UPP: Terror para os Trabalhadores
Por R. Kaleb
Na semana após o carnaval ganharam destaque as imagens de um abuso de poder policial na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Cidade de Deus, uma das primeiras favelas a serem “pacificadas”. Supostamente para apartar uma briga que havia ocorrido numa festa de carnaval na comunidade, os policiais da UPP agiram com truculência, mandando encerrar a festa imediatamente. Segundo relatos, os policiais dispararam gás de pimenta contra os moradores.
Diante da tentativa da polícia de encerrar a festa e devido à sua truculência, muitos que estavam participando da comemoração se revoltaram contra a hostilidade policial jogando copos e garrafas contra os policiais, o que foi a sua “justificativa” para o terror. As cenas mostram explicitamente agressões cometidas contra os moradores – vários foram espancados com cacetetes e um dos policiais disparou tiros para o alto para intimidá-los. Ao perceber que as agressões e disparos estavam sendo filmados, alguns policiais se voltaram contra o jornalista Toni Barros, que registrava o fato. Ao negar entregar sua câmera aos policiais, o jornalista foi agredido e sua câmera danificada, embora tenha salvo as imagens.
Dois dias depois, o comandante geral da UPP, Robson Rodrigues da Silva, “reconheceu” que houve excesso dos policiais e disse que haverá uma investigação. A tentativa do comandante de salvar a imagem das UPPs não parece ter tido o mesmo efeito das chocantes imagens dos policiais agredindo moradores indefesos. Não há nada para reconhecer aqui além do fato para o qual alertamos em nosso texto O Estado Burguês Reorganiza o Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro:
“(...) não vai demorar para que os proletários que vivem nessas comunidades percebam a armadilha que é o domínio direto de uma polícia que mata uma pessoa a cada 8 horas nessa cidade.”
Já que estabelecem um domínio militar incontestável sobre as outras forças armadas, as UPPs diminuem momentaneamente os conflitos constantes entre facções traficantes e criam a impressão de uma situação de paz nas comunidades. Entretanto, exemplos como esse mostram que as UPPs representam uma força de repressão não menos violenta contra os trabalhadores e oprimidos, sendo inclusive muito melhor preparadas para impedir qualquer contestação de seu poder. As cenas de violência como as da ocupação do Complexo do Alemão e esta voltarão a se repetir. Aqueles que defendem as UPPs como “mal menor” terão que se explicar diante dos trabalhadores.
Corrupção da polícia e milícias
O mais recente escândalo envolvendo a polícia do Rio de Janeiro foi o indiciamento do agora ex-comandante da polícia civil Allan Turnowski. Turnowski está sendo investigado por vazar informações sigilosas das operações da polícia para um grupo de policiais e ex-policiais que também estão sendo investigados por estarem organizando uma milícia no Complexo do Alemão, logo após a ocupação militar em novembro de 2010. Esses eventos pareceram confirmar algo que dissemos em nosso texto já citado, escrito após a ocupação do Complexo:
“Muito antes de as UPPs aparecerem, já havia uma força com relações íntimas com o Estado, formada por agentes ou ex-agentes do Estado, destruindo as organizações traficantes tradicionais e estabelecendo seus regimes nas comunidades com o apoio da polícia. Isso significa que o enfraquecimento das organizações traficantes antigas tem na UPPs apenas um dos seus pontos de apoio. O outro e principal elemento é a expansão das milícias, que ocorre, não com a displicência, mas com o apoio do Estado burguês!”
A divulgação maciça do fato de que já há uma milícia se organizando no Alemão parece confirmar nossas suspeitas. Já a “informação privilegiada” dos milicianos é apenas mais uma prova da colaboração da polícia com as milícias e portanto com o tráfico de drogas e armas (realizado pelas milícias) que o governo do Rio de Janeiro diz combater. Não é um fato mais chocante do que a ajuda estratégica e militar que a PM deu aos milicianos ao fornecer o uso do carro blindado (caveirão) quando estes tomaram a favela Cidade Alta, localizada em Cordovil, em 2007.
Turnowski é o mais alto membro da hierarquia policial recentemente envolvido com o apoio às milícias no Rio de Janeiro. Durante uma declaração em sua defesa, o próprio Turnowski disse que era impossível que ele tivesse as informações que foram vazadas por que, na época, elas só eram conhecidas pelo próprio secretário de segurança do estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Essas revelações nos fazem imaginar até onde chega a colaboração direta do alto escalão do governo com as milícias.
