O Coletivo Lênin tem o orgulho de traduzir pela primeira vez para o português esta carta de James Patrick Cannon, o veterano revolucionário trotskista americano. Traduzimos porque é a mais perfeita explicação da nossa concepção do que deve ser uma internacional revolucionária.
Observação: nós concordamos que seria correto discutir com o Movimento 26 de Julho, dirigido por Fidel Castro e Che Guevara, na época em que a carta foi escrita (1962), porque o movimento estava dirigindo uma revolução socialista (tinha expropriado a burguesia entre agosto e novembro de 1960), e estava evoluindo à esquerda, em clara ruptura com as suas origens nacionalistas pequeno-burguesas. Mas, conforme Cuba teve que se adaptar ao bloco dirigido pela URSS, o PC cubano (formado em 1965) se definiu como uma organização stalinista, se posicionando contra a democracia socialista no Leste Europeu, apoiando governos de esquerda e voltando à teoria da revolução por etapas. Mesmo assim, Cannon e o Secretariado Unificado da Quarta Internacional continuaram consideramdo o PC cubano um partido revolucionário, o que levou a graves erros políticos.
James P. Cannon
22 de maio de 1961
Para o Comitê Político
New York, NY
Caros Camaradas,
Tenho estudado cuidadosamente as minutas da direção de 3 de maio. As observações de Morris Stein, Murry [Weiss] e Bob Chester sobre o movimento mundial estão muito de acordo com a linha do meu próprio pensamento. Também concordo com as observações de Dobbs no sentido de que a nossa resolução internacional, agora em fase de elaboração, dando uma declaração positiva sobre os nossos próprios pontos de vista no momento presente, é a melhor maneira de começar a nossa contribuição para a discussão internacional.
Eu acho que deveriam ser francamente apresentadas como tal, como nossa contribuição para a discussão internacional e, conseqüentemente, como Farrell indica em suas observações, que estarão sujeitas a possíveis modificações, mais tarde, à luz dessa discussão. Isso é simplesmente outra maneira de dizer que estamos dispostos a aprender, bem como ensinar; e não iniciar uma discussão com ultimatos.
A "fragmentação" do movimento internacional, de que falou Murry em suas observações, na minha opinião é, não totalmente, nem mesmo principalmente, uma manifestação negativa. Parece-me que todo o movimento internacional, em todos os seus ramos e as afiliações e setores independentes, está em um processo de fermentação e reexame dos problemas da construção do partido. Isso coloca uma discussão séria na agenda. Ela, por sua vez, pode conduzir finalmente a uma maior unificação das forças trotskistas internacionais, e de outros que ainda não se reconhecem como trotskistas.
Novas forças revolucionárias estão a surgir, nomeadamente no momento em Cuba, e provavelmente toda a América Latina, que nunca tiveram filiação internacional anterior, ou mesmo organização formal, por razões nacionais. Sabemos, também, de várias divisões do partido stalinista, no México. Há profundas divisões em outros partidos stalinistas na América Latina. Os trotskistas de lá recentemente fizeram uma fusão com um grupo de ex-stalinistas. Há um grupo de ex-membros d PC no Japão etc.
Se o nosso movimento deixar de prever e, conscientemente, visar a colaboração e eventual unificação com novas pessoas que estão realmente empenhadas em realizar uma revolução socialista, ou de se esforçar para isso, se marcará como uma seita fútil e sem vida, em vez de ampliar o movimento revolucionário, como Trotsky previu.
O objetivo da discussão não é produzir novas divisões e rachas até que não haja nada, a não ser uma igreja estéril só para a autossatisfação dos escolásticos. É certo que a discussão das diferenças óbvias, na sua primeira fase, forma linhas claras de diferenciação. Mas o objetivo do presente método de procedimento não é simplesmente congelar velhas divisões e fabricar novas. O objetivo, ao contrário, é colocar todos os pontos de vista na mesa para apreciação e discussão, com a expectativa de que alguns, senão todos, dos participantes da discussão vão mudar e aprender com os argumentos e os acontecimentos que se desdobram e se aproximar juntos em uma ampla unificação.
A idéia de uma internacional monolítica e de partidos nacionais monolíticos têm nenhum suporte nessas experiências. A história do bolchevismo, desde o seu início até a Revolução de Outubro, foi uma história não só de divisões, mas também de tentativas de unificação e unificações com os mencheviques. Não foi até 1912 que os bolcheviques formalmente constituíram-se como um partido independente e não mais como uma fração da social-democracia russa. E depois disso, não deve ser esquecido, porque o destino da revolução dependeu disto, os bolcheviques fizeram uma unificação com Trotsky e seu grupo após a Revolução de Fevereiro, e também deixaram a porta aberta para quaisquer sinais de uma virada revolucionária da parte dos mencheviques de esquerda.
O Partido Comunista da Alemanha originou-se com o grupo Spartacus, de Liebknecht e Luxemburgo. Mas isto foi seguido dois anos depois por uma unificação com a ala esquerda do Partido Socialista Independente, que deu ao Partido Comunista da Alemanha pela primeira vez uma base de massas. Na Inglaterra, o Partido Comunista foi criado através da fusão de um número de grupos sectários, nenhum dos quais tinha sido originalmente bolchevique. Na França e na Itália, os sindicalistas foram convidados. Nos Estados Unidos, o Comintern convidou o Partido Trabalhista Socialista (SLP), o IWW e da ala esquerda do Partido Socialista para participar do Segundo Congresso do Komintern.
