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Somos uma organização marxista revolucionária. Procuramos intervir nas lutas de classes com um programa anticapitalista, com o objetivo de criar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, a seção brasileira de uma nova Internacional Revolucionária. Só com um partido revolucionário, composto em sua maioria por mulheres e negros, é possível lutar pelo governo direto dos trabalhadores, como forma de abrir caminho até o socialismo.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Considerações sobre o PT (Nova Dialética)


Reproduzimos aqui esse artigo do blog do companheiro Tejo, militante trotskista do PCB. Nós fundimos as duas partes em uma, e reproduzimos aqui nosso comentário sobre uma crítica que ele faz ao CL.


Considerações sobre o PT - I


Temos necessidade de rótulos. E isso não é ruim, na medida em que nos ajude na tarefa de compreender o mundo. O problema é quando o rótulo se torna mais importante que a coisa rotulada; é quando o significante não corresponde mais ao significado, mas nos recusamos a disassociá-los. É aquele trecho do "Romeu e Julieta" de Shakespeare: se "rosa", a flor, tivesse outro nome, continuaria exalando o mesmo perfume. Poderíamos chamá-la de qualquer outra forma. Mas se "rosa", o termo, se refere para nós àquela flor que exala perfume, não podemos chamar assim aos, digamos, cactos. Que, mesmo chamados de "rosas", continuarão verdes, ásperos e espinhosos.

Esses jogos terminológicos costumam confundir muito na política, quando se dá ao nome mais importância que à prática concreta. Olhem a sopa de letrinhas partidária brasileira: "democracia", "popular", "social" etc. abundam nas siglas, sem que haja a menor correlação fática entre o nome e a práxis. Daí se banaliza o conceito: muda-se o nome e, como a rosa de Shakespeare, o partido continuará sendo a mesma coisa. O "Partido Democrático Popular" é o mesmo "Partido Social Popular", que... em nada se diferencia do "Partido Popular da Democracia Social". As combinações são infinitas.

O lulodilmismo também se insere na tradição de estelionato terminológico. Por ser "Partido dos Trabalhadores", pensou-se (eu inclusive, em 2002) que o PT governaria, oras, para os trabalhadores. Ledo engano: não foi apenas o governo da reforma da previdência, da cooptação dos movimentos sociais, da lei de falências pró-banqueiros, das PPP's, da manutenção dos leilões do petróleo; foi também o governo em que o tema da flexibilização dos direitos trabalhistas voltou à ordem do dia. Por um lado uma tradição com raízes na classe operária, com afinidade com o campo progressista internacional; por outro a prática fomentadora do Capital -financeiro principalmente- e o reconhecimento, na figura de Lula, por parte de Obama, de ser "O Cara". Eis armada a confusão em corações e mentes. Causa estranheza, mas apenas para aqueles que não compreendem o caráter do bonapartismo.

Durante algum tempo, fiquei inclinado a considerar acertada a análise do governo petista como sendo uma frente popular. É como a Liga Bolchevique Internacionalista o define, por exemplo. Mas há problemas nessa caracterização. A frente popular consiste no enfrentamento ao fascismo mediante a conciliação entre partidos operários e burgueses, formulação através de Dimitrov a partir do VII Congresso da Internacional Comunista. Foi o giro do stalinismo à direita, após a fase ultraesquerdista do terceiro período:

The new perspective [i.e., a frente popular] called for wide-ranging and frankly class collaborationist alliances. It sought to defeat fascism by building electoral coalitions between Communists, Social Democrats, and pro-capitalist liberals (...)

Apud Paul Le Blanc e Kunal Chattopadhyay, "Workers' United Front: Against Fascism and Reformism". É diferente portanto da frente única, alianças com organismos de massa reformistas e socialdemocratas, mas sempre no campo operário.

Caracterizar o lulodilmismo como uma frente popular pressupõe, portanto, o colaboracionismo entre setores operários e burgueses. Que a burguesia está no governo, não há dúvidas; a dúvida surge quando é preciso apontar setores operários no governo. Aceitemos que haja setores da classe trabalhadora na sua base de sustentação, como a CUT e a CTB, por exemplo. Não importa agora se são cooptados e/ou se representam a aristocracia sindical- veremos isso a seguir. Basta que aceitemos, por ora, essas centrais como elementos operários de apoio ao governo. Vejamos: apoiar o governo não significa ter participação e, muito menos, ter influência nele. Vale dizer: a frente popular, por ter como característica a colaboração de classes, requer atuação ativa dos atores envolvidos; o papel coadjuvante pode ser lançado a um lado ou outro, mas de modo cambiante, conforme a situação concreta. Se os setores operários governistas vão a reboque, não se pode falar em frente popular. É evidente que em toda e qualquer frente popular a classe trabalhadora sairá prejudicada: colaborar com a classe dominante jamais ajudará a classe dominada. Daí Trotsky dizer (aqui):

