Um país à beira da divisão
As tropas russas se encontram no momento estacionadas na fronteira da
Crimeia, numa das maiores crises diplomáticas dos últimos anos. A população da
Crimeia, 60% dela etnicamente e
linguisticamente russa, votou nesse 16 de março num referendo onde vai
decidir se permanece como parte da Ucrânia ou se é incorporada à Rússia. As pesquisas de boca de urna apontam para 93% a favor da integração. Já
houve deserções de divisões inteiras das forças armadas da Crimeia e a maioria
da população vê com simpatia a integração à Rússia.
A Crimeia, que pertenceu à Rússia até 1954 (dentro do quadro da União
Soviética), tem essa composição étnica em parte por causa da política
stalinista de emigração russa para as outras repúblicas soviéticas, com o
objetivo de enfraquecer qualquer possibilidade de separatismo. Por outro lado,
a maior minoria nacional da região são os tártaros, 13% da população, que
tiveram o seu direito à autodeterminação negado pelo stalinismo, e que até hoje
não conseguiram exercê-lo. Não é surpresa que a maioria dos tártaros apoiou a
oposição golpista.
A divisão da Ucrânia começou com o golpe vitorioso que derrubou o
presidente Viktor Yanokuyvich, alinhado com a Rússia. Esse golpe foi o
resultado final de um movimento de direita. Esse movimento, conhecido como
Euromaidan, começou em novembro passado, quando o presidente Viktor Yanokuvych
decidiu desacelerar o processo de entrada da Ucrânia na UE.
Logo o Euromaidan passou a ser controlado por grupos de extrema-direita,
que perseguiram comunistas e judeus e orientaram o movimento para o
ultranacionalismo. Como recompensa, a extrema-direita tem três ministros no
governo golpista.
O veneno
nacionalista
Botando mais gasolina ainda nessa fogueira, está o nacionalismo
ucraniano. A Ucrânia fazia parte do império czarista que foi destruído pela
revolução russa. Porém, a independência nacional durou o curto período antes da
degeneração do Estado Operário soviético. Com a ascensão da burocracia ao
poder, representada pela figura do Stálin, todo o chauvinismo russo, que Lênin
tanto combateu, voltou a ser a norma na Ucrânia.
Para o povo ucraniano, assim como para a maioria dos povos das repúblicas não-russas da antiga URSS, a política do stalinismo se confundiu com o comunismo. Essa é a origem do anticomunismo violento de parte da população do país.
Como não podem admitir isso, os vários setores
stalinistas acabam negando a realidade ou inventando explicações conspiratórias
sobre a influência de massas do fascismo no país.
Na década de 1930, para tentar combater o risco da aspiração do povo
ucraniano pela independência ser utilizada pela direita, o revolucionário de
origem ucraniana Leon Trotsky formulou a palavra de ordem "por uma Ucrânia
socialista e independente". A tragédia é que a destruição de todas as
correntes revolucionárias no país durante décadas impediu que essa perspectiva
criasse raízes no povo. Ao contrário, durante a Segunda Guerra Mundial, a
maioria dos nacionalistas ucranianos colaborou com os nazistas contra a URSS.
Esse ódio contra a opressão nacional por parte dos russos é o que
explica porque os fascistas ucranianos sejam pró-UE, enquanto os fascistas do
restante da Europa são contra. E explica também porque eles conseguem tanto
apoio popular.
A ameaça fascista
A maior organização fascista do país, Svoboda (Liberdade), conta com um
braço paramilitar e foi o responsável pela queima da estátua do Lênin em
outubro passado. Eles reivindicam Stepan Bandera, guerrilheiro ucraniano
pró-nazista. Como não poderia deixar de ser, também são antissemitas,
homofóbicos e defendem a prisão para mulheres que abortam. Além disso, a organização Setor Direita é paramilitarizada e compete com Svoboda pra mostrar qual é a fascista mais radical.
Se no tempo da URSS, em que a sociedade não era capitalista, já existia
opressão nacional, agora que a Rússia está tentando se fortalecer novamente
como potência imperialista, o saudosismo do PC ucraniano e outras organizações
é a receita certa para a Ucrânia continuar a ser uma semicolônia.
