Elas estiveram presentes em todas as lutas. Organizaram os quilombos e
cimarrones durante a escravidão, algumas estiveram à frente de levantes de escravos, como a Revolta dos Malês. Organizaram sindicatos, foram o componente principal das lutas por moradia e associações de moradores no Brasil. E, mesmo assim, têm sido apagadas pela história e jogadas para segundo ou terceiro plano nas organizações.
Por isso, o 25 de julho foi transformado numa data de memória e luta, no I Encontro de Mulheres Afro-Latinoamericanas e Afro-Caribenhas, em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. Isso foi necessário porque as mulheres negras da América Latina e do Caribe, triplamente oprimidas, pelo imperialismo, machismo e racismo, foram também marginalizadas dentro dos próprios movimentos sociais.
No caso do Brasil, o movimento sindical começou entre os trabalhadores imigrantes, enquanto os negros eram expulsos do mercado de trabalho. E, então, era um movimento principalmente branco que, por muito tempo, não se importou com a questão racial. Dentro da CUT e do sindicalismo em geral, essa discussão só começou a se fortalecer na década de 1990.
No próprio movimento de mulheres, mesmo quando ele era organizado por local de moradia, o problema do racismo era pouco discutido, principalmente por influência do antigo PCB que ignorava o assunto, quando não dizia que ele "dividia os trabalhadores", ao contrário de outros partidos, mesmo stalinistas, que lutavam pelos direitos civis dos negros, como o PC americano.
Ao mesmo tempo, o movimento negro, que deu um salto organizativo no Brasil a partir de 1978, com a formação do MNU, não conseguiu romper com o machismo estrutural e, naquela época, poucas vezes levantava as reivindicações específicas das mulheres negras. O mesmo com os movimentos feministas, que se reorganizaram na mesma época no país, com uma forma de funcionamento baseada no padrão de vida das mulheres de classe média e brancas (coletivos organizados nas universidades, discussão acadêmica etc).
Por isso, foi necessária a organização autônoma das mulheres negras, que se espalhou com mais força na década de 1980, geralmente enraizada nas associações de moradores, principalmente das favelas.
Naquele momento, a luta das mulheres negras, como parte da luta da classe trabalhadora, exigia serviços públicos de qualidade, como creches, postos de saúde e escolas públicas. Desde aquele momento começou a denúncia contra os estereótipos racistas e machistas nos meios de comunicação (a visão da mulher negra como objeto sexual, "mulata exportação", "da cor do pecado", que inclusive se estende às travestis negras).
Essa era a época da hegemonia do PT nos movimentos e, tragicamente, o giro do PT à direita aconteceu junto com a aceitação da luta institucional como o único horizonte dos movimentos. Hoje, a maioria das antigas organizações de mulheres negras se transformaram em ONGs. Como as ONGs são financiadas ou pelo Estado ou por empresas, elas não têm independência para lutar até o final contra quem mais se beneficia do machismo e do racismo: o próprio Estado e as grandes empresas!
Para isso, influi também uma concepção que nós criticamos na luta contra o machismo, o racismo e a homofobia: o setorialismo. O setorialismo é uma prática que torna cada movimento de luta contra as opressões específicas um fim em si mesmo. Ao ver cada opressão específica como o único problema a ser resolvido, o setorialismo impede esses movimentos de criarem raízes onde as massas se organizam: os sindicatos, movimentos populares e estudantis.
Por isso, nós defendemos que as lutas contra o machismo, o racismo e a homofobia sejam travadas dentro dos movimentos da classe trabalhadora, com a perspectiva de uma nova forma de sociedade em que seja possível cortar pela raiz as fontes de todo tipo de discriminação: o socialismo.
A experiência das revoluções russa e chinesa, cubana e nicaraguense mostram que grandes avanços sociais só podem acontecer com a participação das mulheres e a destruição das estruturas e setores sociais que mantém o racismo e o machismo. Ao mesmo tempo, as limitações dessas revoluções mostram a necessidade da luta permanente pela libertação das mulheres e negros, que só pode se completar no socialismo. Essa ligação entre as lutas das mulheres e o antiimperialismo está presente hoje, na Venezuela, na Bolívia, no Paraguai, no Haiti, onde quer quer o imperialismo americano ou o subimperialismo brasileiro estejam atacando as condições de vida dos povos.
Com o tempo, a autoorganização das mulheres negras conseguiu algumas mudanças parciais (que ainda são aquém do necessário) dentro dos movimentos sindical, feminista e negro. Hoje em dia, por exemplo, campanhas contra a violência policial contra os jovens negros, a demonização das religiões de matriz africana pelos fundamentalistas cristãos e contra a terceirização (que afeta principalmente mulheres e negros) são feitas por militantes todos os movimentos, apesar dos burocratas que sempre tentam dividir a luta.
A feminista socialista americana Clara Fraser deu uma grande contribuição à teoria da revolução permanente ao mostrar que as mulheres da classe trabalhadora, principalmente as negras e lésbicas são o elo de união entre o movimento dos trabalhadores e as lutas contra as opressões específicas e podem ser a ponte para a radicalização revolucionária, se continuarem lutando até o fim pelas suas reivindicações, que não podem ser integralmente atendidas pela classe dominante.
Hoje em dia, temos que continuar essa luta. Temos que levantar as bandeiras formuladas pelo movimento de mulheres negras. Acima de tudo, temos que lutar pela presença cada vez maior de mulheres negras na base e na direção dos movimentos sociais e das organizações revolucionárias.