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Somos uma organização marxista revolucionária. Procuramos intervir nas lutas de classes com um programa anticapitalista, com o objetivo de criar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, a seção brasileira de uma nova Internacional Revolucionária. Só com um partido revolucionário, composto em sua maioria por mulheres e negros, é possível lutar pelo governo direto dos trabalhadores, como forma de abrir caminho até o socialismo.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Tragédia do Lambertismo

Artigo da nossa revista Revolução Permanente


A Tragédia do Lambertismo

A Crise da Corrente O Trabalho
A corrente O Trabalho (OT), tendência interna do Partido dos Trabalhadores, vive em crise desde o começo do Governo Lula. O motivo principal é a dificuldade de conciliar um discurso trotskista com uma política de eternas exigências ao PT, supondo que este possa romper com a burguesia com a qual chegou ao poder. Essa política impede até a realização das reivindicações simples dos trabalhadores.
A crise de O Trabalho se ampliou ainda mais com o racha da atual Esquerda Marxista (EM), vinculada internacionalmente ao Comitê por uma Internacional Marxista (CMI). Quando o racha aconteceu, parecia ter sido à esquerda, até porque a EM acenou a possibilidade de sair do PT. Logo depois, se viu que isso não ia acontecer, em grande parte porque o CMI tem como estratégia habitar partidos socialdemocratas de massa. A seção inglesa do CMI, por exemplo, está dentro do Partido Trabalhista britânico há mais de 50 anos!
A verdadeira causa da ruptura da EM foi o chavismo: um setor da direção de OT passou a considerar que o governo Hugo Chávez poderia ser pressionado até expropriar a burguesia e transformar a Venezuela em um Estado Operário. Por isso esse setor de OT se aproximou do CMI, que é a corrente que mais capitula ao chavismo no mundo, com o seu maior dirigente, Allan Woods, dando conselhos a Chávez e se tornando seu “instrutor particular” de teoria trotskista.
Também contribuiu muito para essa situação a corrupção econômica dos dirigentes das fábricas ocupadas onde OT militava na época, especialmente Serge Goulart. Eles conseguiram um acordo comercial em que o governo da Venezuela compraria toda a sua produção. “Por coincidência”, esses dirigentes logo abandonaram a correta política de OT de ser contra o Mercosul, no momento em que Chávez tentava entrar no bloco controlado pelo capitalismo brasileiro. Depois disso, muitos militantes da Esquerda Marxista estão voltando para OT, enquanto outros até pararam de militar.
Muitos dos militantes do movimento operário que têm a mais forte identidade trotskista estão sendo destruídos por essa crise. Isso é trágico porque o lambertismo (apelido da corrente internacional de que OT faz parte, que se refere ao dirigente histórico Pierre Lambert) foi uma corrente que resistiu ao processo de degeneração política da Quarta Internacional (assim como a tradição que reivindicamos, o espartaquismo, na época representado pela Liga Espartaquista dos Estados Unidos). Os lambertistas foram os primeiros a lutar contra a destruição da Quarta Internacional pela política capituladora de Michel Pablo. Por isso, é preciso estudar as causas da degeneração do lambertismo para saber qual herança devemos superar na luta para construir um partido revolucionário.

O Lambertismo Nasceu de uma Quarta Internacional em Crise
A origem da tradição política de O Trabalho remonta ao fim da Segunda Guerra mundial. Em 1944, os grupos trotskistas franceses se reunificaram, com exceção do grupo do dirigente Barta, que mais tarde se tornaria o Lutte Ouvrière. Assim, depois de uma década de desvios e rachas, foi criada uma seção unificada da Quarta Internacional no país, voltada para o trabalho na classe operária, o Partido Comunista Internacionalista. Um dos dirigentes do PCI era o jovem eletricista Pierre Boussel, que usava o pseudônimo de Pierre Lambert.
Trotsky tinha previsto, nos seus últimos escritos, que a destruição provocada pela Segunda Guerra empurraria os trabalhadores para a revolução, e que isso acabaria com o stalinismo, tanto na URSS como nos países imperialistas. Como todos sabem, essa previsão estava errada – os movimentos de resistência contra o fascismo foram dirigidos pelos partidos stalinistas, que depois os conduziram a restaurar os Estados burgueses em países como França, Itália e Grécia.
Somado a isso, a grande maioria dos militantes da Quarta Internacional na Europa foi assassinada durante a guerra ou pouco antes do seu início, tanto pelos fascistas como pelos stalinistas. Foi o caso dos dirigentes Leon Sedov, Rudolf Klement e Abraham Leon. Ou seja, a Quarta Internacional na Europa estava acéfala e quase destruída. Os novos dirigentes (Pablo, Mandel, Lambert, Healy, Grant) que substituíram a antiga geração, estava na faixa dos 20 anos, totalmente inexperientes, e as orientações erradas de Trotsky os tinham deixado mais perdidos no pós-guerra do que cego em tiroteio.
Diante dos novos acontecimentos, os dirigentes da Quarta Internacional se refugiaram no dogmatismo para evitar que, ao negar alguns prognósticos de Trotsky, acabassem negando também o programa revolucionário. Esse apego ao dogmatismo é bem descrito no texto Gênese do Pablismo, da Liga Espartaquista (traduzido na revista Revolução Permanente número 4, disponível em nosso site). Como esse dogmatismo afetou o PCI?
Em primeiro lugar, o partido se apegou a teses de Trotsky que haviam sido completamente desmentidas pela realidade. Uma delas é a famosa tese da abertura do Programa de Transição (mas que Trotsky defendia desde 1918, no III Congresso da Internacional Comunista, contra a posição de Lênin) segundo a qual “as forças produtivas pararam de se desenvolver na época imperialista”. Como essa tese na verdade é a base teórica que justifica toda a política atual do lambertismo, vamos gastar mais tempo na sua análise.
É importante desmentir essa tese porque ela também é defendida por todas as correntes do morenismo (são defendidas por Moreno nas Teses sobre a Atualização do Programa de Transição, escritas junto com Lambert), pela LER-QI (Liga Estratégia Revolucionária), que faz exceção para o período entre 1945-75, e pela LQB (Liga Quarta-Internacionalista do Brasil), como seus militantes nos falaram durante as nossas discussões.

