Rosa Luxemburgo, marxista revolucionária!
Exatamente há noventa anos atrás, no dia 19 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, fundadores do Partido Comunista Alemão, foram assassinados por paramilitares monarquistas, com permissão do governo social-democrata, que deixou os matadores entrarem na cela onde eles estavam presos.
A partir de então, Rosa e Karl se tornaram símbolos da Revolução Alemã de 1918-1923. A sua derrota marcou o fim da onda revolucionária aberta com a Primeira Guerra Mundial e, por causa dela, o isolamento e a degeneração da revolução russa.
Depois disso, dois tipos de oportunistas usaram a figura de Rosa para combater o comunismo. Primeiro, os stalinistas, que inventaram o mito de que Rosa foi uma “espontaneísta”, que negava a necessidade do partido revolucionário.
Depois, os que falsamente a defendiam, se denominando “luxemburguistas”, como a DS e o Enlace, que pintam ela como uma social-democrata contrária aos bolcheviques e à insurreição dirigida pela vanguarda dos trabalhadores.
Por isso, precisamos estudar a vida da mulher mais importante da história do movimento operário, para entender melhor suas posições.
Vida e luta na Polônia
Rosa nasceu numa família de judeus de classe média em Zamosc, na Polônia (então sob domínio da Rússia), em 1870.
Desde cedo, a questão nacional dividia a esquerda polonesa. O primeiro partido em que Rosa militou, o SKDPiL (Partido Social-Democrata da Polônia e da Lituânia) era um pequeno grupo que defendia a unidade na luta entre os trabalhadores de todas as nacionalidades do império russo, enquanto o PPS (Partido Socialista da Polônia), que era bem maior, subordinava a luta de classes à unidade com a burguesia nacional polonesa, para conquistar a independência do país.
Nesta época, ela já defendia que a questão nacional era tática, e que devia se subordinar à luta pelo socialismo. E que a independência das nações oprimidas, se acontecesse dentro dos limites do capitalismo, iria apenas criar países-marionetes das grandes potências imperialistas. A partir desta análise, ela e Lênin foram contra a bandeira de independência da Polônia.
Um pouco mais tarde, Rosa foi para a Alemanha, que era o centro mundial do movimento socialista, e passou a trabalhar como jornalista e professora no Partido Social Democrata alemão (SPD).
Reforma ou Revolução?
Neste momento (1899), Bernstein estava começando o que passou a ser conhecido como revisionismo. Ou seja, a tese de que as contradições do capitalismo estavam diminuindo, não levando mais o sistema a crises, permitindo uma melhora contínua na vida dos trabalhadores e que, por isso, o caminho para o socialismo deveria ser pacífico, através das eleições e dos sindicatos, sem necessidade de uma revolução violenta no auge de uma crise.
Ou seja, o que a maioria da esquerda hoje faz na prática, mesmo que diga o contrário nos seus jornais. Não é por acaso que nenhum desses partidos se preocupa em manter um aparato clandestino de comunicação, alojamento e armamento.
Contra Bernstein, Rosa escreveu seu livro Reforma ou Revolução?, onde mostra claramente que o marxismo é uma teoria do colapso do capitalismo devido às suas próprias contradições. E que só as crises permitem que a classe trabalhadora lute pelo poder. A crise mundial que estamos vivendo agora, a maior de todos os tempos, prova mais uma vez quem estava certo nessa polêmica!
Contra os reformistas e centristas
Já nessa época, a social-democracia estava divida em duas alas, a maioria reformista e uma minoria revolucionária, enquanto Kautsky e outros ficavam em cima do muro, fazendo um discurso radical, enquanto capitulavam aos reformistas na prática, tipo o que o PSTU faz hoje com o PSOL.
Esta divisão cresceu mais ainda em 1905, após a revolução na Rússia. Rosa viajou para lá, e escreveu sua obra Greve de Massas, Partido e Sindicatos. Nesse livro, ela mostra que o movimento de massas espontaneamente recorre a formas de greve geral durante os ascensos. E que o papel do partido é orientar politicamente estas mobilizações com uma tática socialista.