Uma corregedoria machista
Contra toda a noção de que a polícia “apesar dos problemas, corrige os seus excessos” é preciso lançar um olhar atento sobre o que de fato acontece diante de todas as agressões policiais contra a população. Num comentário sobre as impressões de um relator da ONU (que não é nenhuma organização humanitária) sobre a polícia brasileira, a Agência Brasil citou:
“As principais críticas do representante da ONU foram em relação a assassinatos cometidos por policiais, ‘que na maioria das vezes não são computadas nas estatísticas sociais e raramente são investigadas pelas polícias’ (...)”
“O relator criticou duramente uma operação policial no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro – que deixou 19 mortos – e afirmou que, durante a visita à capital fluminense, não recebeu das autoridades estaduais justificativas convincentes para a invasão. ‘Concluí que foi motivada por razões políticas, para o governo mostrar que estava lutando fortemente contra o crime. Operações como essa talvez melhorem a opinião pública, mas não a vida da comunidade’, avaliou.”
“O documento produzido pela Organização da Nações Unidas (ONU) aponta a polícia como a maior responsável pelos mais de 48 mil homicídios que se cometem a cada ano no Brasil. O relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, Philip Alston, afirma que as mortes deste tipo ‘estão desenfreadas’ em determinadas regiões do país. Ele esteve no Brasil de 4 a 14 de novembro de 2007, quando visitou os estados de São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro e o Distrito Federal.”
‘“Policiais em serviço são responsáveis por uma proporção significativa de todas as mortes no Brasil. Enquanto a taxa de homicídios oficial de São Paulo diminuiu nos últimos anos, o número de mortos pela polícia aumentou, de fato, nos últimos 3 anos, sendo que em 2007 os policiais em serviço mataram uma pessoa por dia’, descreveu Alston no relatório. ‘No Rio de Janeiro, os policiais em serviço são responsáveis por quase 18% do número total de mortes, matando três pessoas a cada dia’, acrescentou.”
“Relator da ONU critica impunidade de assassinatos cometidos por policiais” (reportagem da Agência Brasil citada no site da Fundação Lauro Campos).
Não existem dados sobre a apuração e punição dos crimes policiais, já que supostamente eles são investigados internamente pela corregedoria da polícia. Não é difícil imaginar que a maior parte dos crimes passam batidos. Um caso recente dá um exemplo de qual é a perspectiva dessas corregedorias. Vazaram na internet no mês de fevereiro as cenas de uma ação da corrgedoria estadual atuando na cidade de Parelheiros, em São Paulo, gravadas em 15 de junho de 2009 na 25ª DP. Ao abordar uma escrivã (que pediu para não ter o nome revelado), suspeita de receber propina, três delegados da corregedoria queriam revistá-la. A escrivã não se negou a ser revistada, apenas exigiu que fosse por uma policial mulher.
Ignorando o direito, os três delegados cercaram, algemaram e renderam a escrivã à força no átrio da delegacia. Em seguida, arrancaram sua calça e calcinha, deixando-a forçosamente nua diante de várias testemunhas, e pegaram a propina que, de fato, a escrivã tinha escondido – 4 notas de 50, ou seja, duzentos reais. Esse ato foi cometido por aqueles que, supostamente, devem evitar os “excessos” da polícia. Se fazem isso com os próprios colegas, o que não farão contra a população trabalhadora?
Para tornar o caso ainda mais incrível, descobriu-se, após o escândalo provacado pelo vazamento do vídeo, que a chefe da corregedoria estadual, Maria Inês Valente, havia arquivado o caso, apontando que a atitude dos delegados havia sido regular. Enquanto a escrivã sofreu um processo administrativo e foi exonerada no mesmo ano, só agora, com a divulgação do vídeo, é que os delegados envolvidos estão sendo afastados e investigados. Essa “caça à bruxas” não livrará as fuças do Estado burguês, que tenta salvar as aparências de que esse tipo de ato não é algo comum.