A Tese da Estagnação das Forças Produtivas
De acordo com O Capital, o que mede o desenvolvimento das forças produtivas é a produtividade do trabalho – ou seja, quanto cada trabalhador pode produzir fisicamente na indústria. O capitalismo não pode existir sem desenvolver constantemente as forças produtivas, como já é declarado no Manifesto Comunista, além do papel desse desenvolvimento na acumulação do capital ser exaustivamente analisado no capítulo 23 do Livro I de O Capital.
Os lambertistas argumentam que isso foi válido na ascensão do capitalismo, mas que parou de acontecer com o começo da era imperialista. Vamos fazer só uma citação, que liga diretamente o desenvolvimento das forças produtivas com as crises, mostrando assim que, se as forças produtivas estivessem estagnadas, nem mesmo as crises poderiam acontecer, porque a produção acabaria se adequando à demanda.
“As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito.”
“Em termos bem genéricos, a antinomia consiste no seguinte: o modo capitalista de produção tende a desenvolver de maneira absoluta as forças produtivas, independentemente do valor, da mais-valia nele incluída, e das condições sociais nas quais se efetua a produção capitalista, ao mesmo tempo que tem por finalidade manter o valor-capital existente e expandi-lo ao máximo (isto é, acelerar sempre o acréscimo desse valor).” (O Capital, Livro III, capítulo 15, parte 2) .
Se as forças produtivas no capitalismo não se desenvolvessem mais, então o nível capitalista de produção se adequaria à procura existente, sem levar à superprodução que causa as crises econômicas. As crises são causadas justamente pela expansão anárquica (sem nenhuma relação com as condições sociais) das forças produtivas. Para desmentir essa tese, a segunda equação de Marx nos mostra que:

l' = m/c+v

A taxa de lucro l' é resultado da divisão (qu e representa uma relação proporcional) da mais-valia pela soma do capital constante e do capital variável. Em outras palavras, o custo das máquinas e das matérias-primas (capital constante) é um fator que pode diminuir ou aumentar a taxa de lucro. Assim, a taxa de lucro não precisa necessariamente, para aumentar, rebaixar diretamente os salários (capital variável). Ela pode aumentar através da baixa do valor do capital constante – o que acontece por causa do desenvolvimento tecnológico, que aumenta a produtividade das máquinas e reduz o custo da exploração de matérias-primas.
Se as forças produtivas e a tecnologia tivessem parado de se desenvolver, seria impossível aumentar os salários sem rebaixar diretamente a taxa de lucros. Na realidade, o aumento de salários não põe em risco o a taxa de lucro porque ela é mais que compensada com a intensificação do trabalho, facilitada pela automatização parcial da produção.
Caso a tese da estagnação fosse correta, levaria a uma situação social em que cada luta, mesmo que por um aumento salarial, teria que ser derrotada violentamente pelos empresários, ou em que cada aumento do lucro iria piorar diretamente o nível de vida dos trabalhadores. Ou seja, eles não teriam outra opção para fugir da miséria absoluta além da luta revolucionária.
Para argumentar contra toda a realidade, os lambertistas dizem que a maior força produtiva, o ser humano, parou de se desenvolver por causa do capitalismo. Em primeiro lugar, não existe dentro da economia algo como “ser humano”. Do ponto de vista do capitalismo, os trabalhadores são força de trabalho e nada mais. A força de trabalho está, na verdade, se tornando mais produtiva – ela vive hoje mais tempo, tem menos doenças, é mais alfabetizada e tem muito mais conhecimento técnico do que na época de Trotsky.
Mesmo que a condição de vida dos trabalhadores tivesse piorado no mundo inteiro nos últimos 70 anos, isso não mudaria o fato de que as forças produtivas se expandiram. Se cada trabalhador, por pior que vivesse, estivesse produzindo mais, as forças produtivas ainda estariam se desenvolvendo!
Para dar um exemplo, segundo a visão dos lambertistas, o primeiro período da Revolução Industrial (1760-1825) teria significado um atraso colossal das forças produtivas porque, segundo o próprio Marx, em O Capital, houve um retrocesso absurdo nas condições de vida da classe trabalhadora. No entanto, a etapa representou um aumento significativo das forças da produção capitalistas na Europa.
A tese sobre a estagnação das forças produtivas, que parece ortodoxa, pode ser usada para levar a resultados oportunistas. De acordo com a argumentação lambertista, se cada reivindicação por aumento de salários pode colocar todo o sistema em risco, então não há necessidade do programa transitório: as próprias lutas por reformas já cumpririam esse papel. Obviamente, essa não era a concepção do próprio Trotsky, senão não haveria nem mesmo porque existir um programa de transição para o socialismo.
É impossível levar os trabalhadores a posições revolucionárias apenas lutando por reformas ou reivindicações democráticas, simplesmente porque o capitalismo não consegue sequer resolver algumas delas. É justamente pela incapacidade do capitalismo de garantir algumas reformas e reivindicações democráticas que só pondo fim a esse sistema, levantando a necessidade da luta pelo poder operário as conquistas mais básicas podem ser alcançadas de maneira definitiva.
Sempre que a necessidade da luta pelo poder não é colocada, mas ocorre apenas por reformas, as massas são mais cedo ou mais tarde desmobilizadas e ficam presas num beco sem saída. Isso leva à frustração de suas lutas e, futuramente, mesmo à perda das conquistas. A idéia de que a luta por reformas pode levar à revolução pela “objetividade revolucionária” das massas faz parte dos conceitos básicos do pablismo, como discutiremos a seguir.

