmou que “Secretamente, muitos líderes da confederação não iriam ver com maus olhos um esgotamento do movimento”. Somado a isso, não é difícil ver que “dias de ação” isolados não eram suficientes. Várias iniciativas mais radicalizadas, como no setor de transportes e energia, ficaram sem apoio da massa operária e faltou um plano para integrar as lutas.
Acontece que essa estratégia dos “dias de ação”, desenhada pelas lideranças sindicais do PCF e PS, serviu precisamente aos seus próprios interesses, enquanto foi diretamente contra os interesses dos operários em luta. Por sua própria base material, os burocratas sindicais são um setor da classe operária adaptado e comprometido com a ordem capitalista. Geralmente assentados sobre as frações mais bem pagas dos trabalhadores e ainda liberados da dureza do trabalho cotidiano, estes “representantes da ordem” estão acostumados a tomar parte nas mesas de negociação dos patrões e do Estado imperialista. Os burocratas se alimentam dessa condição superior, para a qual recebem quantias superiores às de qualquer operário. Por isso mesmo não é de se espantar que não queiram, através de sua estratégia derrotista, pôr em risco a estabilidade do Estado francês, como um levante arrebatador dos trabalhadores muito bem poderia ter feito. Pelo contrário, os burocratas fazem de tudo para garantir a estabilidade do sistema, sem o qual deixariam de ser os queridinhos da burguesia e do Estado dentro do movimento operário e, com isso, seriam obrigados a abandonar seus privilégios.
Assim fica fácil entender que os burocratas a frente das centrais sindicais não estavam nem um pouco preocupados se a medida ia ou não ser aprovada. Na verdade, eles não serão afetados, não vão sofrer na pele mais dois anos de trabalho, pois tem privilégios que superam em muito os direitos tão atacados dos trabalhadores. Com a estratégia derrotista dos “dias de ação” eles não queriam combater a medida de ataque às pensões, mas garantir uma cadeira na mesa de negociação da burguesia, para que possam manter seus privilégios. E para isso usaram como barganha a mobilização honesta e heróica da classe operária. Depois da aprovação da reforma previdenciária no Senado, o momento era de colocar mais força nas mobilizações. Mas os burocratas, ao não quererem colocar em risco a legalidade burguesa do Congresso, preferiram deixar a poeira baixar enquanto são os trabalhadores que vão engolir em seco a reforma. Quando a polícia destruiu os piquetes dos trabalhadores das refinarias e do transporte público, o restante da classe não estava nas ruas para defender seus irmãos, mas com as mãos atadas graças aos burocratas.
União na luta é algo central para os revolucionários, assim como para a classe trabalhadora. A divisão da França em inúmeras centrais sindicais competidoras, inclusive, é algo ruim. É fundamental lutar para que os setores de uma mesma indústria estejam reunidos num mesmo fórum, independente de sua posição política. Ao mesmo tempo, a união de lideranças sindicais para promover uma estratégia de sabotagem consciente ao movimento, como foi a Intersindical, deveria ser combatida. No seu lugar deveria ter sido levantada uma proposta que pudesse levar os trabalhadores até a vitória contra a medida do governo francês.
Nessa situação, um partido revolucionário participaria dos “dias de ação” e, ao mesmo tempo tentaria organizar uma greve geral por tempo indeterminado para derrotar o governo. Junto com isso buscaria formar comitês de operários nos locais de trabalho para tomar decisões e agir independente do Congresso e dos compromissos dos burocratas com o governo. Ainda que começasse pequena, tal iniciativa poderia se multiplicar ao longo de um processo de luta. Mas nenhum dos partidos de esquerda da França com os recursos para cumprir tal tarefa trilhou esse caminho. Todos preferiram ficar presos às estratégias estabelecidas pela Intersindical e agir como uma “ala esquerda” dos burocratas, não um pólo opositor ao seu plano de derrota anunciada. Só é possível derrotar o governo Sarkozy superando os burocratas e reformistas comprometidos com a estabilidade da economia capitalista.