Alguém poderia se perguntar “Como pode a polícia aceitar seres tão boçais?”. Acontece que a razão de existência da polícia é cometer ações boçais contra a classe trabalhadora diariamente, mantê-la obediente sob o cano do fuzil. Em sua atividade cotidiana, os policiais acabam se tornando esse tipo de ser, ainda que não seja essa a sua intenção original ao integrar a polícia.
Pelo fim da polícia! Por autodefesas de trabalhadores nas comunidades!
O abuso recente na Cidade de Deus mostra mais uma vez como a polícia é uma inimiga da população, sobretudo dos trabalhadores negros e pobres. O envolvimento tanto de Allan Turnowski com as milícias, assim como a afirmação da chefe da corregedoria, Maria Inês Valente, de que não havia nada demais na forma como agiram os policias, mostra que os abusos policiais não são “falhas” ou “excessos” cometidos pelos policiais desviados. São práticas ensinadas desde a academia e que são endossadas e repetidas pelas suas lideranças. A polícia é um instrumento dos ricos e poderosos da nossa sociedade, controlado pelos seus representantes nos governos para manterem a ordem de exploração capitalista.
É preciso dar um conteúdo político à luta dos trabalhadores. Uma ação contra a polícia, ainda que radicalizada, terá poucos efeitos se os trabalhadores acharem que só precisam cobrar para que os governos melhorem a polícia, ou que apenas “removam os excessos”. Essa idéia de reformar a polícia tem sido a base da política dos líderes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Marcelo Freixo (PSOL/RJ), o deputado estadual que ficou famoso ao presidir a CPI das milícias e ser representado como personagem no filme Tropa de Elite 2, acha que é progressivo o avanço da instalação de UPPs (veja o pronunciamento “Por que as UPPs não chegam a todos?” feito pelo deputado em novembro de 2010, disponível no site do seu mandato).
A mudança que está acontecendo no controle do tráfico de drogas do Rio de Janeiro, passando das antigas organizações traficantes para as milícias (que também exploram prostituição e trabalhadores nos serviços de gás, transporte alternativo e televisão à cabo, além do tráfico de drogas) é uma das razões por trás da investida contra as comunidades e para a instalação das UPPs. Na guerra entre milícia, polícia e traficantes, os trabalhadores não tem nenhum lado preferencial – todos são nossos inimigos. A posição de Freixo se explica por sua confiança no Estado burguês. O deputado sempre comenta que o secretário de segurança Beltrame é um “bom homem” e que as suas diferenças políticas com Sérgio Cabral estão abaixo da prioridade dos dois em garantir a “segurança pública” (leia-se a continuidade do ataque policial às comunidades e o apoio por trás dos panos para as milícias) como pode ser visto nesse trecho da entrevista de Freixo à revista Época.
“Eu sou oposição política ao governador. No entanto, no debate da Segurança Pública não gosto de me posicionar como situação ou oposição. A nossa responsabilidade com a sociedade está acima dessas diferenças políticas. Por isso, eu fico muito mais confortável em falar do Beltrame que do Sérgio Cabral. O Beltrame leva uma grande vantagem porque sua honestidade o faz uma pessoa muito melhor do que os últimos secretários que existiram antes dele. Tenho uma relação muito sincera com ele. Com divergências, mas muito respeito.”
(Exame, 3 de dezembro de 2010).
Contra os ataques da polícia, traficantes e milícias, os revolucionários devem propor e tentar organizar assembléias comunitárias independentes do governo nas favelas. Submetidas a estas assembléias devem ser criadas patrulhas de autodefesa de trabalhadores para reagirem diante das ameaças e agressões que eles sofrem, usando de todos os meios que forem necessários. Nenhuma confiança na polícia racista e machista! Por autodefesas de trabalhadores nas comunidades!
Os trabalhadores também não devem acreditar (a custo de frustrarem sua resistência) que os policiais são trabalhadores iguais a eles e que devem ter todos os direitos de um trabalhador. Os policiais são uma força diretamente subordinada aos inimigos dos trabalhadores, a burguesia e os governos, para garantirem sua exploração no trabalho, sua opressão no locais de moradia, e sua repressão diante de qualquer tentativa de lutar contra tal situação. Não devemos ter a menor colaboração com os policiais da base da polícia e nem defender as suas demandas corporativas (aumento de salários e melhores condições de trabalho, melhores equipamentos e carros), como fazem muitos partidos na esquerda, pois isso significa melhorar as condições de repressão aos trabalhadores.