O Trabalho e a Crise da Quarta Internacional
O pablismo foi o programa político que a Quarta Internacional adotou após o seu Terceiro Congresso em 1951, tendo como principal formulador o dirigente Michel Pablo. O pablismo surgiu sob a pressão do crescimento do nacionalismo (no mundo colonial) e principalmente do stalinismo no movimento operário, enquanto a Quarta permanecia um setor isolado e pequeno.
Vendo a expropriação da burguesia realizada por movimentos liderados pelos stalinistas fora de suas pretensões originais (como foi a Revolução Chinesa e a Revolução Iugoslava), Pablo formulou uma teoria centrista na qual os nacionalistas e principalmente os stalinistas seriam capazes de liderar a classe trabalhadora até a revolução.
Obviamente isso só era possível “ignorando” todas as vezes em que os stalinistas haviam traído a classe e levado à reconstrução do capitalismo, mesmo depois de os trabalhadores terem esmagado o Estado, como foi o caso muito mais comum no pós-guerra. Se o stalinismo não traísse as lutas operárias, não haveria razão para a existência da Quarta Internacional. Essa foi exatamente a conclusão política de Pablo, que passou a defender que os trotskistas se tornassem um grupo de pressão sobre os stalinistas, somado ao resto da massa, para empurrá-los até a revolução.
O efeito disso nas posições políticas era deixar de denunciar as traições dos stalinistas e se adequar às suas demandas reformistas (negando a necessidade de colocar à frente demandas transitórias). Os pablistas acreditavam que as demandas democráticas ou reformas, por serem levadas a frente pelos stalinistas, seriam suficiente para chegar a uma situação revolucionária. Para Pablo, era a “objetividade revolucionária” (ou seja, inconsciente) da classe operária (e não a luta subjetiva, por consciência revolucionária) que seria o fator principal para a revolução.
O pablismo fez da Quarta Internacional um bloco de pressão sobre os stalinistas, uma organização que esperava passivamente que as palavras de ordem do stalinismo (criadas para trair as situações revolucionárias) fossem liderar as massas até a vitória. O resultado disso é que a Quarta Internacional, como foi criada em 1938, hoje já não existe mais. Ela foi destruída por essa política centrista.
Os pablistas não denunciavam as traições dos stalinistas e nacionalistas, pois não tinham o objetivo de desmoralizar eles diante da classe, mas de empurrar esses partidos para a esquerda, ou seja, “convence-los” de uma política revolucionária. Pablo também propôs que várias correntes da Quarta se dissolvessem nos partidos stalinistas sem nenhuma crítica (política que foi chamada de “entrismo sui generis”). Em outras palavras, os pablistas queriam se adaptar, e não resolver, a crise de direção revolucionária. Como dissemos, houve setores da Quarta Internacional que resistiram de maneira revolucionária a esse processo degenerativo, como foi o caso do PCI dos lambertistas, expulso pelo Secretariado Internacional pablista em 1951.
Entretanto, analisando as posições da corrente O Trabalho hoje, vemos nela um ideal muito parecido com aquele dos pablistas, só que direcionado à tendência majoritária do Partido dos Trabalhadores – a Articulação Sindical. Durante o segundo turno das últimas eleições, OT enviou uma carta reafirmando seu compromisso em votar em Dilma e ao mesmo tempo sugere que o PT se afirme como “representante dos oprimidos”.
“Os trabalhadores querem derrotar Serra e enterrar de vez a política pró-imperialista. Chegou a hora do PT se reafirmar como o partido que representa a maioria oprimida da nação! Se hoje no segundo turno os petistas vêem dificuldades, nós, da Corrente O Trabalho, queremos ajudar a buscar a saída.” (Carta da Corrente O Trabalho do Partido dos Trabalhadores, 19 de outubro de 2010).
Na mesma carta é citada a intervenção do principal dirigente de OT, Markus Sokol, na reunião da Comissão Executiva do PT, em que ele propõe que o PT dê aos trabalhadores um “projeto de futuro”. OT sugere, inclusive, que o partido abra o tempo de campanha na televisão para que organizações operárias combatam Serra. Pouco depois, O Trabalho pede que Dilma, quando eleita, retire as tropas de ocupação brasileiras do Haiti. Essa é a política de exigências ao PT à qual nos referimos no começo desse artigo.
OT parece imaginar que o PT, associado à burguesia nacional e estrangeira através de um governo burguês, possa simplesmente abandonar seu programa traidor (e seus dirigentes as condições materiais que possuem) e deixar de participar das reuniões do clube da burguesia. A “estratégia” de OT é tentar fazer pressão sobre a direção majoritária do PT, apesar de suas claras traições, para romper com a burguesia e transformar o Brasil em Estado operário. Isso nada tem a ver com uma estratégia revolucionária. É, na verdade, esperar que uma liderança burocrata traidora e aburguesada seja consequente com os interesses da classe – o que jamais irá acontecer!
De fato, a presença de OT no PT até hoje não tem o objetivo, como eles afirmam, de “estar onde estão os trabalhadores”. As correntes que querem disputar os trabalhadores de base, influenciados pelo PT, para um programa trotskista, devem estar presentes em unidade de ação com o PT, na CUT e demais fóruns onde ocorrem lutas. Dentro do PT, O Trabalho simplesmente tenta fazer pressão na Articulação, se adaptando à crise de direção.
Alguma semelhança com os pablistas? Assim como eles, O Trabalho não faz críticas diretas à Articulação, pois seu objetivo não é desmascarar essa liderança diante dos trabalhadores, mas “ajudar” ela a chegar em conclusões revolucionárias. Na verdade, OT acredita que basta forçar a Articulação a lutar por reformas, já que (de acordo com a tese da estagnação das forças produtivas) isso vai levar o PT a expropriar a burguesia. Essa é a tragédia do lambertismo – uma corrente que se tornou justamente aquilo que tinha se proposto a combater!
Como mostramos, a tese da estagnação das forças produtivas é uma justificativa para conclusões centristas. No entanto, ela por si só não leva a tais conclusões (Trotsky é um exemplo disso). É como se os lambertistas tivessem juntado a fome com a vontade de comer, ou seja, tivessem mantido dogmaticamente uma tese que justifica a sua tendência ao centrismo. Para entender a origem dessa tendência, é preciso analisar as pressões que sofreu e o desenvolvimento histórico da corrente lambertista, o que nós faremos após analisar duas características importantes das correntes lambertistas – a stalinofobia e o obreirismo.

