Greve: os trabalhadores recomeçam a andar com as
próprias pernas.
Uma grande
greve tomou o Brasil nos últimos 3 meses. Começou com os professores de várias
universidades federais e se espalhou por muitos outros setores do funcionalismo
público. Técnicos administrativos e estudantes seguiram a mesma atitude e
declararam greve em muitas dessas mesmas universidades.
A partir daí,
algumas universidades estaduais se uniram à luta, como foi o caso da UERJ no
Rio de Janeiro, que inclusive contou com a adesão de diversos servidores
públicos estaduais.
Tentaremos
fazer uma análise desse processo de greve no seu decorrer, onde atuamos
principalmente no movimento estudantil da UFRJ e UERJ, e veremos a grandeza de
sua importância, ainda mais no momento atual. Veremos também os seus limites
dados nesse processo, fruto tanto do momento histórico que vivemos quanto da
precariedade das direções proletárias na luta de classes.
Um breve
balanço dos fatos
O ano é 2011. A
Associação Nacional dos Docentes do
Ensino Superior (ANDES) negocia reivindicações com o governo, dentre elas o
reajuste salarial a ser implementado no ano seguinte (2012) e outras pautas
como plano de carreiras e melhorias das condições de trabalho.
Como de praxe, o Governo usa todos os artifícios para manobrar as
negociações (marca e desmarca reuniões, pressiona, burocratiza as negociações,
ameaça, etc.). Não houve mobilização de luta nas bases, o cenário mundial é
ainda consequência da crise econômica de 2008. O resultado é uma derrota. O
Governo pressiona a ANDES a assinar um termo com uma pauta provisória a ser
implementada até março do ano seguinte, dando 4% de aumento com colocações vagas
para as outras reivindicações, um erro que custaria muito no futuro. A promessa
do Governo era que essa pauta emergencial seria somente para que se pudesse
encaminhar a proposta para a lei de diretrizes orçamentárias, mas as
negociações deveriam continuar logo em seguida. Uma armadilha é claro. O Estado
mais uma vez simplesmente passa por cima dos representantes dos trabalhadores e
nenhuma negociação é mais levada a sério.
O ano é 2012. Aparentemente, tendo aprendido
com os erros do ano anterior a ANDES começa uma grande mobilização a nível
nacional. Uma série de assembleias é chamada nas Instituições Federais de
Ensino para se discutir luta pelos direitos. Denúncias das condições de
trabalho são feitas, exigência de reajuste salarial sério e o mais importante, um plano de carreiras
estável que pudesse combater o caráter de empreendedor produtivista. Como uma onda, fruto da mobilização dos
trabalhadores pelo Brasil inteiro, as universidades começam a declarar greve.
Uma onda que cresce rapidamente e leva os professores a construir a maior greve
(em termo de número de universidades), que chegaria a um total de 59 das 59
IF’s brasileiras.
É importante salientar a adesão em massa de
outros setores a greve dos docentes federais, como os técnicos administrativos
das universidades, outros setores do servidorismo federal, trabalhadores do
servidorismo estadual em vários estados, em especial no Rio de Janeiro, e
principalmente milhares de estudantes em mais das 30 universidades em greve que
também entraram em greve estudantil, em apoio às demandas docentes e lutando
por suas próprias demandas. O Coletivo Lenin acompanhou o movimento grevista, e
interviu no setor estudantil, dando origem junto com outros estudantes de
militância independente a um novo grupo classista de atuação prática nas
universidades: A Juventude em Luta.
Greve de 2012: um ascenço.
Não podemos entender todo esse processo de
greve, sem entender o momento histórico em que vivemos. Para compreender o
presente, precisamos dar uma boa olhada para trás para nos preparar para o que
virá em seguida.
Para qualquer organização política séria, que lute pela revolução
socialista, é impossível deixar de lado a perda da classe trabalhadora de
qualquer referência à alternativa socialista de uma nova sociedade. O fim da
URSS e a queda do mudo de Berlim marcaram o fim de uma época de revoluções
sociais, dando origem a uma etapa reacionária no cenário mundial, onde a contra
propaganda socialista se hegemonizou do globo. O falso discurso de que o único
modo de existência do socialismo era o stalinismo, que havia sido derrotado
pelo infinitamente superior sistema capitalista deixou cada vez menos margem a
discussão política profunda no cotidiano da classe trabalhadora. Pra piorar a
situação, o contra ataque burguês veio mais contundente, amparado pela origem
do neoliberalismo e a perpetuação do pós-modernismo como cultura, que acabou
jogando para a marginalidade qualquer movimento social. Antes a classe
trabalhadora tinha a existência da URSS para poder debater, hoje não se sabe
sequer o que significa socialismo.