Nesse momento, a direção da social-democracia estava impedindo que o descontentamento dos trabalhadores se transformasse em greves e passeatas. A desculpa que eles davam para isso era que os sindicatos deveriam ser apolíticos. Segundo Rosa, o papel dos sindicatos é levar as posições revolucionárias para as massas – por isso eles devem se subordinar politicamente ao partido. É exatamente o contrário da política de “democracia e luta” da CUT e da CONLUTAS, que dá aos sindicatos a tarefa de serem “combativos” apenas nas lutas por salários e condições de trabalho.
A partir de 1905, a ala direita da social-democracia cresceu cada vez mais. Rosa era cada vez mais perseguida pela direção do partido. E eles fizeram isso de uma maneira hipócrita, dizendo que, como ela era mulher, o seu papel era organizar as lutas contra o machismo. Na verdade, essa concepção é que era machista, porque relegava aos homens a tarefa de elaborar a política geral.
Rosa, como era uma revolucionária conseqüente, se negou a este papel “setorial”, o que não é o caso de muitas militantes na esquerda, desde aquela época. Ela lutou muito pelas reivindicações das mulheres, mas intervindo na política geral e nas grandes disputas do movimento.
A crise da Social-democracia
Em 4 de Agosto de 1914, com o começo da Primeira Guerra Mundial, a Segunda Internacional abandonou o seu programa como quem abandona um cachorro, e votou nos créditos para financiar a guerra em quase todos os países. Isso deixou claro que estes partidos tinham se tornado uma base de apoio ao sistema entre os trabalhadores.
Ao mesmo tempo, Kautsky, Bernstein e outros, eram contra a guerra, mas eram pacifistas. Queriam apenas que ela acabasse e o sistema voltasse ao normal.
Diante disso, os revolucionários tiveram, em primeiro lugar, que denunciar a guerra e tentar mobilizar os trabalhadores contra ela. Karl Liebknecht ficou conhecido pela sua palavra de ordem “O Inimigo Principal está em Casa!”, que significava que o alvo dos trabalhadores não poderiam ser seus irmãos de outros países, e sim a classe dominante do próprio país.
Rosa, junto com Lênin, defendia a política do derrotismo revolucionário, ou seja, mobilizar os trabalhadores e soldados contra o governo, para derrubá-lo e transformar a guerra imperialista em guerra civil pelo socialismo. Por conta dessa agitação, ela e Karl foram presos várias vezes.
Um novo partido e uma nova Internacional
Ao mesmo tempo, os comunistas se reorganizaram, primeiro como um grupo dentro do SPD (Grupo Internacional), depois formando um novo partido, o USPD (Partido Social-Democrata Independente), junto com a ala centrista de Kautsky. Neste ano (1916), eles começaram a usar o nome de Liga Spartacus (Spartacus foi o líder de uma revolta de escravos durante o Império Romano).
Só em dezembro de 1918, já durante a revolução, é que foi formado o Partido Comunista Alemão (KPD). Talvez esse tenha sido o grande erro de Rosa: subestimar a necessidade de criar uma organização revolucionária independente. Em vez disso, ela continuou anos a fio no partido dos reformistas (um pouco como as correntes que querem “disputar o PT”), e depois montou um partido “estilo PSOL” (sem nenhuma unidade política e teórica), com os pacifistas, que ia rachar dois anos depois. Isso impediu os comunistas de darem uma luta prolongada contra os reformistas, o que fez com que os pelegos continuassem dirigindo a classe e, assim, impedindo a revolução de ser vitoriosa.
De qualquer forma, a própria importância que ela deu à questão do partido, e à necessidade de combinar a luta legal e a ilegal, mostra que o “luxemburguismo” defendido por alguns grupos é uma fraude. Não bastasse isso, em Greve de Massas, ela mostrou como a tática da greve geral política enterrou de vez o anarcossindicalismo, que sempre achou que a espontaneidade das massas seria orientada para lutas econômicas (e não políticas), e que isso levaria à revolução.
A outra grande tarefa era reconstruir a Internacional, ainda mais porque, na era do imperialismo, é indispensável uma organização mundial unificada. Por isso, a Liga Spartacus, formada pela ala revolucionária da social-democracia alemã, foi participante de todos os esforços para criar a Terceira Internacional, a partir da Conferência de Zimmerwald (que agrupou todos os setores que eram contra a guerra). Rosa escreveu “O que quer a Liga Spartacus?”, que seria o projeto do programa da nova Internacional.