Stalinofobia
Uma segunda consequência da incapacidade do PCI francês de superar os problemas da Quarta Internacional, dessa vez um problema surgido no pós-guerra, é a sua stalinofobia. A stalinofobia é uma negação implícita do caráter dual da burocracia soviética e um preconceito contra a composição operária dos partidos stalinistas.
Segundo Trotsky escreveu em A Revolução Traída, a burocracia stalinista na URSS era uma casta com um caráter dual. Por um lado, ela era uma camada privilegiada que se aproveitava das conquistas da revolução, e que acabaria destruindo elas para se tornar uma nova burguesia (como aconteceu entre 1989-1991). Mas, por outro lado, ela se baseava na planificação econômica criada pela revolução e, portanto, tinha que defender (com métodos burocráticos) a economia planificada, como um parasita que defende o organismo de que se nutre.
Diante do prestígio do stalinismo após a derrota de Hitler, e da expropriação da burguesia nos países do Leste Europeu, alguns trotskistas poderiam pensar que a burocracia tinha ainda um papel revolucionário a desempenhar se empurrada para a esquerda. Na verdade, essa é a tese fundamental do pablismo, como vimos há pouco. Ao negar corretamente qualquer caráter revolucionário no stalinismo, o PCI (assim como outros setores da Quarta Internacional) começou a considerar a burocracia como uma camada “completamente contra-revolucionária”. Qual é o significado dessa concepção?
Ela fez os lambertistas colocarem um sinal de igual entre os dois lados nos conflitos entre a burocracia soviética e o imperialismo, apesar de considerarem a URSS Estado Operário. A noção de que a burocracia não tem nada a perder junto com os Estados operários burocratizados impediu os lambertistas de entenderem a pressão imperialista contra esses países. Para eles, a Guerra Fria foi uma espécie de “armação”, onde não havia nada em jogo. Segundo os lambertistas, o imperialismo não tinha interesse em destruir a URSS stalinista e recuperar ela para economia de mercado. A história já mostrou se eles estavam certos ou não.
Além do mais, essa incompreensão do caráter dual da burocracia os levará com certeza a uma política errada agora, quando Cuba, e principalmente a Coréia do Norte, estão sob ameaça direta do imperialismo dos EUA (até mesmo ameaça de guerra, no caso da Coréia). Outra consequência é que, por causa dessa caracterização, é impossível para os lambertistas entenderem que uma ala da burocracia pode lutar contra a restauração imediata do capitalismo (que destruiria seus privilégios). Num caso assim, a política trotskista seria a frente única com essa ala contra a restauração capitalista. Segundo o Programa de Transição:
“Se amanhã a tendência burguesa-fascista, isto é, ‘fração Butenko’, entra em luta pela conquista do poder, a ‘fração Reiss’ tomará, inevitavelmente, lugar no outro lado da barricada. Encontrando-se momentaneamente como aliada de Stálin, ela defenderá, é claro, não a camarilha bonapartista deste, mas as bases sociais da URSS, isto é, a propriedade arrancada dos capitalistas e estatizada. Se a ‘fração Butenko’ se achar em aliança militar com Hitler, a ‘fração Reiss’ defenderá a URSS contra a intervenção militar no interior da URSS tanto quanto na arena mundial. Qualquer outro comportamento seria uma traição.
“Assim, se não é possível negar, antecipadamente, a possibilidade, em casos estritamente determinados, de uma frente única com a parte termidoriana da burocracia contra a ofensiva aberta da contra-revolução capitalista, a principal tarefa política na URSS continua sendo, apesar de tudo, A DERRUBADA DA PRÓPRIA BUROCRACIA TERMIDORIANA. O prolongamento de seu domínio abala, cada dia mais, os elementos socialistas da economia e aumenta as chances de restauração capitalista.”
Apesar dos efeitos da stalinofobia dos lambertistas na defesa dos Estados operários burocratizados, a maior consequência prática desse desvio foi fazer uma série de blocos no movimento com setores anticomunistas. É por isso que, em 1947, quando um setor de direita da Confederação Geral dos Trabalhadores (maior central sindical francesa, controlada pelo Partido Comunista Francês) rompeu com ajuda financeira dos Estados Unidos para formar a central sindical Força Operária (FO), o PCI lambertista entrou nela. Na verdade, os lambertistas estão até hoje nessa central que diz, em seus estatutos, que os sindicatos não devem se envolver com política. Dessa forma o PCI se retirou da oportunidade de disputar inúmeros trabalhadores radicalizados na época, inevitavelmente atraídos, num primeiro momento, pela CGT do Partido Comunista.
Outro efeito da stalinofobia foi fazer o lambertismo demorar anos e anos para ter uma caracterização clara sobre a China e sobre Cuba como Estados operários deformados. É claro que ela também contribuiu para que o lambertismo estivesse do lado errado das barricadas, apoiando todos os movimentos de direita que destruíram os Estados operários no Leste Europeu e a União Soviética entre 1989 e 1991, como veremos mais a frente.

Obreirismo
Existem alguns problemas nas correntes originadas do lambertismo que foram fruto da sua imaturidade política. Todas as correntes trotskistas francesas de antes da Segunda Guerra eram de composição de classe média. Ao tentar corrigir isso, o PCI exagerou para o outro lado, levando ao obreirismo – ou seja, a desconsiderar quaisquer lutas que não fossem especificamente da classe operária.
Por exemplo, durante o maio de 1968 na França, a OCI (sucessora do PCI) foi a única corrente francesa com uma posição política correta. Ela chamou todos os setores em greve geral a se unificarem num comando único, que seria o embrião de um governo direto dos trabalhadores. Mas ao mesmo tempo, a OCI ignorou que o movimento estudantil fervilhava.
De acordo com relatos, os militantes de sua colateral estudantil, a LER (Liga dos Estudantes Revolucionários), simplesmente abandonaram as barricadas da universidade Sorbonne e foram para as fábricas, onde eles sabiam que a luta realmente seria decidida. Se a atitude foi heróica, não podemos também deixar de notar que impediu a OCI de recrutar toda uma importante camada de jovens militantes, deixando o partido de mãos abanando quando a situação revolucionária foi frustrada. Ao invés disso, a OCI poderia ter consolidado o trotskismo numa grande camada de juventude francesa.
Outra consequência do obreirismo é um método de ver a questão das opressões específicas sob um viés puramente sindical. Por exemplo, O Trabalho resume a sua linha sobre mulheres à defesa da licença-maternidade, não faz propaganda da luta pela legalização do aborto nem discute a opressão da mulher fora do local de trabalho, muito menos o trabalho doméstico.
No caso da questão homossexual é pior ainda – nem a palavra de ordem de previdência pública igual para casais do mesmo sexo eles levantam, capitulando assim ao atraso de consciência dos trabalhadores homofóbicos. Em suma, por causa do viés sindical, eles não lutam coerentemente contra a família burguesa, fonte e base da opressão sobre as mulheres e homossexuais.
A política de O Trabalho sobre a questão negra se limita a denunciar as enganação das cotas, defendendo o fim do Vestibular. OT nunca participa das lutas contra a violência policial e contra a opressão aos trabalhadores de religiões de matriz africana, questões fundamentalmente associadas ao racismo na sociedade brasileira.
A exceção dessa subordinação sindical na questão do negro é a seção estadunidense da corrente lambertista, chamada Socialist Organizer. Eles defendem as teses originais do SWP [Partido dos Trabalhadores Socialistas] adotadas e formuladas por Trotsky em 1938. Por isso, consideram que os negros americanos são uma nação oprimida, que deve ter direito à autodeterminação . Consequentemente, o Socialist Organizer defende, ao lado da formação de um partido operário, a criação de um partido negro. Isso os tem levado a apoiar iniciativas reformistas do movimento negro estadunidense, como a candidatura presidencial de Cynthia McKinney, do Partido Verde americano, em 2006.