O Velho Truque da Frente Popular
O projeto político da burocracia sindical entrincheirada na direção das grandes centrais não se limitou à simples desmobilização da classe operária. Os seus principais partidos se caracterizam pelo seu reformismo – a garantia de que não vão levar as lutas para além dos limites do capitalismo. Exatamente por isso buscam canalizar as lutas populares para a via das eleições burguesas. Tanto o PCF quanto o PS reconhecem que seu foco é enfraquecer a popularidade do governo Sarkozy, e não fazer o que for necessário para derrotar seu plano de ataque às aposentadorias. Enquanto os manifestantes estavam recebendo porrada da polícia, muito provavelmente os líderes dos do PS e do PCF estavam de olho nas próximas eleições presidenciais de 2012, pensando em como tirar vantagem da ira popular para ter benefícios eleitorais.
Obviamente essa perda de popularidade de Sarkozy daria aos burocratas sindicais e seus partidos ótimas perspectivas na disputa pela presidência nas próximas eleições. O PS e o PCF são campeões históricos das frentes populares (governos que conciliam setores reformistas da classe trabalhadora e partidos da burguesia). Depois dessa onda de greves, os trabalhadores estão claramente irados com Sarkozy. Uma pesquisa mostrou que 70% da população reprova seu governo. Mas para que sentido essa raiva popular será direcionada? Existe o grande perigo de que os partidos reformistas façam dela a base de apoio para eleger um governo de frente popular, nos quais os partidos da esquerda reformista administram os negócios do Estado burguês.
De fato, sabotar as lutas nas ruas para que sejam derrotadas e depois direcionar os descontentes para o pântano da política parlamentar é o objetivo por trás dos partidos reformistas. Estes servem como instrumento dos inimigos da classe trabalhadora, quando eles não sentem confiança em colocar seus representantes descarados (como Sarkozy) à frente do Estado. Então colocam os partidos reformistas para administrarem seus negócios e criarem a aparência de um “governo dos trabalhadores”, enquanto tal governo não muda em nada a estrutura de exploração da sociedade. A política parlamentar não é um campo possível para levar a luta dos trabalhadores para a vitória. A própria aprovação do aumento do tempo de trabalho pelas duas casas do “democrático” Congresso burguês, enquanto os trabalhadores gritavam em agonia contra a medida, demonstra isso.
Talvez o Partido Socialista seja a face mais explícita dessa incapacidade de um governo de frente popular para resolver os problemas da classe operária. O principal concorrente para ser nomeado candidato do PS nas próximas eleições presidenciais é Dominique Strauss-Kahn, que hoje é presidente do Fundo Monetário Internacional. Mas o FMI apoiou desde o princípio a reforma previdenciária do governo francês. O compromisso dos partidos reformistas é com a manutenção da sociedade burguesa, seja qual for o custo. O Estado capitalista, seja administrado por partidos de direita ou esquerda, serve ao interesse da burguesia e age contra os trabalhadores e oprimidos. Além disso, uma frente popular faz muitas vezes com que os trabalhadores engulam medidas que encontrariam resistência caso um governo burguês comum estivesse no cargo.
Não é preciso ir muito longe para perceber isso. Ao longo dos seus 8 anos, o governo de Lula/PT conseguiu façanhas para a burguesia brasileira – tanto é assim que os empresários recompensaram os bons serviços prestados pelo PT apoiando com muito dinheiro a eleição de Dilma. Só para dar um exemplo que dialoga com o caso francês, o governo Lula conseguiu aprovar em seu primeiro ano uma reforma previdenciária que faz os brasileiros trabalharem 5 anos a mais do que antes. O governo anterior tinha tentado por duas vezes aprovar tal medida, mas havia encontrado enorme resistência popular, inclusive das centrais sindicais. Ainda assim, os líderes da CUT insistem que o governo Lula é um “governo dos trabalhadores”.
É por esse motivo que os revolucionários devem se opor a estes blocos, que prendem os trabalhadores dirigidos pelos reformistas aos seus inimigos de classe. Historicamente as frentes populares francesas serviram para desmobilizar as lutas, incluindo muitas situações pré-revolucionárias, como em 1936, 1945 e 1968, e fazer uma etapa preparatória para que os trabalhadores fossem, logo em seguida, esmagados por algum representante mais direto da burguesia.