Revolução e Contra-Revolução na Alemanha
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, e estimulados pela vitória da revolução na Rússia, os trabalhadores e soldados começaram a criar conselhos, um organismo poder contra a burguesia. Os conselhos se espalharam por todo o país, com o objetivo de substituir a monarquia por uma República dos Trabalhadores, baseada na democracia direta.
Infelizmente, este movimento foi dirigido pelo SPD, que negociou com a monarquia uma nova constituição, salvando o capitalismo. No Congresso dos Conselhos, a grande maioria rejeitou a proposta comunista de que os conselhos deveriam governar. O SPD indicou Scheiderman e Noske para o governo, sob o lema de que “a socialização está avançando”, garantindo algumas reformas e a instalação da República, ao mesmo tempo em que esmagava os trabalhadores revolucionários.
O resultado disso foi a chamada República de Weimar, dilacerada por conflitos, e que acabou sendo destruída quando Hitler tomou o poder. Houve tentativas de insurreição comunista, em 1918, 1921 e 1923. Na repressão à primeira delas, Rosa e Karl foram presos dentro da sede do partido (cometeram este erro primário!) e, depois, assassinados.
O Partido não estava preparado para tomar o poder. Uma mostra disso é que as posições de Rosa (participação na Assembléia Constituinte para denunciar a república, extensão dos conselhos de trabalhadores ao campesinato e uma preparação maior antes do assalto ao poder) foram derrotadas no Congresso de fundação pela maioria, influenciada pelo anarco-sindicalismo.
Assim, os trabalhadores foram dirigidos a uma série de tentativas precipitadas. O partido quase foi destruído, e logo depois se dividiu. Depois da derrota, o setor mais anarcossindicalista rompeu com a Internacional, atacando Lênin e os bolcheviques. Eles ficaram conhecidos como esquerdistas.
Mas os primeiros espartaquistas nos deixaram o seu legado político e teórico, o seu exemplo de luta antiimperialista. Por isso, Rosa faz parte da experiência do movimento operário, e consideramos que a sua contribuição ao marxismo é tão importante quanto a de Lênin e a de Marx.
As Polêmicas sobre o Partido...
Quando os stalinistas passaram a dirigir a Terceira Internacional, em 1925, começaram a difamar Rosa Luxemburgo. E muitas dessas calúnias ainda são levadas a sério, até mesmo pelas correntes que falsamente se dizem marxistas.
A maior de todas as calúnias é que Rosa negava o papel dirigente do partido. Para isso, citam o seu texto de 1904 sobre A questão da organização na social-democracia russa, que é uma polêmica com Lênin. Na verdade, a forma de organização do partido não pode ser fixa, ela depende da correlação de forças entre as classes. Numa situação de repressão, como havia na Rússia czarista, o partido deve ser clandestino, e o mais fechado possível. Já numa fase de ascenso do movimento de massas ou durante revoluções, os critérios para a entrada de militantes devem ser afrouxados, para ganhar os setores da classe que acabaram de chegar à consciência comunista.
O próprio Lênin defendeu que o partido se tornasse de massas em 1905. E Rosa, quando viu que os bolcheviques estavam sendo acusados pelos mencheviques de serem blanquistas (ou seja, um grupo fora da classe, com o objetivo de dirigi-la conspirativamente), os defendeu.
Não estamos querendo dizer que não havia divergências reais, mas que elas eram mais específicas, com uma importância muito menor do que admitem os picaretas que usam essa polêmica para atacar o leninismo.
De qualquer forma, a experiência mostrou que o centralismo democrático leninista é muito melhor para organizar os revolucionários. Para levar adiante as posições de Rosa, precisamos fazer a crítica de sua concepção de partido. O próprio KPD sofreu muito as conseqüências de ter uma estrutura parecida com a de um partido social-democrata, durante a Revolução Alemã, como a falta de coordenação das ações (a direção acabava servindo apenas para formular a linha geral e o jornal, enquanto a tática ficava nas mãos das células).
...Sobre a Democracia Socialista...
Esse tipo de crítica geralmente vem junto com uma avaliação de que a revolução russa se degenerou por causa da política dos bolcheviques. Isso reflete uma concepção idealista da história, em que a vontade é tudo e as condições materiais, nada.
Rosa, em A Revolução Russa (1918), disse claramente que os bolcheviques fizeram tudo o que foi possível nas condições em que estavam, mesmo criticando a sua política em relação ao campo, à independência da Ucrânia e da Letônia e à dissolução da Assembléia Constituinte.