A Frente Única Anti-imperialista
A stalinofobia e o obreirismo dos lambertistas são desvios que poderiam ser corrigidos se houvesse democracia interna dentro da corrente e se ela já não tivessese se comprometido com posições centristas ao incorporá-las formalmente ao seu programa. Infelizmente essas duas deformações incorrigíveis (falta de democracia interna e comprometimento centrista) ocorreram ao longo da história dos lambertistas.
Em 1955, importantes membros da direção do PCI que haviam resistido ao pablismo foram expulsos do partido. Esse episódio estava ligado diretamente à aplicação de uma posição centrista pelo PCI, a frente única anti-imperialista. Originalmente formulada pela Terceira Internacional , a frente única anti-imperialista defendia alianças temporárias com movimentos burgueses pela independência das colônias. Essas teses foram formuladas antes que Trotsky tivesse generalizado as conclusões da Teoria da Revolução Permanente (o que aconteceu em 1927-1929). Posteriormente, foram usadas pelo stalinismo para justificar a sua política de colaboração de classes nos países atrasados.
A colaboração dos trabalhadores dos países atrasados com suas burguesias nativas consegue apenas, na melhor das hipóteses, criar independências artificiais, enquanto os países permanecem semi-colônias economicamente dependentes do imperialismo. Somente a destruição do capitalismo num país colonial rompe esses laços de dependência. Por isso, consideramos a frente única anti-imperialista colaboração de classe e defendemos a necessidade de que o movimento operário nos países periféricos rompa quaisquer laços com sua burguesia nativa e se diferencie para lutar pela revolução socialista. Qual é a importância disso para entender a crise do PCI?
Marcel Bleibtreu e Renard foram os principais dirigentes do PCI no rompimento do partido com os pablistas, tendo escrito Para Onde vai o Camarada Pablo? Eles tinham sido enganados por Mandel (que preferiu ficar criticando Pablo diplomaticamente na direção da Quarta Internacional, ao invés de confrontá-lo abertamente perante a base) e foram expulsos da Internacional depois de terem o seu pedido de formar uma seção simpatizante na França negado.
Pierre Lambert, que se tornou o maior dirigente do partido, e deu nome à corrente, desempenhou um papel muito menor nesse processo. Ele era o principal dirigente sindical do PCI e militava dentro da Força Operária. Foi rapidamente ganho para a luta contra os pablistas mas não chegou a travá-la diretamente. Lambert só chegou ao controle da direção do PCI após o debate sobre a posição diante da luta do povo argelino pela libertação nacional contra o imperialismo francês.
Em 1954, o governo francês começou uma operação militar de repressão em massa contra a luta na Argélia. Foi criada a OAS (Organização do Exército Secreto), um grupo paramilitar de torturadores para destruir as organizações que lutavam pela libertação nacional. Guy Mollet, da SFIO (o antigo partido socialdemocrata) se tornou primeiro-ministro para dar uma “cara operária” ao colonialismo.
A Guerra da Argélia dividiu a esquerda francesa, levando todos os partidos a crises. Vários grupos como a ORA (Organização Revolucionária Anarquista) tiveram quase todos os seus militantes presos. Michel Pablo foi preso por falsificar dinheiro com o objetivo de arrecadar fundos para a luta de libertação nacional argelina. A SFIO rachou, criando o PSU (Partido Socialista Unificado), um partido sem base de unidade firme, reunindo várias correntes que defenderam o povo argelino (um tipo de “PSOL melhorado”).
Havia duas correntes principais no movimento de libertação nacional na Argélia. Uma era o MNA (Movimento Nacional Argelino), dirigido por Messali Hadj, que tinha uma base mais urbana e adotava métodos pacíficos. A outra era a FLN (Frente de Libertação Nacional), de Boumediénne e Frantz Fanon, baseada no campo e que estava organizando a luta armada.
À parte da tarefa óbvia de defender militarmente os dois movimentos, os trotskistas deveriam saber que nenhum deles seria seria capaz de libertar a Argélia do imperialismo . Por isso, não deveriam dar a eles nenhum apoio político. Tanto o MNA quanto a FLN eram movimentos policlassistas, sem programa revolucionário e que cairiam facilmente na conciliação de classe com a burguesia. A política correta seria trabalhar junto ao mais dinâmico, tentando criar uma diferenciação de classe dentro dele, que se tornaria o núcleo para um partido revolucionário dos trabalhadores argelinos.
Um setor do PCI liderado por Lambert decidiu apoiar politicamente o MNA, a mesma posição do grupo inglês de Gerry Healy, que também havia rompido com o Secretariado Internacional. Provavelmente o motivo de Lambert foi o caráter pacífico do movimento, mais aceitável pela aristocracia operária francesa. Ficou óbvio o erro dessa concepção logo depois, quando Messali Hadj fez um acordo com o imperialismo francês do general De Gaulle e o MNA abandonou a luta pela independência.
O grupo de Bleibtreu na direção do PCI defendia, assim como o Secretariado Internacional pablista, apoio à FLN. Ao ter uma posição minoritária, Bleibtreu e seus aliados mais próximos foram expulsos do PCI, de forma totalmente antidemocrática, em 1955. É interessante perceber que ambas as posições de Bleibtreu e Lambert eram centristas. Ambas davam apoio político a movimentos que (por suas composições e programas) não poderiam levar adiante uma luta revolucionária contra as burguesias argelina e francesa. No entanto, isso não justifica a expulsão dos dirigentes. Essa expulsão representou um marco que acabou com a democracia interna no PCI, que passou a ser dirigido por Lambert praticamente sem nenhuma oposição interna.
A frente única anti-imperialista aplicada pelo PCI foi um erro centrista grave. Ele foi base para que o PCI começasse uma política de unidade com o Partido Operário Revolucionário (POR) da Bolívia. Como discutimos em outras publicações (veja nosso livreto O Pablismo e a Crise da Quarta Internacional), o POR traiu a revolução boliviana de 1952 com a mesma desculpa da frente única anti-imperialista, dando apoio político ao partido burguês MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário). Mas por algum tempo, esse centrismo do PCI (que mudou o nome para OCI em 1965) era apenas potencial, ou seja, o erro poderia ser corrigido. Por que isso não aconteceu?

