O sentimento no coração de qualquer militante honesto do movimento popular urbano do Rio de Janeiro só pode ser a raiva. Desde 2006, se aprofundou a repressão às ocupações de moradores, comunidades, sem-tetos e camelôs na cidade. Os governos, ávidos por garantir uma cidade pronta para os melhores investimentos capitalistas, sedentos por garantir o aumento da especulação imobiliária, eufóricos com as oportunidades de milhões de dólares para os bolsos do patrões com eventos esportivos internacionais, atacam diariamente a população trabalhadora mais sofrida, aquela desempregada ou com os empregos mais duros, em maioria negros e mulheres. Diante dessa situação, a raiva é inevitável. Mas é preciso que saibamos canalizar toda nossa raiva de maneira a direcioná-la de maneira organizada contra os nossos inimigos, os governos e a burguesia, para sermos capazes de sair dessa situação de crise em que fomos lançados.
O movimento popular do Rio de Janeiro há muito tempo está desorganizado. Há vários grupos ativistas, mas nenhum capaz de fazer um trabalho forte de organização e conscientização dos moradores das ocupações e das comunidades e trazê-los para a luta. Muitos desses grupos tem militantes conscientes, mas que estão lançados em atividades improdutivas, sem organizar a resistência tão necessária. Enquanto isso, as ocupações que restaram caem em desorganização e desmobilização, muitas das quais os ocupantes estão abandonando diante do primeiro sinal de que haverá despejo. Dezenas de comunidades estão sendo despejadas, e até o momento nenhuma conseguiu se manter. Essa situação precisa se modificar.
Em 2009, o Coletivo Lenin atuou com entusiasmo dentro do Reunindo Retalhos. Víamos nele, assim como outros camaradas também viam, a oportunidade de unir os diversos grupos atuantes no movimento popular do Rio, e assim fortalecer a resistência contra os ataques dos governos. Infelizmente, grande parte dos militantes que compuseram o RR (principalmente aqueles vindos do movimento estudantil) não quiseram aglutinar os grupos envolvidos num fórum de resistência. O encontro de 15 de novembro, em Nova Iguaçu, não tirou nenhuma medida prática ao seu final.
Mesmo depois disso, continuamos participando do RR na esperança de que pudéssemos convencer os outros companheiros a formar um fórum de luta permanente, que reunisse todos os militantes do movimento popular numa unidade para a ação. Mas, infelizmente, o RR foi se tornando cada vez mais um grupo de debates, formulador de palestras e que parecia não estar preocupado com o que estava rolando no mundo real. Nos debates do Reunindo Retalhos, a nossa raiva ficou escondida.
Acreditamos que o movimento estudantil pode ser um forte apoio do movimento popular. Ficamos felizes de ver que um setor dos estudantes (inclusive muitos dos camaradas do RR) deixaram de priorizar a organização de palestras e viram a necessidade de ação. Achamos de grande coragem o ato dos camaradas nas duas tentativas de formar a ocupação Guerreiros Urbanos. Nas duas vezes, estivemos presentes até o final. Isso não faz com que deixemos de criticar o lado irresponsável da sua atitude. Acreditamos que na atual conjuntura, com a prefeitura armada até os dentes e, principalmente, com o movimento desorganizado, praticamente sem base, é uma aventura tentar conquistar novas ocupações – ainda mais em locais tão visados, como era a Guerreiros.
Não dizemos isso por covardia, como nossa presença nas duas ocasiões demonstrou. Dizemos que não podemos nos lançar em aventuras porque isso não contribui com nossa luta. Após as duas tentativas fracassadas da Guerreiros, pudemos ver grande desmoralização e desânimo em todos. A nossa raiva acabou se tornando nossa inimiga. Haverá o momento para conquistar novas ocupações, mas agora, quando a base está tímida e somos tão poucos, a hora é de defender as posições remanescentes. Aquele que não sabe defender o que tem, jamais poderá obter novas conquistas. Por isso, dizemos que nosso objetivo tem que ser rearticular e fortalecer o movimento popular. O que isso significa?