Ao mesmo tempo, nessa obra, ela antecipa a tese de Trotsky sobre a degeneração da revolução e da democracia operária, provocadas pelo isolamento internacional gerado pela derrota da revolução alemã. Assim, em Rosa já existem elementos para combater as concepções stalinistas de socialismo num só país e de ditadura do partido.
Outra mentira clássica sobre Rosa é quando dizem que ela foi contra a ditadura do proletariado. Na verdade, ela mesma disse que “A democracia é a forma de aplicar a ditadura”. De um ponto de vista abstrato, as suas posições são idênticas às de Lênin em O Estado e a Revolução. Ou seja, de que o Estado burguês deve ser destruído e substituído por um governo direto dos trabalhadores armados, sem exército, com a administração eleita, revogável e sem privilégios materiais.
O que acontece é que ela combateu alguns desvios cometidos pelos bolcheviques na condução da revolução, ao mesmo tempo em que reconhecia a necessidade de esmagar a contra-revolução com todos os meios necessários. A sua defesa da “liberdade de quem pensa diferente”, 100% correta, estava subordinada à necessidade de reprimir a burguesia.
O próprio Trotsky, analisando a experiência da Rússia, mostrou que os bolcheviques foram obrigados a adotar algumas medidas de exceção, mas que logo depois do esmagamento da contra-revolução, a sociedade deveria contar com a legalidade de todos os partidos que apoiassem os sovietes, e com plena liberdade de expressão e organização.
... E sobre o Imperialismo
Mas o que fez todos os pelegos mais atacarem a revolucionária foi a sua teoria do imperialismo, exposta em A Acumulação do Capital, de 1913. Este livro despertou uma onda de ataques tão grande que até hoje ele é considerado “maldito” pela quase totalidade das organizações e intelectuais que se reivindicam marxistas.
Segunda essa teoria, o capital, para crescer, deve vender as mercadorias que representam a mais-valia, ou seja, o sobre-trabalho. Para isso, não pode se basear na venda das mercadorias para os trabalhadores (que só contam com o seu salário) ou para os próprios empresários (senão, a mais-valia seria consumida, sem se acumular). Para existir uma expansão da produção, é necessário que exista um mercado não-capitalista (de pequenos produtores de mercadorias).
No tempo de Rosa, grande parte da Terra ainda vivia numa economia camponesa. Então, a projeção que ela fez era de que o imperialismo significava este impulso do capital para absorver todos esses mercados. E que, quando eles tivessem se esgotado, seria impossível continuar a reprodução do capital, levando o sistema ao COLAPSO.
Obviamente, todos os reformistas de ontem e de hoje precisam dizer que o capitalismo pode durar eternamente. Se o sistema estiver caminhando para o colapso, a revolução socialista vai passar a ser uma necessidade da sobrevivência da humanidade, e não algum “ideal” de “justiça”, que pode ser adiado para o futuro distante. Ao mesmo tempo, Lênin e os bolcheviques por motivos diferentes, foram contra a teoria de Rosa, o que os levou a vários erros na avaliação da crise do capitalismo. Em outro texto, falaremos melhor sobre isso.
O Colapso do Capitalismo Hoje
Por isso, desde a publicação da teoria de Rosa, eles passaram a atacar a sua FORMA (a idéia de um colapso rápido), para negar o seu CONTEÚDO (a idéia de que o capitalismo vai se auto-destruir). Na verdade, o que o período aberto por volta de 1965-1970 (quando as principais sociedades camponesas que restavam, na América do Sul, na Ásia e na África, foram absorvidas pelo mercado mundial capitalista) mostrou é que o colapso do sistema é através de uma DEPRESSÃO CRÔNICA da economia real, como foi provado pelo jovem Kautsky, com uma argumentação um pouco diferente, em sua obra Teorias das Crises, de 1901.
Ou seja, desde a década de 1970, estamos vivendo numa CRISE ESTRUTURAL, que nada mais é do que a DECOMPOSIÇÃO DO CAPITALISMO. Essa decomposição toma a forma de desindustrialização mundial, desemprego em massa, financeirização da economia (porque o mercado real está esgotado), queda na taxa de lucro real, diminuição dos trabalhadores na produção.