O “Princípio da Frente Única”
Nessa época, a OCI era vinculada ao Comitê Internacional. O Comitê era um agrupamento de partidos que haviam resistido (embora com muitas falhas) ao pablismo, depois que o maiores grupos “antipablistas” (o SWP americano e o PST argentino de Nahuel Moreno) se reuniram com Pablo e Mandel para formar Secretariado Unificado (SU). A corrente cuja tradição reivindicamos, a Liga Espartaquista, chegou a participar do Comitê Internacional, após romper com o SWP. Mas ela foi expulsa de maneira burocrática em 1966, apenas por apresentar diferenças com a maioria.
O principal membro do Comitê Inernacional era o Workers Revolutionary Party (WRP) inglês, dirigido por Healy e que mandava no agrupamento de maneira antidemocrática. A OCI, que também tinha uma prática burocrática, permanecia no Comitê por ter um acordo de não entrar em conflitos políticos com o WRP. Em outras palavras, o Comitê Internacional não era uma Internacional centralizada, mas um agrupamento em que as seções tinham um acordo de não criticarem uma a outra para manterem seus feudos burocráticos na França e na Inglaterra.
Em 1971, a OCI aprofundou suas relações fraternais com o POR boliviano, quando defendeu uma nova traição que ele cometia sob o mesmo argumento da necessidade de se aliar a setores nacionais da burguesia. Dessa vez, o POR se subordinou à liderança política do General Torres durante a luta contra o golpe militar de direita na Bolívia. Assim como em 1952, o POR foi incapaz de levar adiante uma política que fizesse os trabalhadores bolivianos romperem com os setores burgueses do movimento contra o golpe militar de direita que havia ocorrido. Por isso, a luta contra o golpe foi frustrada e as massas bolivianas enganadas.
Ainda em 1971, a OCI foi expulsa do Comitê Internacional. O WRP de Healy começou a impor normas burocráticas contra os lambertistas, temendo que a aliança da OCI com o POR ameaçasse seu controle sobre o Comitê Internacional. Assim, o CORQUI (Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional), que foi o bloco formado pelos lambertistas após sua expulsão, já nasceu marcado pela política da colaboração de classes . A OCI dava assim o seu último passo para uma política centrista pois, nos países periféricos do capitalismo, tomava como regra a colaboração com setores da burguesia (como os partidos nacionalistas).
Ao formular a sua defesa da política do POR boliviano, a OCI justificou as suas posições e as transformou na regra de sua ação nos países atrasados, reivindicando formalmente a frente única anti-imperialista. Mais do que isso, a degeneração política da OCI na França também a levou a dizer que a frente única (unidade de ação com outros partidos do movimento) não é uma tática, mas um princípio. Em outras palavras, a OCI dizia que os revolucionários deveriam sempre e necessariamente estar em blocos com os reformistas.
Sob pressão de estar isolada do movimento de massas, a OCI acabou decidindo entrar numa colaboração permanente com os reformistas. A isso, o partido chamou de “princípio da frente única” , numa referência à tática de unidade de ação com outras organizações. A política clássica de frente única (resumida por Lenin na máxima “Bater juntos, marchar separados”) tem o objetivo de expor líderes traidores diante das suas bases durante uma unidade de ação que soma esforços de várias organizações numa reivindicação mínima que pode ser defendida por todos os grupos envolvidos (uma luta por reforma, um comitê de autodefesa, uma assembleia sindical). Já esse “princípio da frente única”, claramente era um nome bonito para “estar grudado à política dos reformistas” e tirar uma casquinha da sua popularidade, abandonando a tarefa de defender um programa revolucionário.
Para selar esse “casamento” com os reformistas, a OCI só teve uma saída – rebaixar o seu programa e sempre tomar, como suas, as bandeiras da socialdemocracia. Sempre, ao invés de formular a sua própria política e defendê-las no movimento, os lambertistas faziam exigências para que as correntes reformistas as adotassem. Quando isso não acontecia, os lambertistas adotavam o programa dos reformistas. Já vimos que a justificativa dessa postura de adotar um programa reformista é encontrada na tese de que as forças produtivas pararam de se desenvolver, o que permite agitar um programa de reformas como supostamente suficiente para levar à revolução.
A OCI levou adiante todas as conclusões políticas do seu “princípio”. Nos anos 70, entrou no Partido Socialista francês para emblocar melhor com a socialdemocracia. Muitos dos seus quadros, como Lionel Jospin, Cambadélis e Jules Favre acabaram rompendo com a corrente lambertista e ficando dentro do PS mesmo. Nessa época também se formava no Brasil o PT e os lambertistas formavam O Trabalho . OT fez também um entrismo (ou melhor, um “entrismo sui generis”) na Articulação, em 1982. Assim como aconteceu com seus camaradas da OCI, muitos quadros de OT acabaram ficando dentro da Articulação (já que não havia difrença na hora da política a ser defendida), como Palloci, Gushiken e Clara Ant.
Para manter sua capitulação à Articulação frente a outros grupos à esquerda no PT, O Trabalho formulou, já em 1981, a tese sectária e oportunista de que o importante é seguir a base operária de massas do partido e não as correntes centristas da esquerda do PT. Por isso, OT sempre emblocou com a Articulação contra a esquerda do PT. No momento em que foi formado o PSOL, a corrente fez várias acusações pela esquerda a Heloísa Helena e os parlamentares “radicais”, mas com o único objetivo de justificar sua permanência dentro do PT, lançando sucessivos manifestos pelo “resgate do PT”. Ao mesmo tempo, OT se mantém tanto na direção do Partido dos Trabalhadores quanto na da CUT, mesmo tendo um peso muito menor do que o necessário para ter esses cargos. Isso sugere fortemente que O Trabalho permanece nessas direções por acordo com a Articulação. Foi esse o caminho para o qual levou o “princípio da frente única”.