Mas, na luta contra o fascismo, temos que contar com as forças do
movimento dos trabalhadores, através da tática da frente única antifascista e
sua expressão militar, as autodefesas.
A luta contra o fascismo é inseparável da luta contra a sua causa, o
capitalismo. Precisamos contrapor o programa emancipador do comunismo contra
toda a reação. O partido revolucionário,
como disse Lênin, deve ser um "tribuno do povo", denunciando toda
forma de opressão que existe na sociedade. Lutar contra a homofobia e o
antissemitismo, combater na prática a visão tradicional sobre as mulheres.
Lutar contra o desemprego e a crise rompendo a "unidade nacional" com
os patrões.
Em 2012, nós dissemos que a Grécia era a chave da situação mundial,
porque era o país em que havia mais possibilidades concretas de uma revolução
socialista. Com a oportunidade perdida na Grécia, se ativou novamente a
dialética da revolução e da contrarrevolução: as oportunidades perdidas abrem o
caminho para derrotas ainda maiores.
A nossa tarefa internacionalista é tentar novamente reverter o pólo da
dialética, ajudando os trabalhadores ucranianos a derrotarem os fascistas,
jogando novamente a iniciativa para os revolucionários.
A Rússia
é imperialista ou não?
A entrada da Ucrânia na União Europeia significaria uma nova
semicolonização do país, só que dessa vez nas mãos de uma potência muito maior
que a Rússia. A independência nacional só pode ser conseguida, como Trotsky
disse, através de uma Ucrânia Socialista e Independente, expropriando os
gasodutos e demais empresas russas através das mãos de um governo direto dos
trabalhadores.
Diante da ameaça de intervenção russa, grande parte da esquerda apoiou a
Rússia, falando até mesmo da possibilidade de uma terceira guerra mundial.
Acreditamos que duas questões diferentes mas interligadas existem aí.
A primeira é a ideia de que o imperialismo russo é um
"contraponto" ao americano. Esse é um raciocínio pragmático e
imediatista. O imperialismo não se confunde com os EUA, a Rússia é tão
imperialista com as ex-repúblicas soviéticas quando os EUA com a América
Latina.
Algumas organizações estão dizendo que a Rússia não é imperialista. As
melhores defesas dessa posição, até agora, foram do PCO e da LC.
Segundo o PCO,
depois de mostrar a grande participação estrangeira no setor industrial e
bancário russo:
O poderio militar e econômico da Rússia coloca-a na posição de potência regional, com forte influência em diversos países, principalmente em antigos membros da União Soviética. A relação que possui com estas nações, no entanto, não podem ser caracterizadas como imperialistas. Por mais que possa explorar a outra nação, não possui a força de um governo imperialista e, principalmente, não controla setores fundamentais do mercado mundial.
Já a LC fala que "O "imperialismo" da Rússia e da China são
substancialmente diferentes. A definição de pré-imperialistas pode ser um termo
mais apropriado. E argumenta corretamente que
Não basta orientar-se apenas por um índice para determinar se um país é ou não imperialista. Por exemplo, se tomarmos o ranking do PIB isoladamente, imediatamente a questão do PIB per capita surge. O parâmetro fundamental é a relação entre as nações. É isto que define se uma nação é oprimida pelas grandes potências imperialistas ou se sua economia é integrada às estruturas imperialistas mundiais para explorar outras nações pelo benefício mútuo de ambos. No ultimo caso, trata-se de países que tomam carona nas potências imperialistas; eles penetram nos mercados abertos pelas grandes potências. Todavia, em todos os índices Brasil, África do Sul e Índia não são potências imperialistas. Nem o são a Rússia e a China na maioria deles.
Na verdade, uma definição mais adequada sobre a Rússia seria
"imperialismo regional". Não se trata mesmo de uma potência de
primeiro plano. Mas nem todos os países imperialistas estão no mesmo patamar.
Por exemplo, a Espanha sem dúvida é um país imperialista, e tem menos
multinacionais que a Rússia na lista da Forbes. Se a Rússia não tem nenhuma
bolsa de valores entre as maiores, isso é mais do que compensado pelo seu poder
militar.