Um exemplo disso é o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que mesmo dirigindo uma central sindical, a CSP-CONLUTAS, defende incluir dentro dela os “sindicatos policiais” e apóiam todas as suas demandas por melhorias no aparato policial do Estado burguês. Os líderes do PSTU, quando questionados, muitas vezes se vangloriam do “benefício” disso, como ter as passeatas da CSP-CONLUTAS “escoltadas” por policiais.
Os revolucionários devem defender apenas as demandas políticas dos policiais que coloquem em cheque o caráter burguês e assassino da polícia. Se, por exemplo, um ou mais policiais se recusassem a participar de uma operação na favela ou a seguir uma ordem de repressão, deveríamos apoiar tal posição e mesmo defender esses policiais contra as represálias dos seus superiores. Um exemplo é a manifestação realizada por policiais no dia 25 de fevereiro na Praça da Sé, contra os abusos realizados no caso da escrivã. Nessas situações, os revolucionários devem se demarcar claramente dos setores que pedem uma “polícia mais humana”, e mostrar que um fim desses abusos só é possível com o fim da própria polícia.
Esse tipo de demanda política também é o pressuposto básico de um possível racha progressivo na polícia ou no exército numa situação de crise. Mas a priori, a colaboração dos trabalhadores com a polícia só serve para frustrar a luta dos oprimidos ao uní-los com os agentes da manutenção do poder vigente, semeando adaptação à existência da polícia e impedindo a sua contestação enquanto força de repressão. “Sindicatos policiais” não são parte do movimento dos trabalhadores! Pela sua expulsão das centrais e federações sindicais!
Enquanto estão “protegidos” pela polícia, os dirigentes do PSTU descartam qualquer pretensão revolucionária com relação ao exército e à polícia. Essa é uma reação completamente contrária à polícia daquela da vanguarda dos trabalhadores, principalmente os operários negros mais reprimidos. O apetite de um revolucionário não deve ser “ganhar” os aparatos armados da burguesia capitulando aos próprios interesses dos policiais, mas sim rachar os elementos de baixa patente mais conscientes para um programa operário, que busque destruir a essência dos órgãos de repressão junto com o resto do Estado burguês.
Mas não é esse, é claro, o objetivo do PSTU, que pretende reformar a polícia, mantê-la intacta em seus interesses burgueses. Num trecho particularmente interessante de sua declaração sobre os eventos que abalaram o Rio de Janeiro em novembro do ano passado, o PSTU escreveu:
“A nova polícia teria que se organizar de forma radicalmente diferente da atual. Deve desaparecer a diferença entre polícia civil e militar, que não serve de nada, e assegurar todas as liberdades sindicais e políticas a seus participantes. É preciso também que seus comandantes ou delegados sejam eleitos pela população da região onde atuam. Ao contrário dos que se escandalizem com a proposta, a eleição de delegados locais é realizada em muitos países, inclusive nos EUA. É uma forma democrática de comprometer esses comandantes com a população local.” (site do PSTU).
Assim, apesar de um discurso aparente mais radical, substitui-se a perspectiva de destruição da polícia, rachando os seus elementos mais avançados, por uma adaptação à existência da polícia sob formas “democráticas”, como a polícia americana, que por si só já mostra como é “democrática” a repressão a negros e imigrantes.
A ferramenta política necessária para armar a resistência contra a polícia é um Partido Revolucionário de trabalhadores, que esteja junto aos operários, sobretudo os operários negros, que são os mais atingidos pela violência policial e também pela exploração das milícias e organizações traficantes. Esse partido terá a tarefa de levar os trabalhadores à conclusão que a saída tanto para acabar com a super-exploração e opressão dos trabalhadores negros, quanto com a violência que atinge os trabalhadores em geral, é instituir um governo controlado por eles próprios, através de assembléias e representantes eleitos e substituíveis a qualquer momento (diferente dos políticos do Estado burguês). Uma tarefa essencial nesse processo é acabar com a polícia, que demonstradamente colabora com o crime organizado e é uma ferramenta de violência contra os trabalhadores para impedí-los de se levantarem contra seus exploradores. Chega de chacina, polícia assassina! Por um Partido Revolucionário de trabalhadores sem ilusões com os carrascos do povo!
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