Os teóricos da Frente Popular não vão, no fundo, além da primeira regra da aritmética, a da adição: a soma dos comunistas, dos socialistas, dos anarquistas e dos liberais é superior a cada um dos termos desta soma. No entanto, a aritmética não é suficiente neste caso. É necessário utilizar, no mínimo, a mecânica: a lei do paralelogramo de forças verifica-se inclusive na política. A resultante é, como se diz, tanto menor quanto mais as forças divergem entre si. Quando os aliados políticos puxam em direções opostas a resultante é igual a zero. O bloco dos diferentes agrupamentos políticos da classe operária é absolutamente necessário para resolver as tarefas comuns. Em determinadas circunstâncias histórias, onde um bloco como este é capaz de arrastar para si as massas pequeno-burguesas oprimidas cujos interesses são próximos dos do proletariado, a força comum de tal bloco pode mostrar-se muito maior que a resultante das forças que o constituem. Ao contrário, a aliança do proletariado com a burguesia, cujos interesses, no momento atual, nas questões fundamentais, formam um ângulo de 180 graus, não pode, via de regra, mais que paralisar a força revolucionária do proletariado.

Mesmo derrotados de antemão, os setores operários, em qualquer frente popular, participam em igualdade (ou semiigualdade, que seja) formal. Por sua vez, o grau e o teor da colaboração dependerão, como dito, da situação concreta. Parece-me, então, que os setores operários da base de apoio ao governo têm papel muito mais que secundário, sendo verdadeiros figurantes nos rumos da vida política. Ao contrário, portanto, dos apadrinhados do BNDES, da FEBRABAN, Eike Batista et caterva. Quanto aos setores sociais do campo, também não recebem melhor tratamento do lulodilmismo, vide a pouca influência do MST que, aliás, não é de hoje tem demonstrado sinais de descontentamento com o governo. Afinal, "a reforma agrária não faz parte da pauta do governo Dilma, não faz parte da política do PT" ("Reforma Agrária parada: governo federal assentou apenas 6 mil famílias em 2011", aqui).

Pode-se alegar, então, em socorro da tese da frente popular, que há partidos operários na base de sustentação. Mas também no viés puramente partidário a tese não se sustenta- salvo se considerarmos PCdoB, PSB e PDT partidos operários. Mas tanto em conteúdo programático (o PCdoB inclusive, que, apesar do nome "comunista", defende em seus documentos um nacionaldesenvolvimentismo rasteiro) quanto, principalmente, na prática, são partidos socialdemocratas, senão social-liberais, que é nada mais nada menos que o neoliberalismo mitigado. A socialdemocracia é a ala esquerda do capitalismo, e isso significa ainda ser capitalista. Há sectarismo em dizer isso? Em absoluto, basta que se recorde Lênin em Que fazer?:

(...) o problema coloca-se exclusivamente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista. Não há meio-termo (pois a humanidade não elaborou uma "terceira" ideologia; e, além disso, em uma sociedade dilacerada pelos antagonismos de classe não seria possível existir uma ideologia à margem ou acima dessas classes). Por isso, toda diminuição da ideologia socialista, todo distanciamento dela implica o fortalecimento da ideologia burguesa.

O partido que não traz a radicalidade, mas, ao contrário, propõe melhorias e reformas é um partido do sistema. Como tal, não pode ser operário, sendo o sistema burguês. Na sociedade dividida em classes, ficar em cima do muro é endossar a classe dominante. Isso não quer dizer, naturalmente, que não haja revolucionários sinceros ainda dentro de tais partidos. A insistência na legenda, porém, é mostra -eu falo em revolucionários sinceros- de descolamento da realidade, às raias da ingenuidade. Não basta sinceridade se o método, a ferramenta, é ruim.

Há o caso das correntes entristas. Revolucionárias, ainda que em tese, disputando internamente a organização reformista. Seria o caso da Esquerda Marxista (corrente brasileira da IMT de Alan Woods) e a "O Trabalho", da qual aliás a EM é dissidência, ambas dentro do PT. Mas não me parece decididamente o entrismo trotskyano, e sim sua degeneração pablista. Em todo caso: possuir algumas tendências revolucionárias não faz de um partido revolucionário. Também aqui a influência das correntes revolucionárias/ operárias é mínimo, para que se pudesse dar outra caracterização ao PT.