Os governos de frente popular geralmente não retomam da burguesia o que ela tirou durante um governo de direita – afinal, seu papel é simplesmente apagar o fogo da classe trabalhadora. Depois de chegar ao governo, Lula não desfez as privatizações das quais ele tanto reclamou durante os anos 90. Pelo contrário, avançou nas privatizações de muitos setores, como o Pré-Sal e os bancos estaduais federalizados. Somente a luta radicalizada faz com que esses traidores da classe sejam forçados a tomar medidas que tragam algum benefício aos proletários. E quando o fazem, os reformistas tentam com isso comprar os trabalhadores, nunca melhorar suas condições de vida.

NPA: Franja dos Reformistas e Oportunidade Tática
Se os maiores partidos reformistas estavam preocupados não em derrotar o governo, mas sim nas eleições presidenciais, o NPA não ficou para trás. O principal dirigente do partido, Olivier Besancenot, declarou em agosto de 2010 que “Muito do resultado de 2012 está em jogo na luta pelas pensões. É agora que nós devemos enfraquecer o governo e a direita”. O Novo Partido Anticapitalista foi fundado em 2009 a partir da iniciativa da antiga Liga Comunista Revolucionária (LCR), seção francesa do Secretariado Unificado da Quarta Internacional, corrente que já havia abandonado há muito tempo qualquer semelhança prática com o bolchevismo. Mas ao fundar o NPA, a LCR renunciou abertamente a qualquer perspectiva de criar um partido leninista. Ela se dissolveu num partido sem programa definido, onde as mais diversas tendências poderiam expor e praticar sua linha sem compromisso com o restante do partido, em clara oposição ao centralismo-democrático bolchevique.
O NPA chamou a atenção da esquerda em toda a Europa ao protagonizar os protestos radicalizados ocorridos em maio de 2009, inclusive participando em alguns dos atos em que os trabalhadores prenderam os patrões nas fábricas até que houvesse revogação das demissões anunciadas no período. Ao mesmo tempo, o NPA sempre deixou claro seu foco em ser uma força eleitoral. Nos princípios fundacionais do NPA está declarada de maneira politicamente correta a sua vontade em participar de um governo burguês: “Nós vamos contribuir para a sua implementação [de medidas progressivas] se os eleitores nos derem tal responsabilidade”.
Ainda que o NPA não participe da frente popular que os peixes grandes do reformismo estão armando para 2012, ele com certeza será cúmplice dessa manobra para iludir os trabalhadores. Afinal, a LCR nunca teve pudor em votar pelo “menos pior” do capitalismo, se esquecendo que o “menos pior” é uma manobra para ganhar tempo enquanto a burguesia recupera suas forças ou para passar medidas que um governo de direita não conseguiria. A LCR votou por décadas em coalizões de frente popular encabeçadas pelo PS (de François Mitterand em 1981 a Ségolène Royal em 2007). Assim, o NPA não terá problemas em votar por um candidato do PS, inclusive se for Dominique Strauss-Kahn, e contribuir para a enganação que é a frente popular. Ao menos dessa forma o NPA é consistente com os objetivos da LCR, que apesar de ter sido dissolvida ainda é a essência do novo partido. Uma frase para resumir a esses objetivos – reformar o capitalismo. Mas o NPA tenta reformar o irreformável, um sistema baseado na exploração dos trabalhadores, opressão aos imigrantes e guerra imperialista.
Apesar do seu compromisso com o reformismo, o NPA tem atraído grandes setores radicalizados dos trabalhadores e da juventude na França. A participação dele em alguns eventos radicalizados (não por sua iniciativa) em 2009 e suas posições à esquerda do PCF tem atraído militantes com aspirações revolucionárias, muito mais avançados que a própria direção do partido. Nos atos de 2009, o NPA não deixou de demonstrar o seu papel traidor e sua vacilação, ao diminuir sua atividade junto com o “calendário oficial” da direção da CGT e demais centrais. No entanto, muitos militantes subjetivamente revolucionários tem se juntado ao NPA, que possui inúmeras tendências com discursos revolucionários.