Ao mesmo tempo, essas circunstâncias levam parte da população a VOLTAR A RELAÇÕES DE PRODUÇÃO PRÉ-CAPITALISTAS, como o trabalho por conta própria, a semi-escravidão (que voltou a crescer a partir da década de 1980) ou a parceria. Assim, o capitalismo tem destruído a sua própria base social (a grande indústria), levando a uma regressão de toda a sociedade. Isso inclui a volta de ideologias reacionárias, como o irracionalismo (pós-modernismo), o fundamentalismo religioso, a falta de expectativa de futuro etc.
Por isso, a expressão “socialismo ou barbárie” NÃO É uma figura de linguagem! Se a revolução socialista continuar sem ser feita, o futuro que nos espera é a regressão da sociedade e a destruição da nossa civilização. Isso é o que nenhum reformista pode admitir!
Ser Luxemburguista Hoje
Como vimos, a estratégia da social-democracia que assassinou Rosa foi uma versão (muito mais à esquerda) da via institucional pregada pelo PT e o MST. Rosa nos deixou uma série de lições na luta contra o reformismo e o centrismo, que valem até hoje.
A sua concepção do papel tático da luta pela libertação nacional, quando a maioria da esquerda se pendura no saco dos nacionalistas como Chávez e Morales. A rejeição das alianças com a burguesia e da acumulação de aparatos sindicais e eleitorais, enquanto esse é o resumo da prática de quase todos os partidos. O internacionalismo, que foi quase esquecido atualmente. A recusa do setorialismo feminista, quando ele é usado como desculpa para alienar as mulheres da elaboração da política geral. A concepção de socialismo como um produto da ação das massas, que o partido deve dirigir, mas não controlar, contra todas as teses burocráticas do stalinismo.
E, acima de tudo, Rosa provou cientificamente que o capitalismo não vai durar para sempre. Ele está em desintegração, e por isso não faz sentido tentarmos nos adaptar a ele. Por isso, a nossa estratégia deve estar voltada à preparação das massas para que a próxima crise se transforme na próxima insurreição.
Hoje, Rosa se tornou como Che, Lênin e Marx para a maior parte da esquerda: apenas uma foto para ser lembrada uma vez por ano, sem nada a ver com a prática. A maior homenagem que podemos lhe prestar é sermos luxemburgistas hoje: utilizar na nossa prática todas as suas contribuições políticas e teóricas.
Parabéns pela análise camaradas, vejo muitos massacrarem o "Acumulação do Capital" a tal ponto que a Isabel Loureiro, presidente no Brasil da Rosa Luxemburg Siftung não ter incluído essa obra na reedição das obras completas dela, que possuo os 3 volumes.
ResponderExcluirAlgumas coisas me chamaram a atenção: por exemplo, a afirmação de que o capitalismo vai se autodestruir naturalmente e que o Socialismo será uma necessidade para não voltarmos a um modo pré-capitalista de produção.
ResponderExcluirVaticinar que o Capitalismo irá colapsar por si mesmo é de um mecanicismo e determinismo econômico ingênuo. Afirmar que iremos retornar a um modo de produção anterior, caso não passemos ao comunismo, como se a História retrocedesse uma etapa, é completamente ridículo. A verdade é outra: caso o capitalismo prossiga com todos os seus EFEITOS DESTRUTIVOS, ele inviabilizará a própria vida na terra, além de esgotar os recursos ambientais. O que os marxistas mais ortodoxos precisam entender é que o FIM do Capitalismo não é uma inevitabilidade, como uma espécie de virtualidade finalisticamente destinada a se atualizar com o movimento histórico. Não existe teleologia na História considerada em-si mesma, e nesse ponto a concepção materialista da História proposta MARX difere radicalmente do teleologismo/finalismo histórico de HEGEL!
O Capital já demonstrou a sua grande maleabilidade para se ajustar diante das dificuldades; sua capacidade de contornar artificiosamente as próprias crises, e assim segue autoreproduzindo e se reafirmando como sistema de controle sociometabólico dominante, ainda que em perpétua crise, posto que suas contradições internas se agravam cada vez mais. Nós sabemos, nesse ponto, que o Capitalismo produz seus próprios antagonismos, assim engendrando a POSSIBILIDADE de sua negação e superação. Veja: a negação do capital e do capitalismo é da ordem da POSSIBILIDADE ou da PONTECIALIDADE histórica e econômica, que eu espero se realize, mas nunca uma INEVITABILIDADE.