Não faz sentido colocar a Rússia mais como subimperialista (assim como a
China), como fazíamos alguns anos atrás, porque o motor da economia desses
países não é determinado pelo capital imperialista, o que é o caso do Brasil ou
da Índia. Apesar de não terem conseguido ainda virar potências mundiais (a
China já está se tornando), são imperialismos ascendentes em busca de zonas de
influência.
Fortalecer a Rússia (ou o pólo Rússia-China) contra os EUA só pode
levar, a longo prazo a... esse bloco se tornar o imperialismo hegemônico. O que
os trabalhadores ganhariam com essa brincadeira de gangorra???
O pior é que a Rússia é a ameaça imperialista imediata para o povo
ucraniano. A ideia de que o imperialismo russo, que prende e reprime a oposição
em seu próprio país e faz leis contra homossexuais, pode cumprir um papel
antifascista, é totalmente fora da realidade. O objetivo do governo russo é
manter a sua zona de influência e seu acesso ao Mar Negro.
Infelizmente, a maioria do povo da Crimeia tem ilusões no imperialismo
russo, e provavelmente vai votar pela integração à Rússia no referendo. Mas uma
vez, o nacionalismo que está destruindo a Ucrânia leva os trabalhadores para um
beco sem saída, agora nas garras do governo autoritário de Putin.
Então, a política de algumas correntes, de apoio à Russia significa um
suicídio político perante a maioria do povo ucraniano, e passaria a ideia de
que a esquerda tem o rabo preso com a Rússia, fortalecendo ainda mais a
popularidade da extrema-direita. Os comunistas não lutam a favor do
imperialismo mais fraco contra o mais forte - somos antiimperialistas.
Além disso, os companheiros precisam acertar as contas históricas de
suas caracterizações. Se a Rússia era imperialista na Primeira Guerra Mundial,
e a Rússia de hoje é semicolonial, como diz o PCO, isso significa que todo o
período de economia planificada foi um enorme retrocesso das forças produtivas
- justamente o que a propaganda anticomunista sempre falou.
Ou então, os companheiros vão ter que apelar para o impressionismo à
beira do delírio e dizer que a catástrofe econômica dos anos 1990 foi
suficiente pra transformar a segunda potência mundial em uma semicolônia.
Estamos
caminhando para uma nova guerra mundial?
Além disso, descartamos a possibilidade de guerra mundial no futuro
previsível. É verdade que Lênin definiu o imperialismo como uma época de
"guerras, crises e revoluções", e que falou que qualquer equilíbrio
entre as potências é temporário e que as disputas se resolvem através da guerra
interimperialista.
Porém, nos noventa anos desde a morte de Lênin, a integração econômica e política entre os países imperialistas avançou muito. Por exemplo, a União Europeia era inimaginável na época da Primeira Guerra Mundial. Além disso, o avanço da tecnologia militar, com os armamentos nucleares torna praticamente certa a destruição de toda a civilização no caso de um conflito imperialista generalizado.
Esses fatores tornam a possibilidade de uma guerra interimperialista muito remota. As contradições principais do imperialismo não são resolvidas mais com guerras mundiais, e sim com disputas econômicas, por zonas de influência e através de guerras de rapina, como na Líbia, no Mali e tantos outros casos.
As tarefas imediatas
Diante
do cenário político complicado na Ucrânia, o Coletivo Lenin defende
majoritariamente esta política internacional:
Defendemos o direito à autodeterminação do povo da Crimeia, inclusive o seu direito a se separar a Ucrânia e se integrar à Rússia, se quiser. Defendemos que seja respeitado o resultado do referendo de 16 de março. Diante da possibilidade de invasão da Ucrânia para passar por cima da decisão do referendo, estamos no campo militar na Rússia, escolhida como país pela população da Crimeia.
Uma guerra com a Rússia transformaria a Ucrânia num barril de pólvora, com grandes chances de criar uma guerra civil de longa duração, prejudicial a todas as nacionalidades. E fortaleceria o governo golpista, que seria visto por parte da população como a única solução contra a Rússia.