O NPA está repleto de militantes evoluindo para a esquerda, que uma hora vão se chocar com a direção do partido, que move a passos largos para a direita. Além disso, sua frouxa base de unidade permite que qualquer tendência de esquerda faça parte dele e tenha acesso a essa camada de militantes. Os diversos fatores da equação indicam que seria uma excelente tática para um pequeno núcleo revolucionário adentrar o NPA como uma tendência. Isso permitiria estar frequentemente em unidade de ação com os setores radicais que o partido ainda está atraindo. Isso não muda o fato de que esse “entrismo” nas colunas do NPA é uma tática – permaneceria a tarefa dos revolucionários denunciar as traições da direção do partido. Somado a isso, um núcleo revolucionário dentro do NPA deveria buscar clareza ideológica com as várias correntes centristas no seu interior, muitas das quais deixam de denunciar a direção apenas por fazer parte dele e passam a valorizar a “unidade”. Algo muito parecido ocorre com as inúmeras correntes centristas que estão hoje dentro do PSOL, adaptadas a ser sua “ala esquerda” enquanto colocam enorme esforço em manter o partido unido.
Os revolucionários só entram em partidos reformistas como uma tática e não valorizam unidade com aqueles líderes que são os maiores traidores dos operários. Ao mesmo tempo, é necessário aproveitar a oportunidade aberta para ganhar vários militantes inconscientes da incapacidade do NPA de oferecer uma alternativa revolucionária. Diferente daqueles que prezam pela unidade, seria preciso adentrar o partido com o objetivo de causar um racha de esquerda nele, arrancando do seu interior o maior número possível de militantes revolucionários para construir uma corrente genuinamente trotskista na França.
Ao mesmo tempo em que deveria ter habilidade de encontrar o momento certo de realizar tal racha, um núcleo revolucionário infiltrado no NPA deve ter clareza de que entrar em partidos reformistas não é um princípio, mas uma tática localizada num período histórico determinado e, portanto, limitada. Esse “giro francês” (como foi feito pelos trotskistas franceses da Liga Comunista dentro do PS em 1934) no NPA é uma sugestão simplesmente pelas características recentes da formação do novo partido, que não ocorrem em geral na esquerda reformista. Assim, esse entrismo seria apenas um passo, não uma regra, para o objetivo de construir um partido revolucionário na França, capaz de passar por cima das cabeças dos reformistas e colocar o Estado capitalista contra a parede.

Partido, Programa e Defensiva Histórica
É necessário desde já trabalhar para construir um partido revolucionário de trabalhadores na França. Esse partido deve participar das grandes centrais sindicais, sobretudo a CGT e a CFDT, para desmascarar as suas atuais lideranças oportunistas e que colaboram com os patrões e com o governo. Simbolicamente, o NPA recentemente negou boatos de que estivesse trabalhando para construir uma fração sindical na CGT, dirigida do Partido Comunista Francês. Somente rompendo o corporativismo sindical é possível romper também as correntes com as quais os reformistas arrastam os trabalhadores para a derrota.
Contra os reformistas que negam a necessidade de violar as decisões do Congresso e a ordem capitalista, os revolucionários devem lutar para criar um partido que aponte com uma estratégia combativa a necessidade da revolução socialista. Esse partido agirá diferente dos centristas que aceitam as formulações e estratégias dos reformistas e as pintam de vermelho e dos eleitoreiros que se preocupam em ganhar espaço num campo essencialmente burguês, não em lutar pelas necessidades históricas dos trabalhadores e oprimidos. Uma organização revolucionária deve participar do movimento mostrando que se o capitalismo não é capaz de resolver os problemas que ele próprio criou em seu funcionamento anárquico, então deve ser destruído. Para isso é necessário ligar a atual baixa consciência dos operários com a necessidade da revolução proletária, precondição para a solução dos principais problemas da classe proletária.
Essa tarefa só pode ser cumprida agitando um programa transitório para a questão dos empregos e da previdência. Isso é feito apontando necessidades que a primeiro plano parecem mínimas, mas que se chocam com os limites impostos pelo sistema capitalista para explorar os trabalhadores e alguns setores em especial. Exatamente por não ser capaz de resolver os problemas essenciais da classe, o capitalismo deve ser exposto diante dos olhos dos proletários enquanto eles lutam por soluções verdadeiras para esses problemas.
Um partido revolucionário deve dar prioridade em mobilizar as frações mais oprimidas dos trabalhadores de um país, que historicamente são as mais dispostas às lutas nos momentos decisivos. Na França, esses setores são todas as mulheres, os muçulmanos e os imigrantes, que também são aqueles grupos com menores salários e menos direitos na sociedade. Os revolucionários têm a obrigação de defendê-los contra a super-exploração, ou seja, lutar por direitos trabalhistas e salários iguais nivelados pelo mais alto entre empregados temporários ou fixos, franceses ou imigrantes, homens ou mulheres, independente de opção religiosa.
