Reproduzimos aqui a matéria do Jornal do Brasil, em que um militante do Coletivo Lênin foi entrevistado
Rio: arbitrariedade e autoritarismo do governo estimulam mais protestos
Especialistas comentam postura de Cabral e Paes à frente da administração pública
A greve dos garis no Rio, que após um longo impasse foi encerrada no sábado (8), pode ter revelado muito mais do que a insatisfação de uma categoria com as condições de trabalho. O sociólogo Robert Ezra Park, da Escola de Sociologia de Chicago, pioneira em pesquisas urbanas, afirma que a cidade vai muito além do seu arranjo espacial com edifícios e instituições: ela resulta dos sonhos dos seus habitantes. Partindo desse conceito, sociólogos, urbanistas, cientistas políticos e antropólogos alertam que decisões radicais, ou até mesmo a omissão do poder público, com consequências que desagradam a população, estão eclodindo em movimentos de classes contra os governos municipal e estadual. Além disso, os projetos para a Copa do Mundo e Olimpíadas executados pela administração Eduardo Paes podem gerar danos irreversíveis ao perfil social, cultural e econômico da cidade.
Fevereiro foi marcado pela insatisfação do carioca com o novo sistema de mobilidade urbana implantado pela prefeitura, que transformou a rotina do trabalhador num verdadeiro martírio. Já a primeira semana de março chegou com o Carnaval e, de forma surpreendente e atípica, teve o seu brilho ofuscado, desta vez pela falta de flexibilidade do poder público municipal, que levou centenas de garis a cruzarem os braços e a cidade ser tomada pelo lixo. A Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb) reagiu ao movimento de um grupo de garis que rejeitou o acordo feito entre município e o Sindicato dos Empregados das Empresas de Asseio e Conservação, anunciando um processo de demissão em massa dos trabalhadores dissidentes. A companhia justificou que a possibilidade de demissão está na cláusula 65 do acordo firmado com o sindicato. Juristas consultados pelo Jornal do Brasil consideram a decisão arbitrária e passível de recursos na Justiça. As demissões acabaram revogadas.
O advogado Reginaldo Mathias, especializado em Direito do Trabalho, avaliou que a medida da Comlurb foi "arbitrária" e "questionável". "É discutível e deve percorrer três ou quatro instâncias do Tribunal Regional do Trabalho. A greve é um direito do trabalhador e quando ela é contrária aos interesses da população deve sofre punições sim, mas optar por demissão já é um ato extraordinário e muito radical. Acredito que houve um excesso", considerou ele. Para Marcus Ianoni, professor do departamento de ciências políticas da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em ciência social, o primeiro aspecto a ser considerado é que o Brasil é uma democracia e há o direito de greve.
"Trata-se da greve de uma categoria que desempenha uma função muito importante para a cidade, mas que, tradicionalmente, é submetida às mesmas condições de exploração que outras categorias de serviços domésticos e braçais são submetidas, em função da desvalorização desse tipo de trabalho, que remonta à condição de escravidão. Ou seja, trata-se de uma greve socialmente importante para que superar uma histórica situação de injustiça nas relações de trabalho", avaliou Ianoni.
O sociólogo acredita que a Comlurb e o prefeito deveriam levar em conta o direito de greve e a peculiaridade desse ato para lidar com a situação de maneira mais política e mais democrática, e não de modo punitivo - "apoiando em decisões precipitadas e de primeira instância da Justiça do Trabalho, que aprovou demissões de algumas centenas de garis", acrescentou ele. Ianoni observou que o país está mudando, e um dos reflexos desse processo é a greve dos garis do Rio, que para ele despertaram uma "os novos tempos". "A prefeitura precisa estar à altura dos novos tempos democráticos e de conquistas sociais. Precisa buscar incansavelmente a negociação com a categoria, pensar em plano de carreira etc", destacou.