O mesmo processo de divisões e unificações ocorreu em praticamente todos os outros países nos primeiros dias da consolidação dos partidos da Internacional Comunista. Nos primeiros congressos da Internacional Comunista, diferenças profundas e sérias sobre as questões mais importantes foram livremente discutidas. Lênin e Trotsky não tentaram eliminá-las por expulsões e divisões. O "monolitismo" começou com Stálin, e não com Lênin.
O método de Trotsky, na criação dos primeiros quadros da Oposição de Esquerda Internacional, após a sua deportação para a Turquia em 1929, foi traçar linhas claras de demarcação para o novo movimento, e, em seguida, construí-lo, não só por divisões, mas também pela unificação com outros grupos de oposição. E então, depois que os quadros originais do trotskismo internacional foram consolidados, Trotsky iniciou uma nova série de discussões e negociações com elementos centristas de esquerda em partidos independentes e outros que ainda permaneciam dentro dos partidos da Segunda Internacional.
O regime interno do nosso movimento internacional durante a vida de Trotsky nunca tentou impor monolitismo. Isso começou com Pablo. Os Boletins de discussão do nosso movimento internacional ao longo desse período mostram que as diferenças de opinião sobre as questões mais importantes surgiram de novo e de novo e foram livremente discutidas. Uma grande parte da nossa educação, de fato, foi obtida a partir dessas discussões.
O reconhecimento da União Soviética como um estado operário e da obrigação de defendê-la contra o ataque imperialista, era um princípio central do nosso movimento internacional no momento. Esta caracterização e essa atitude foram contestadas repetidamente, ano após ano, e livremente discutidas sem expulsões ou ameaças de expulsão.
Era um debate inflamado para nós naquele momento, assim como a Revolução Cubana é no presente, porque a opinião pública estava sendo mobilizada todos os dias por todas as agências imperialistas contra a União Soviética. Foi particularmente repreensível para Shachtman escolher esse período para lavar as mãos sobre a URSS. Mas, apesar dessa diferença profunda e terrível sobre uma questão tão ardente como a atitude em direção a uma revolução existente, Trotsky não defendeu um racha, nem mesmo se ficasse em minoria após a luta na Convenção. O racha aconteceu somente após a minoria se recusar a aceitar a decisão da Convenção.
Este ainda não é o fim da história. Sete anos mais tarde, conduzimos negociações sérias para a unidade com os shachtmanistas, apesar do fato de que não haviam mudado sua posição sobre a União Soviética no mesmo período. Aqueles que podem estar jogando com a idéia de um partido "monolítico" e uma internacional monolítica terá dificuldades em encontrar qualquer apoio isso nos ensinamentos e práticas do Velho.
Jim
"Trotsky nunca previu a IV Internacional como uma organização monolítica puramente trotskista, e sim como um amplo movimento revolucionário em que nós, trotskistas ortodoxos, possivelmente, sob certas condições e em determinados períodos, seríamos uma minoria. Ele declarou isso explicitamente em uma de suas cartas antes do Congresso de fundação em 1938. Ele propôs que Chen Tu-hsiu, que na época estava em forte conflito com a nossa seção chinesa sobre algumas questões importantes, fosse convidado para ser membro do Comitê Executivo Intemational.
ResponderExcluirO regime interno do nosso movimento internacional durante a vida de Trotsky nunca tentou impor monolitismo."
Isto é bem característico da personalidade do Trotsky... ele nunca se prendeu ao dogmatismo e ao ultimatismo partidário-ideológico. Em "A Revolução Permanente", se defendendo das acusações absurdas da escola stalinista sobre o seu suposto menchevismo, Trotsky afirma que, já divergindo dos mencheviques no ano de 1904, e também de Martov, considerado como a personalidade mais progressista dentro da corrente menchevique, nunca deixou de trabalhar pela unificação entre as diferentes correntes políticas dentro da social-democracia russa.
Se, por um lado, Trotsky tenha reconhecido que seus erros e suas divergências com Lenin tenham se dado principalmente por esse seu caráter conciliador, não podemos deixar de reconhecer que, por outro lado, a sua tolerância com as diversas correntes políticas era reflexo da sua recusa ao pensamento monolítico.
Obviamente que esta recusa não diz respeito apenas à sua personalidade, mas também às suas convicções teóricas. Em "A Revolução Traída", se opondo ao unipartidarismo soviético, o velho Leon afirma que até mesmo os trabalhadores possuem divergências entre si e, portanto, o pluripartidarismo seria legítimo em uma sociedade socialista.
Embora, é claro, a sociedade soviética não tenha sido socialista, rs. Isso precisa ser dito para não pensarem que Trotsky acreditava na existência do socialismo soviético. Mas enfim, a discussão estabelecida por Trotsky em "A Revolução Traída" trata da necessidade do pluripartidarismo mesmo em uma sociedade socialista.
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