Vivemos uma época de perda de direito
trabalhistas, terceirizações, discursos da ultra direita tomando cada vez mais
forças, dificuldade de reorganização do movimento operário e uma ineficiência
da vanguarda de dar uma resposta à altura ao retrocesso em que vivemos há 20
anos. Esse tem sido o fardo dos trabalhadores, principalmente da juventude que
nasceu e se desenvolve nessas condições.
Após um período nefasto, marcado apenas
pelas lutas, unicamente para se proteger dos ataques ferozes da burguesia,
quando não pela inércia e apatia dos movimentos sociais. Quando empresários e
banqueiros se deitavam em suas camas depois de mais um dia de roubos e
exploração, ela chegou na calda.
Mais uma crise econômica, mais uma vez o
mecanismo de destruição de forças produtivas entrou em ação para recuperar as
altas taxas de lucro. A crise econômica de 2008, comparada pela própria
imprensa burguesa à crise de 1929, chegou com tudo. Demissões em massa, injeção
de trilhões de dólares ao redor do mundo para salvar bancos e empresas da
falência, e o principal: cortes nos serviços sociais (educação, saúde,
encarecimento de bens e serviços, etc.).
Com tantas agressões, a classe trabalhadora,
ainda que timidamente, começou a dar seus primeiros passos não só para se
defender, mas para se fazerem ouvidas e lutarem por demandas a muito esquecidas.
Com greves por todo o mundo (Espanha, Chile, Grécia) e a primavera árabe, onde
importantes países no oriente médio tiveram sua população se levantando e
derrubando ditaduras de décadas.
É nesse contexto que o servidorismo público
se levanta hoje no Brasil contra mais um governo burguês sem vergonha de dar
quase metade do dinheiro público para bancos e empresas para pagar dívida
pública, mas que nega o equivalente a 5 vezes menos para atender as demandas
nacionais dos trabalhadores do setor público.
Por isso não podemos deixar de apontar a
importância desse movimento grevista, depois de 2 décadas de apatia, a classe
trabalhadora mostra que está viva, e aqui no Brasil inclusive. Movimento que
servirá como referência de que é possível se levantar e lutar e que servirá de
exemplo para aqueles que se acostumaram com uma atmosfera de estagnação.
Esse ascenso da classe trabalhadora nos dá
muitas oportunidades. Mas não podemos cair no “oba oba” e achar que tudo mudará
de uma hora pra outra. A maioria da classe ainda se encontra completamente
ausente de qualquer debate político mais profundo. Todos esses protestos
decorreram vazios de um caráter classista e sem a presença massiva do setor
operário, classe responsável pela produção de todas as riquezas materiais e
inimiga principal da burguesia.
A conjuntura do pós-URSS ainda predomina na
consciência da classe trabalhadora. E as suas direções falham em lidar com a
situação de forma concreta e em realizar um trabalho de base e reconstrução do
movimento operário que a longo prazo possa voltar seus olhos para o horizonte
de uma nova sociedade socialista.
O problema da direção:
A greve, apesar de ser a maior em número de instituições aderentes,
enfrentou gravíssimos problemas. Além das truculências do governo e seus braços
(reitores, chefes de repartições, etc.), e das palhaçadas da mídia que já são
de praxe, o movimento bateu de frente com as consequências do momento histórico
em que vivemos. Baixo nível de mobilização de base, ausência de unidade dos
setores grevistas por uma pauta integrada e restrição da greve ao servidorismo
público, os fura greves de sempre amparados pelo discurso pós-moderno, etc.
Já fizemos um levantamento da situação na
qual a classe trabalhadora se encontra após o fim da União Soviética. A
condição material vigente é o que determinará a correlação de forças nas lutas
contra os inimigos da classe, as conquistas e ganhos, o grau de mobilização.
Mas em todo setor dos movimentos sociais, podemos observar sempre uma
vanguarda, que, a princípio, organiza e dá os rumos políticos das lutas e
reivindicações dos movimentos sociais. O que queremos dizer com isso? Que o
caminho do movimento popular, estudantil ou sindical é sempre guiado por uma
vanguarda de militantes, que estará à frente das mobilizações, negociações e
lutas; mas esse caminho será sempre limitado pela situação material histórica
em que vivemos.
Greve estudantil: um momento raro, uma prática comum.