As análises feitas pelo especialista em História Contemporânea e Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Carlos Teixeira, apontam que o contexto atual do Rio de Janeiro é fruto da consolidação de um "padrão" nas relações entre governo com os movimentos sociais e as demandas sindicais. "Desde a greve dos bombeiros, em 2011, e depois as demandas de várias categorias, com a eclosão do movimento dos professores em 2013 e agora dos garis, é a completa recusa e negação de negociações ou intermediações - inclusive legitima e necessária, do Legislativo estadual e municipal. O governador e o prefeito - que usam largas verbas e recursos para obras que devem transformar o Rio numa cidade-monumento - se recusam a conversar com várias categorias, cujos salários são menores do que em estados bem menos aquinhoados, inclusive de royalties, do que o Rio", disse Teixeira.
Teixeira explicou que o "padrão" é um misto de "não podemos", embora haja verba para inúmeras obras não prioritárias, como o Cais em "Y" e seus acessos ou a "louca ideia" de colocar um museu da imagem e do som em frente ao mar, e em seguida a criminalização dos movimentos, com forte apoio da mídia - "e esta ainda busca culpar a população pela sujeira, no tipo cada um carregue seu lixo", acrescentou. Ele disse que, apesar da "culpa" atribuída à população, não foi possível encontrar na Cinelândia, na Carioca ou no Largo de São de Francisco nenhum contêiner da prefeitura. "Ontem [6/3] e hoje a Saara está suja, sem contêineres. Da mesma forma, os banheiros são insuficientes e caros, mesmo sabendo-se de antemão o volume dos foliões", descreveu ele ao visitar o Centro da cidade a pedido do Jornal do Brasil.
Desta forma, disse Teixeira, o Rio de Janeiro tem hoje a ausência de pré-medidas adequadas, como cointêineres, banheiros, centros de recolhimento de fantasias e adereços e de coleta de latas, além de péssimos salários, criminalização e encobertamento pela mídia televisiva. "O prefeito deveria ir a Festa da Cerveja em Munique e tirar de lá alguns exemplos, simples e práticos, como as canaletas-urinol e os contêineres em cada esquina e acima de tudo colocar a remuneração de quem lida com uma questão crucial como lixo num patamar mais político e menos policial", sugeriu o especialista.
Ativistas alertam para novas manifestações
"Faltando menos de três meses para a Copa do Mundo, vemos no Rio de Janeiro os protestos dos professores, estudantes, garis e outras classes. Todos questionam as políticas urbana, habitacional, educacional e de outros segmentos, adotadas pelos governos de Eduardo Paes [prefeito] e Sérgio Cabral [governador], que não dão espaço para diálogo, mas quando as manifestações tomam proporções massivas eles recuam, mas depois dos momentos de pressões voltam às decisões anteriores, num ciclo vicioso". O cenário foi descrito por um dos membros do Fórum Popular do Rio de Janeiro, Thieplo Bertola, que ainda alerta para futuras manifestações contra os megaeventos esportivos na cidade.
Thieplo acredita que o poder público no Rio está "jogando pesado" a favor do setor privado, especialmente na realização dos projetos para a Copa do Mundo. "Enquanto a população está deixada de lado, a prefeitura e o governo estadual estão completamente comprometidos com as cooperativas envolvidas nas obras para os megaeventos que vão acontecer agora", disse ele. Participante do grupo chamado "Coletivo Lenin", um dos que integra o Fórum Popular, Thieplo conta que em todas as reuniões gerais realizadas pela organização as conclusões são negativas quanto a atuação do governo. "Avaliamos que as mobilizações que estão acontecendo na cidade têm como motivação as atitudes do prefeito, de desprestigia o carioca", disse ele.
O ativista alerta que os novos Projetos de Leis que criminalizam os protestos, greves e qualquer movimento que possa questionar as ações governamentais, pode incentivar outros atos populares nos próximos meses. "Eles [governantes] vão endurecer, o que é ruim para a democracia e demonstra que a administração pode mudar os seus rumos e formas de negociação de acordo com os interesses políticos", disse Thieplo.
Líderes da Frente Independente Popular do Rio de Janeiro convocaram esta semana, pelas redes sociais, uma manifestação contra a Copa do Mundo. A postagem na página da organização convida os internautas para um ato marcado para a próxima quarta-feira (12/3), com concentração na Candelária, Centro. A mobilização, apelidada pelo grupo de "Ato Nacional do Não Vai Ter Copa", vai protestar contra a o projeto de lei 728, que segundo a postagem "pretende restringir e criar diversos crimes, entre eles, o crime de terrorismo"
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