Apreender as condições científicas para que um projeto tático de superação do Capitalismo seja construído e levado a efeito era o principal objetivo de MARX. Não haveria a necessidade de tal apreensão se o capitalismo por si só entrasse em colapso. Mas com o Socialismo Científico, pelo contrário, não há voluntarismo de um lado, já que a revolução não ocorre por sentimentalismo ou espontaneismo políticos; e tampouco há determinismo econômico que prediga a necessária bancarrota capitalista ou nosso retorno a relações de produção pré-capitalistas. Ninguém melhor que Michel Lowy para esclarecer:
''A ação prescrita por essa teoria[da revolução comunista] ... não é voluntarista como a dos socialistas utópicos ou dos blanquistas; ela é uma política realista no sentido lato do termo, ou seja, fundada sobre a estrutura, as contradições e o movimento do próprio real; e por que é realista, supõe uma ciência rigorosa, uma ciência que estabelece, em cada momento histórico, as condições da ação revolucionária. A síntese entre o pensamento e a ‘práxis subversiva’, que existe como tendência em toda a obra de Marx, atinge sua figura concreta na teoria e na prática do comunismo de massas: a revolução torna-se científica e a ciência, revolucionária.''
Rodolfo.
ResponderExcluirRodolfo,
esse ponto é justamente sobre a maior contribuição original da Rosa ao marxismo revolucionário - a fundamentação dos limites absolutos do capitalismo.
A maioria das organizações imaginam que o capitalismo vai "esperar" a revolução acontecer, mantendo a mesma estrutura social. Isso leva a um dogmatismo ao formular a análise de classes e a estratégia baseada nela. Um exemplo disso são as organizações que defendem que a centralidade da classe operária se mantém (com o que concordamos), mas baseados no pressuposto falso de que a classe operária aumenta constantemente no capitalismo (o que, tirando o caso provisório da China, não émais verdade há mais de 30 anos).
O próprio Marx chegou a pressentir a possibilidade da luta de classes terminar sem a vitórias dos revolucionários, com a regressão da sociedade, no Manifesto Comunista: "uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta".
A frase de Engels, "socialismo ou barbárie" tem o mesmo sentido. A revolução é necessária não somente para fazer justiça aos trabalhadores, e sim para manter a própria civilização. Foi esse o sentido que Rosa recuperou, no meio da Primeira Guerra Mundial: “O colapso de toda a civilização como a da antiga Roma, despovoamento, desolação, degeneração – um grande cemitério.” (A Crise da Socialdemocracia)
Trotsky também manteve o mesmo conceito: "No entanto, se se admite que a guerra atual provocará não a revolução, mas um declínio do proletariado, então resta outra alternativa: a maior decadência do capitalismo monopolista, sua maior fusão com o estado, e a substituição da democracia ali aonde ainda existia por um regime totalitário. Atualmente, e sob estas condições, a incapacidade do proletariado para tomar em suas mãos a direção da sociedade, poderia levar ao crescimento de uma nova classe exploradora, a partir da burocracia fascista bonapartista. De acordo com essas evidências, este seria um regime de decadência, que assinalaria a eclipse da civilização". (A URSS na Guerra)
Mas isso seriam só as posições dos teóricos marxistas se não existissem exemplos concretos da roda da história retrocedendo uma etapa:
- a Alta Idade Média (séculos V-X)
- o colapso do Império Inca
- a dominação imperialista sobre a China no século XIX
- a restauração do capitalismo na ex-URSS
Mesmo nos países onde não existe um retrocesso absoluto das forças produtivas, a diminuição do peso dos trabalhadores que produzem mais-valia na economia cria uma grande massa de trabalhadores subempregados ou desempregados permanentes. Um livro muito bom sobre as consequências sociais disso é o Planeta Favela, de Mike Davis.
Ou seja, as forças produtivas do capitalismo não são mais compatíveis com as suas relações de produção. Isso necessariamente cria condições para a regressão social, que pode ser muito acelerada pela catástrofe ecológica. E o Acumulação do Capital foi o primeiro que mostrou os limites absolutos para o capitalismo, por isso nossa forte referência na Rosa Luxemburgo.