É mais do que importante, não deixar os
erros e o fato das demandas grevistas não terem sido completamente atendidas
tirem a significância de um movimento nacional que há muito tempo não se via no
movimento estudantil brasileiro. Os estudantes aproveitaram o momento de
efervescência e se levantaram contra esse governo pilantra, que só faz os ricos
ficarem mais ricos e os que trabalham mais pobres. Se levantaram em defesa dos
professores em greve, mas também com uma série de demandas históricas do
movimento estudantil, mas ainda muito atuais.
A direção da greve se constituiu a muito
custo, num comando nacional de greve, eleito desde as assembleias de base.
Tarefa que geralmente ficava claramente restrita às correntes de maior peso
político, dessa vez passou por um amplo debate antes de ser deliberada.
Pontos positivos a serem considerados, no
entanto, não apagam o balanço concreto e sério que precisa ser feito depois de
evento tão importante.
Apesar de um mecanismo mais democrático para
se definir a direção da greve nacional, esta acabou se desenhando como já era
esperado. As correntes com mais militantes no movimento estudantil acabaram por
conquistar uma composição maior na direção. Esta composição se deu em sua
maioria pela ANEL (PSTU), seguida pela oposição de esquerda da UNE (esquerda do
PSOL), depois a direção majoritária da UNE (PT e PCdoB) e alguns outros setores
minoritários, como a RECC, Coletivo marxista, etc.
O que pôde ser observado, infelizmente, foi
também o esperado. A mesma velha prática política de sempre. A tática da
burocratização, da passagem de rodo pura e simples, tanto nas assembleias. E
também na primeira reunião do comando nacional. que contou com mais de 50
delegados e 400 estudantes, tendo uma duração de aproximadamente 12 horas, para
no final, por trás do plenário, ignorando todo o debate feito, como numa
rodinha de amigos, uma dúzia dos burocratas de cada corrente se reuniu para
decidir o que seria votado e como, e o que não merecia atenção; tudo segundo
seus interesses pelegos (PCdoB), aparatistas (PSTU), eleitoreiro (PSOL) ou de
medo de combater as correntes maiores e dizer a verdade (demais correntes).
Um esforço tremendo por parte da direção, principalmente por parte do
PSTU, foi feito para impedir que coletivos menores e estudantes independentes
se expressassem, ou simplesmente propusessem novas palavras de ordem, por
estarem à esquerda demais da sua prática (fim do vestibular, gestão das
universidades por trabalhadores e estudantes). Vimos também todo um espaço
propenso a debate político profundo sendo transformado de propósito numa
verdadeira cena de disputa entre torcidas organizadas entre os pelegos de
sempre da direção majoritária da UNE (PCdoB), e o PSTU e o seu projeto
particular de UNE não governista: a ANEL.
O debate foi tão pobre, que se resumiu a ser
contra ou a favor do PNE, contra ou a favor do REUNI, pela UNE ou pela ANEL.
Não se denunciou o caráter de classe do governo, a necessidade de trabalhadores
e estudantes gerirem seus espaços independentemente desse Estado, não se falou
em defesa das cotas, muito menos ainda em fim do vestibular. Os estudantes de
base que se encorajaram a reclamar contra essa prática foram simplesmente
ignorados, sofrendo com a famosa passagem de rodo já citada.
Não é a toa que na UFRJ, tivemos na primeira
assembleia quase 2000 pessoas, e na última, não somavam 100 os presentes. Se
todo o esforço a frear as radicalizações, institucionalizar a luta grevista,
burocratizar os espaços de discussão e deliberação tivesse sido empregado desde
o início em aumentar a mobilização nas bases, realização frequente de assembleias;
o resultado talvez tivesse sido diferente. O Coletivo Lenin esteve presente e
ciente dessas demandas. Conseguimos avançar um passo no caminho da criação de
uma corrente revolucionária dentro do movimento estudantil, que foi o
surgimento da Juventude em Luta.
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Não podemos nos iludir ou passar uma falsa
impressão sobre o que aconteceu. Jogar a culpa da greve esvaziada nas direções
seria muito mais fácil, mas errado. Vivemos um retrocesso conjuntural, como
analisamos; o que implicaria de uma forma ou de outra, numa greve esvaziada até
certo ponto. Isso quer dizer que mesmo que a direção grevista fosse a mais
revolucionária do planeta, não conseguiria grandes vitórias, pois há
dificuldades materiais. O que não diminui a prática desprezível da direção
estudantil grevista. Ou ela não consegue enxergar esse retrocesso do movimento,
e formular uma política correta, fato que a torna incompetente; ou ela sabe e
age de modo a frear a mobilização, se tornando traidora. De qualquer forma, é
necessária a construção de uma corrente combativa e revolucionária inserida na
base para reverter esse quadro. A Juventude em Luta é um embrião desse projeto.