Significa que temos que reunir todos os militantes e começar a fazer trabalho de base de resistência. Todas as ocupações onde atuamos tem assembleias constantes que organizam formas de resistência e conscientização? As comunidades de onde viemos tem participação maciça dos moradores contra os ataques da prefeitura? Há um setor considerável de estudantes que conhecem e apoiam as lutas dos moradores sem-teto? Se a resposta a essas perguntas é “não”, então é isso que precisamos providenciar desde já – rearticulação e fortalecimento – para garantir que a próxima “Guerreiros Urbanos” não seja derrotada, mas vitoriosa.
Vemos que muitos militantes tem receio sobre a proposta de um comitê de resistência. Alguns companheiros preferem se dedicar a organizar aventuras que não constroem nada, e só servem para aliviar momentaneamente a sua consciência, lhes permitindo imaginar, por alguns instantes, que a conjuntura atual não é de graves derrotas. Outros acham que é melhor construir grupos de estudos com os ultimos militantes ativos do movimento, se rearticulando a nivel local em suas ocupações, mas ainda céticos quanto as propostas de unificação das bandeiras de luta com outros movimentos e ocupaçoes. Nós negamos essas duas posições. Achamos que não temos que nos limitar nas resistências locais, nem fazer intervençẽs inconsequentes e aventureiras. Achamos que devemos construir a resistência agora, orientada na base que hoje está desmobilizada, para rearticular o movimento popular do Rio de Janeiro com suas bandeiras de lutas em comum. Por isso queremos derrubar alguns mitos.
Alguns companheiros dizem que um comitê de resistência do Rio de Janeiro seria algo autoritário, pois seria só um comitê, onde todos estariam inseridos e acabariam ficando a mercê de uma liderança autoritária. Isso não tem nada a ver com a nossa proposta! Defendemos um comitê de resistência formado por todos os moradores e militantes, onde as decisões sejam tomadas pelas assembleias de base e onde a liderança (necessária para tomar medidas organizativas e políticas) seja eleita democraticamente e possa ser substituída a qualquer momento pelas assembleias.
Outros companheiros dizem que um comitê faria com que certas concepções ideológicas se impusessem sobre outras. Contra esse receio, defendemos que todas as vertentes ideológicas (militantes independentes, anarquistas, comunistas de esquerda, bolcheviques, etc.) se organizem nesse comitê e tenham total liberdade para expor suas posições políticas. O comitê deve ser um fórum permanente para articular as lutas e a resistência, não para homogeneizar algum programa político.
Finalmente há aqueles que não aceitam uma unidade como essa porque, se ela fosse criada, traria novos militantes para locais onde só o seu grupo faz trabalho político, constituindo um “feudo”. Para esses, nós dizemos que tem toda a razão de sentir medo de um comitê de resistência. Nossa proposta é de que todos os grupos atuantes no movimento popular carioca devem estar juntos em tantas ocupações e comunidades quanto possível, sem divisões que só atrapalham a nossa capacidade de resistir. Todos os ativistas que temos hoje (moradores de comunidades ameaçadas, FIST, Reunindo Retalhos, MTD Pela Base, antigo MCL, etc.) devem participar de espaços comuns para fortalecer a rearticulação que tem faltado em nossa luta contra os governos dos patrões.
Assim, nós do Coletivo Lenin fazemos renovado chamado, para todos aqueles interessados, para formar um comitê de resistência urbana do Rio de Janeiro, congregando todos os militantes disponíveis para começar a imediatamente a rearticulação do nosso disperso movimento. Essa é a nossa única saída desta crise. Aqueles que se negam a participar das tentativas de articular a unidade estão inconscientemente defendendo os interesses dos nossos inimigos. Só nos reorganizando poderemos dar total poder à nossa raiva e garantir que ela caia sobre as cabeças dos exploradores e opressores. Viva a luta popular dos trabalhadores! Viva a luta pelo comitê de resistência!
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