A proposta de uma greve geral por tempo indeterminando não pode ser transformada em mais uma manobra nas mãos dos burocratas para enfraquecer o governo e colocar uma frente popular no poder. Exatamente por isso, ao levantar a bandeira organizativa da greve geral, não podem faltar bandeiras políticas que avancem a consciência dos trabalhadores. Essa é a função de um programa transitório. Para derrotar o ataque do governo Sarkozy, é preciso estimular uma resposta revolucionária ao desemprego que atinge principalmente os jovens e os imigrantes. Redução progressiva do tempo de trabalho para se aposentar – sem redução dos salários nem das pensões – com o objetivo de abrir novos postos até acabar com o desemprego! Hoje muitas mulheres só conseguem trabalhos de meio período, por estarem submetidas ao trabalho doméstico. Mudar essa realidade só será possível quando houver creches, lavanderias e restaurantes públicos gratuitos abertos todos os dias 24 horas!
O Congresso francês também têm estigmatizado imigrantes muçulmanos do norte da África e a minoria muçulmana da França. Uma das medidas para fazer isso foi proibir o uso da burca (véu que cobre o corpo inteiro) em público. O uso da burca, por esconder o corpo da mulher, é frequentemente interpretado como machismo. Mas ao mesmo tempo, é considerado por muitas mulheres muçulmanas um símbolo da sua identidade. Por isso, quem deve decidir sobre o uso da burca são as próprias mulheres, sem nenhuma intervenção do Estado francês. Recentemente, Sarkozy também expulsou do país mais de mil trabalhadores búlgaros e romenos de origem cigana sob a acusação de participação no crime organizado.
Essas questões são ainda mais importantes por causa do nacionalismo nojento que existe no movimento sindical. Geralmente os burocratas espalham entre os trabalhadores que “se tem de haver cortes e demissões, é melhor que os atingidos sejam os imigrantes”. Contra a burocracia sindical que é nacionalista por sua própria natureza, os revolucionários levantam a bandeira do internacionalismo e da igualdade de direitos entre os trabalhadores de todos os povos. Os imigrantes e muçulmanos só poderão ter empregos dignos quando não houver mais risco de deportações, prisões e preconceito. É por isso que também é preciso que todos os trabalhadores lutem nos sindicatos por cidadania plena e imediata para os imigrantes! Abaixo o preconceito religioso – usar a burca é um direito e uma decisão individual! Dessa forma é possível combater de frente a política racista do governo francês.
Sabemos que o momento é de defensiva histórica. As últimas três décadas foram de muitas derrotas para os trabalhadores. Uma das mais sérias foi a destruição dos Estados operários deformados na URSS e no Leste Europeu. A ofensiva imperialista nesse período levou guerra e destruição, desemprego e miséria a muitos trabalhadores pelo mundo. Além disso, desmobilizou muitas organizações que reivindicavam o comunismo revolucionário e deixou a vanguarda proletária isolada, sem repercussão e à beira da míngua. Direitos trabalhistas foram removidos como nunca antes. Houve um verdadeiro desmonte das conquistas conseguidas pelo movimento operário na Europa nas décadas de 50 e 60. Mas as contradições do capitalismo e as crises inevitáveis que ele gera tratam de mudar essa situação, como um veneno que produz o antídoto.
Se a correlação de forças tem sido contrária à classe trabalhadora, a reação aos efeitos da crise pode ser uma oportunidade de mudar essa maré. O ano de 2010 foi agitado por intensa luta de classes na Europa. Que esses ventos soprem para todos os continentes. Apenas no momento em que os trabalhadores passarem da defensiva para a ofensiva é que vitórias reais (mesmo a defesa de direitos ameaçados) poderão ser alcançadas. Da mesma forma, apenas num momento de ofensiva é possível unir e consolidar um número comprometido de revolucionários e construir um partido. Mas desde já, os primeiros núcleos revolucionários, marcados por um período de derrotas, precisam manter o vivo o programa e trabalhar para que, quando surgir a oportunidade, eles estejam prontos para dar um passo significativo nessa direção.
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