Por isso, diante da possibilidade de divisão da Ucrânia através de uma guerra entre o governo russo e o governo golpista ucraniano apoiado pela UE, entre zonas de influência da União Européia e da Rússia, somos pela derrota dos dois lados, e defendemos que os trabalhadores ucranianos, russos e tártaros se unam numa frente única contra o governo golpista.
Uma Ucrânia socialista e independente seria um exemplo para todos os povos da Europa e do mundo. Ainda é uma perspectiva muito distante, nesse cenário de reação em que está o país. Mas, desde já, temos que lutar para construir o instrumento que pode dirigir uma futura revolução para esse objetivo: um partido revolucionário dos trabalhadores, seção de uma nova internacional.
Toda a nossa ação internacionalista nesse momento deve ser para dar mostrar o repúdio á intervenção militar, de qualquer potencia imperialista ocidental ou em ascensão, e para mostrar a possibilidade de uma saída socialista contra o governo que surgiu do golpe.
Os
companheiros que defendem a outra posição política internacional pleitearam o
direito de debate público, assim como a publicação da posição deles,
minoritária:
A partir do Oeste do país, um golpe apoiado por um movimento de massas nacionalista e fascista instalou um governo dos nacionalistas fascistas em aliança com a máfia burguesa pró-UE, e logicamente apoiados pelo imperialismo Europeu (encabeçado pela Alemanha) e apoiado pelos EUA.
No Leste os trabalhadores de maioria étnica Russa são contrários ao golpe e ao controle do governo provisório fascista pró-UE, e por isso combatem abertamente nas ruas e lugares etratégicos com milícias Anti-Maiden o avanço do movimento fascista pró-UE EuroMaiden; na Republica Autônoma da Criméia um referendo poderá decidir pelo futuro da região como independente da Ucrânia entrando para a Federação Russa, o que provavelmente a UE e os EUA não aceitarão, e que levará a Rússia a entrar na Criméia com o apoio da maioria dos trabalhadores da região e o apoio político internacional da China, isso como forma de garantir o reconhecimento nacional e internacional do Referendo.
Nesta situação defendemos, principalmente no caso de uma futura guerra regional, que seja respeitado o Referendo da Criméia ou de qualquer Estado ou Republica Autônoma da Ucrânia baseado no direito de autodeterminação dos povos, tal como defendido por Lênin durante a Guerra Civil Revolucionária em relação a Finlândia, e que a tarefa imediata dos trabalhadores de todas as etnias e nacionalidades, comunistas e socialista, é criar uma grande frente única antifascista contra o governo fascista e o movimento EuroMaiden, e isto quer dizer estar militarmente no mesmo campo da Rússia contra o governo fascista no Oeste da Ucrânia, porém garantindo claramente a independência política do Imperialismo Russo.
Após a derrota dos grupos fascistas pró-UE, a conjuntura política irá mudar radicalmente, e se fará necessário o enfrentamento militar da Frente Antifascista dos trabalhadores comunistas e socialista contra o projeto de dominação política e econômica da burguesia russa mafiosa instalada no Leste da Ucrânia, o que implicará na tomada de todas as fábricas e representações políticas e militares pelos trabalhadores armados e organizados pela Frente Antifascista, sob a bandeira da Republica Socialista Dos Trabalhadores da Ucrânia.
Esta tarefa não será fácil, ainda mais que ainda não existe um partido verdadeiramente revolucionário e de massas e uma internacional que organize os trabalhadores com independência política de todas as frações burguesas mafiosas da Rússia e da Ucrânia. Ao longo dessa luta, no campo político e militar, será inegável esta necessidade, e que a constituição desta importante ferramenta da classe trabalhadora trará um salto de qualidade na luta dos trabalhadores da Ucrânia contra a opressão de todas as frações do Capital, e poderá ser um importante exemplo para os trabalhadores dos países mais explorados na UE, satélites do imperialismo Alemão, assim como para os povos da oprimidos que são satélites do Imperialismo Russo em ascensão.
tô lendo agora.
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