Se você concorda, venha construir esse novo movimento estudantil conosco.
Coisas que não podem deixar de ser ditas.
É importante não deixar de denunciar os
papéis das ferramentas de dominação dos empresários e banqueiros.
O Estado não fica esperando a classe
trabalhadora e os estudantes tomar consciência do seu processo de luta para
começar a atacar. O papel do Estado sempre foi e sempre vai ser o de favorecer
a classe social que está no topo da sociedade. Hoje, essa classe é representada
pelos banqueiros empresários.
METADE do PIB é entregue para pagar dívida
interna e externa. Dinheiro dado de graça aos ricos. Centenas de bilhões foram
dados, em forma de isenção de impostos, subsídios, etc. foram repassados a
esses senhores nos tempos de crise. E o discurso que somos obrigados a escutar
agora é de que não há dinheiro para os profissionais da educação e da saúde.
Tem dinheiro pra quem não trabalha e só fica enriquecendo, mas pra quem rala
todo dia não tem dinheiro. Congressistas têm décimo quarto e décimo quinto
salários e ganham aumentos estrondosos todo ano, mas pra médico e professores
não há dinheiro? Só há ameaça de corte de ponto? Proposta de privatização?
Demissões?
Não se pode deixar de falar também do papel dessa imprensa maldita que
estressa os nervos de qualquer militante, que mente para o trabalhador, que o
engana e tenta os jogar uns contra os outros. Primeiro, passa 1 mês e mal se
fala na greve nacional, como se fosse uma coisa que logo vai passar. E quando
noticia alguma coisa é “Governo oferece 48% de aumento para professores em
greve”. A imbecilidade de se dizer uma coisa dessas é digna de uma associação
podre dos empresários da indústria da venda de notícias. Isso só mostra a necessidade de um imprensa
da própria classe trabalhadora. Que os meios de comunicação sejam tomados das
mãos de meia dúzia de famílias donas de TV, jornais e rádio; e passem a ser
controlados por trabalhadores.
Conclusão
Esse texto teve o objetivo de fazer a
análise sobre os acontecimentos relacionados à greve que o Brasil presenciou
nos últimos meses. Mostramos a conjuntura na qual ela se deu. Seus limites e seus
defeitos, sem deixar de lado a importância de um levante desses, mostrando que
a classe trabalhadora, mesmo depois de muitos anos ainda está viva; e o
movimento estudantil ainda é capaz de pegar toda a revolta contida na juventude
explorada e lutar pelos seus direitos.
A greve agora se encaminha para o fim (na
UFRJ, professores no dia 31/08/2012 e estudantes no dia 03/09/2012 já saíram da
greve). Com o ultimato do governo com a proposta de 3 aumentos anuais de 5% que
mal cobrem a inflação, as categorias devem começara ceder. É insatisfatório,
mas não devemos desanimar. Esse episódio pode ter sido o primeiro de muitos.
Devemos ficar atentos aos inimigos dos
trabalhadores. Não acreditar em nenhuma mentira que os porcos da imprensa
tentam contar. O governo, a fim de garantir o lucro das empresas e bancos em
tempos de crise, vai atacar mais e mais os trabalhadores e cortar verba dos
serviços públicos. Caberá a nós, organizar uma resistência, ao mesmo tempo em que evidenciamos como único meio de acabar com essas
contradições da ganância da burguesia é lutar pela tomada do poder pelos
próprios trabalhadores.
Para isso, devemos nos engajar na construção
da ferramenta política da classe trabalhadora, que possa organizar e dirigir a
classe na luta pelo fim do capitalismo: o Partido Revolucionário dos
Trabalhadores, que defenda:
Greves apoiadas em mobilizações de massa
Sem aparatismo, ou burocratização dos espaços de
discussão
União do movimento grevista, com outros setores,
principalmente com o setor operário
Denúncia do caráter burguês do Estado
Fim do Vestibular! Livre acesso já!
Estatização das universidades privadas, sob controle
dos trabalhadores e estudantes.
Gestão dos trabalhadores e estudantes das
universidades pública.
Pelo fim da terceirização. Contratação imediata dos
terceirizados!
Combate ao racismo, machismo e homofobia!
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