“A linha da democracia, a qual as massas darão o conteúdo”
Por tudo isso, o lambertismo poderia se classificar como uma corrente centrista cada vez mais à direita. Mas isso mudou em 1984, quando o congresso da OCI votou uma teoria inteira formulada por Lambert para justificar a sua capitulação. Nesse ano, a OCI referendou todo o seu centrismo como “estratégia revolucionária” válida, mais ou menos como Moreno fez com as teses sobre as “revoluções de fevereiro”, marcando o seu rompimento definitivo com todos os aspectos de um política bolchevique.
Essa teoria era a “linha da democracia, a qual as massas darão o conteúdo”. Radicalizando o objetivismo contido na sua posição sobre as forças produtivas, assim como a defesa da frente única como princípio, Lambert concluiu que, durante a luta pela democracia e pelas reivindicações democráticas, as massas recuperariam o conteúdo democrático que o imperialismo teria destruído no Estado. Nesse processo, as massas poderiam, segundo Lambert, levar as suas direções reformistas a romperem com a burguesia, que já não poderia fazer concessões democráticas. Em outras palavras, o programa democrático é suficiente para dirigir as massas até a revolução socialista, pois as lideranças reformistas e socialdemocratas podem ser levadas a romper com a burguesia pelo “conteúdo revolucionário inerente às massas”, em sua luta por democracia (também exposto no livro já citado de Stéphane Just).
Assim, os lambertistas chegaram, em ritmo diferente, ao mesmo programa dos pablistas que eles dizem combater. Hoje eles defendem um reformismo descarado, se escondendo atrás das correntes reformistas com influência de massas (sem nunca denunciar suas traições) com esperança de fazer pressão com um programa democrático até elas romperem com a burguesia, acreditando que isso é a verdadeira estratégia para a revolução. Na verdade, significa que os lambertistas abandonaram a luta pelo poder operário, substituindo isso por uma concepção em que o “governo dos trabalhadores” é o governo da socialdemocracia sem a burguesia. No Brasil, por exemplo, eles demandam que “o PT rompa com a burguesia”.
A política da OCI frente ao governo Miterrand na França foi agitar algumas palavras de ordem para empurrar o governo para a esquerda, da mesma forma com a qual O Trabalho usa suas “campanhas” para fazer pressão sobre o governo Lula. A OCI jamais levantou a necessidade de construir uma oposição classista contra o governo, muito menos usou palavras de ordem transitórias para desmascarar a sua natureza capitalista. Daí em diante, a trajetória dos lambertistas foi apenas um aprofundamento do ponto ao qual eles chegaram em 1984.
Ainda em 1984, os lambertistas franceses abandonaram a forma organizativa de uma organização leninista ao propor um agrupamento de militantes de várias as matizes políticas. Isso ocorreu com o Movimento por um Partido dos Trabalhadores (inspirado no PT brasileiro). A OCI se tornou uma corrente do PT francês quando ele foi formado e permaneceu nessa posição até 2006, quando o próprio partido se dissolveu numa aliança com parlamentares e prefeitos que haviam rompido com o Partido Socialista, e formou o POI (Partido Operário Independente). O programa do POI sempre se colocou na defesa do “classismo”, sem nem mesmo defender o socialismo, muito menos a revolução.
Durante a queda dos Estados Operários deformados no Leste Europeu e na União Soviética, entre 1989-1991, a “linha da democracia” levou os lambertistas à posição de apoiar todas as mobilizações reacionárias que destruíram os Estados operários burocratizados. Só para dar um exemplo extremo, os lambertistas apoiaram a queda do Muro de Berlim como “defesa da democracia” na Alemanha Oriental, somando a isso o disparate de dizer que a “reconquista da democracia” no país iria levar a revolução socialista até a Alemanha Ocidental!
Depois do fim da União Soviética, o direitismo dos lambertistas se acentuou mais ainda. Quando a burguesia começou a falar em globalização, a “linha da democracia” não poderia levar a outro resultado que não fosse a defesa dos Estados nacionais. O arguemento dos lambertistas é de que as instituições imperialistas, como o FMI e o Banco Mundial, retiram o “conteúdo democrático” dos Estados nacionais (como se eles tivessem algum sob a dominação burguesa). Por isso, a posição dos lambertistas no combate ao imperialismo é de total capitulação ao nacionalismo, tornando-se quase indistinguível.
O pior é que os lambertistas não defendem esse “conteúdo democrático” do Estado apenas nos países atrasados. Neles, onde as palavras de ordem democráticas e nacionais ainda têm algum conteúdo progressivo (como a anulação da dívida externa), os revolucionários devem se esforçar para se diferenciar dos nacionalistas ao defenderem tais bandeiras, apontando sempre a questão de classe em primeiro plano. Mas os lambertistas defendem os Estados nacionais nos próprios países imperialistas (como se o Estado francês fosse uma conquista das massas). Não por acaso, as posições dos lambertistas, em alguns casos, beiram a xenofobia. Eles são contra o direito da autodeterminação da minoria berbere na Argélia, sob o argumento de que isso destruiria o Estado nacional argelino. E sua posição contra o zapatismo, no México, se baseia no fato de serem contra a autonomia das comunidades indígenas.
Em 1993, a corrente lambertista internacional se proclamou como “A Quarta Internacional” (“quem não está dentro é porque não quer”), ignorando a dinâmica do processo pelo qual havia passado o trotskismo ao longo de mais de sessenta anos. Os lambertistas também contribuíram com a formação da AcIT (Acordo Internacional dos Trabalhadores), uma plataforma composta por setores da central sindical americana AFL-CIO e da burocracia sindical de todo o mundo, comprometida (em sua declaração principal) com a manutenção dos Estados nacionais e da ordem burguesa.
O giro a direita da OCI em 1984 foi tão grande, que Stéphane Just, militante da corrente por mais de 30 anos, rompeu para formar o Comitê pela Reorientação do Partido Operário Revolucionário, que lutou por uma política em oposição ao curso que o lambertismo tomou com a “linha da democracia”.
Duas outras organizações se originaram do racha de Stéphane Just com a OCI. Uma é o Círculo pela Construção do Partido Operário Revolucionário e a outra é o Grupo Bolchevique. Ambas fazem várias críticas corretas ao lambertismo (o movimento pelo PT na França, o apoio político ao MNA, a “reproclamação” da Quarta Internacional). Especialmente o Grupo Bolchevique faz várias críticas acertadas contra o centrismo que impregnou a OCI a partir da década de 1970.
Ao mesmo tempo, essas correntes originadas do racha de Just herdaram vários erros do período do PCI, como a tese da estagnação das forças produtivas, o obreirismo e principalmente a stalinofobia. Durante a destruição da URSS, o Grupo Bolchevique, por exemplo, defendeu uma frente com Yeltsin contra os setores resistentes da burocracia (que eram contra a destruição imediata do Estado operário degenerado) para “liquidar a KGB”. Discutir criticamente o legado do lambertismo, principalmente com o Grupo Bolchevique, é uma tarefa fundamental na luta pela reconstrução da Quarta Internacional.

Conclusão
A tragédia do lambertismo é que uma das correntes que mais combateu o pablismo acabou sucumbindo a ele, por outro caminho e em ritmo diferente, ao sustentar dogmaticamente vários erros da Quarta Internacional e se adaptar completamente ao reformismo e às bandeiras democráticas. Isso fez com que as correntes lambertistas se tornassem um grupo que tenta tristemente empurrar os líderes traidores do movimento operário para a revolução, através do “conteúdo objetivamente revolucionário” que as massas supostamente dariam ao processo. O pior é o fato de os dirigentes lambertistas acreditarem que, fazendo isso, cumprem um papel revolucionário.
Mesmo assim, ainda existem numerosos militantes lambertistas que realmente lutam contra concepções centristas no movimento quando defendem a CUT, combatem as ilusões de que cotas e ações afirmativas resolveriam os problemas da classe operária, apoiam na prática o MST e exigem que uma corrente trotskista tenha um caráter de classe realmente operário. Esses militantes precisam discutir seriamente a crise de O Trabalho e do lambertismo, para identificarem a sua origem.
Se você concorda com isso, discuta com nosso Coletivo sobre o legado do lambertismo e sobre as falhas no seu combate ao pablismo. Temos muitos materiais sobre o assunto, assim como a tradição internacional que reivindicamos, o espartaquismo (que surgiu em 1962, na luta contra o pablismo dentro do SWP americano). Mais tarde, a Liga Espartaquista esteve presente no Comitê Internacional e chegou a buscar relações com o CORQUI.
Essa discussão pode criar a base para darmos novos passos na luta pela reconstrução da Quarta Internacional, que ainda é uma tarefa a ser cumprida, em oposição ao discurso ilusório sobre a sua “reproclamação”. No Brasil, parte central desta luta é a criação de uma alternativa de direção comunista dentro da CUT, da UNE e do MST, o que só pode ser conseguido por um Partido Revolucionário dos Trabalhadores. O objetivo do Coletivo Lenin é dar uma contribuição ao reagrupamento revolucionário de correntes e militantes em torno de uma base sólida e principista, capaz de dar os primeiros passos na construção deste partido.

Notas

1 Acreditamos, assim como a tradição que reivindicamos, o espartaquismo, que os negros nos Estados Unidos não são uma nação, mas uma casta racial, já que não possuem território próprio (estão dissolvidos nos setores mais explorados da classe operária das cidades), divisão interna de classes (não existe uma “burguesia negra” independente da burguesia americana) ou idioma próprio. Em outras palavras, os negros estão integrados na sociedade americana e sua opressão é intimamente ligada às necessidades do capitalismo, não podendo ser resolvida de maneira definitiva dentro dos limites capitalistas. Por isso, o programa correto para a questão negra é o integracionismo revolucionário, que significa levantar o combate ao racismo no movimento dos trabalhadores, buscando uma integração dos trabalhadores de todas as etnias na luta pelo socialismo (que é a solução para a destruição da base social para o racismo). Além disso, consideramos que os trabalhadores negros representam um potencial de luta que é estratégico para a revolução e temos como prioridade organizar os trabalhadores negros, que estão nos setores mais explorados do proletariado. Para um debate sobre esta questão, veja o texto A Eleição de Obama e a Questão Racial nos Estados Unidos, disponível no site do Coletivo Lenin.
2 Desenvolvida nas Teses sobre a Questão do Oriente, no IV Congresso, em 1922.
3 A FLN conquistou a independência formal do país em 1962, após derrotar militarmente a França. Mas pelo seu caráter de classe e pelo seu programa, a FLN acabou reconstruindo um Estado burguês no país, dependente e submetido ao imperialismo francês, tornando a Argélia uma moderna semicolônia.
4 A relação entre a OCI e o POR terminou apenas em 1978, quando o último rompeu com o CORQUI pela tentativa dos lambertistas de imporem seu controle sobre o grupo boliviano, liderado por Guillermo Lora. A situação se assemelha muito com o que aconteceu entre o WRP e a OCI, no que diz respeito aos dois grupos evitarem discutir as divergências políticas para manterem intocados os seus respectivos redutos burocráticos. No ano citado, a OCI tentou impor ao POR a absurda concepção de os sindicatos no mundo colonial haviam se tornado organizações não-operárias, e exigir que o POR abandonasse seu trabalho sindical. Após o racha, a OCI imediatamente modificou essa política, forjada na tentativa de impor seu comando burocrático sobre o POR.
5 A adoção dessa prática é amplamente exposta e no livro de Stéphane Just, Como o Revisionismo se Apoderou da Direção da OCI, de 1984.
6 Fato interessante para aqueles que conhecem os morenistas da LIT-QI (organização internacional liderada pelo PSTU) é que em 1980 se formou um bloco entre eles e os lambertistas, o Comitê Paritário pela Reconstrução da Quarta Internacional, que durou pouco mais de um ano. Depois de romper com o Secretariado Unificado, Moreno tentou uma fusão com Lambert mesmo após todo esse histórico de posições oportunistas. Juntos, os dois escreveram as famosas Teses para a Atualização do Programa de Transição. O motivo do fim do Comitê Paritário foi o apoio descarado da OCI à frente popular de Miterrand, do Partido Socialista francês, em cuja candidatura a OCI votou nos dois turnos. Na verdade o apoio eleitoral e as ilusões da OCI com os reformistas poderiam ser vistos claramente muito antes da consolidação do agrupamento. No debate durante o racha com os lambertistas, Moreno escreveu o livro A Traição da OCI, cujas posições justas apresentadas perdem todo o significado pelo fato de Moreno nunca as ter defendido na prática. O próprio PST morenista havia votado em inúmeras frentes populares peronistas na Argentina nos anos anteriores. Também o PSTU (assim como O Trabalho) chamou voto nas sucessivas frentes populares de Lula com a burguesia em 1990, 1994, 1998 e 2002.

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