Se não há participação da classe trabalhadora, ou se há de forma meramente infinitesimal, não estamos diante de uma frente popular. É um governo pura e simplesmente de direita. E tal definição se estende ao partido que está à testa, o PT. Considerá-lo um partido operário é absurdo; um "partido burguês operário", ou "operário burguês", como chegou a defender o Coletivo Lênin (aqui), é de uma teratologia gritante (tal como seria um "Partido Capitalista Comunista" ou "Comunista Capitalista"). A melhor caracterização, penso eu, é a da Liga Comunista: partido burguês com influência de massas ("O caráter de classe do PT e a tarefa dos revolucionário", aqui).

É evidente que a caracterização do PT como um partido burguês com influência de massas é adequada. Jamais, desde sua origem, foi concebido como uma partido socialista revolucionário; o que havia -e isso é coisa bem diferente- eram tendências revolucionárias, mas jamais a ponto de constituirem um todo homogêneo, e mesmo essas tendências eram minoritárias. Lincoln Secco ("História do PT. 1978- 2010", Ateliê Editorial), nesse sentido, destaca "que o PT surgiu de pelo menos seis fontes diversas", a saber: o novo sindicalismo, Igreja Católica, egressos do MDB, intelectuais liberais, organizações trotskystas (fazendo entrismo) e remanescentes da luta armada. Esse balaio de gatos não poderia dar boa coisa, culminando com a adesão pura e cabal à direita ao longo dos anos 90 com a ascensão do grupo de Lula e Dirceu e a submissão acrítica à institucionalidade burguesa.

Ter influência de massas, porém, dá um plus (ou um "plus a mais", sic, como dizia um professor meu, promotor de justiça) ao PT, uma vantagem em relação aos demais partidos burgueses. Afinal, essa influência de massas habilita o PT a implementar ataques à classe trabalhadora que a direita tradicional (sem tal influência) não conseguiria. A Reforma da Previdência de 2003 é só um exemplo. Com os movimentos sociais manietados, encontra o caminho livre, ao contrário do que se daria sob o demotucanato.

Essa influência sobre massas, portanto, dá ao PT um poder muito mais nocivo. É como o falso amigo, em quem acreditamos poder confiar; o "amigo" vai nos destruindo insidiosamente e, quando caímos na real, é tarde. Diferentemente do inimigo direto, de quem desde já nada de bom esperamos, e portanto contra o qual já estamos preparados. Eleitoralmente, isso nos leva a uma pergunta retórica: sendo o "falso amigo" PT, pelo exposto, mais prejudicial que a direita clássica, é melhor a vitória desta àquele? Claro que não. Que percam ambos. Os marxistas revolucionários devem combater tanto os inimigos quanto os falsos amigos da classe trabalhadora. Nem um nem outro merecem a menor confiança. Setores progressistas costumam considerar os candidatos petistas como sendo o "mal menor", portanto devendo ser apoiados, "sem ilusões" (sic), nos embates com o demotucanato. Já eu penso que

a sociedade brasileira deve ultrapassar essa cultura deletéria de votar no menos ruim, como se isso fosse melhorar a vida do povo. O voto útil (...) é um instrumento deseducativo, rebaixa a política e tende a consolidar projetos que já perderam há muito tempo o compromisso com as transformações sociais.

("Nota política do PCB-SP sobre o segundo turno em São Paulo", 14/ 10/ 2012. Íntegra aqui).

Avancemos: ter tal influência nas massas dá ao PT claro caráter bonapartista.

O bonapartismo clássico (ou "cesarismo", mas levando em conta a impropriedade do termo, pois, na Roma antiga, tratava-se da disputa entre as facções de cidadãos ricos livres, deixando de fora as grandes massas da população) pode ser caracterizado como um governo, em regra baseados nas forças armadas, geralmente com um líder carismático, servindo como "árbitro" da luta de classes -se colocando acima delas- em um momento de instabilidade institucional. Analisando a França do início dos anos 30, Trotsky ("Bonapartism and Fascism", aqui) coloca a questão, com grifos meus:

Thanks to the relative equilibrium between the camp of counterrevolution which attacks and the camp of the revolution which defends itself, thanks to their temporary mutual neutralization, the axis of power has been raised above the classes and above their parliamentary representation. It was necessary to seek the head of the government outside of parliament and “outside the parties.” The head of the government has called two generals to his aid. This trinity has supported itself on its right and its left by symmetrically arranged parliamentary hostages. The government does not appear as an executive organ of the parliamentary majority, but as a judge-arbiter between two camps in struggle.

A government which raises itself above the nation is not, however, suspended in air. The true axis of the present government passes through the police, the bureaucracy, the military clique. It is a military-police dictatorship with which we are confronted, barely concealed with the decorations of parliamentarism. But a government of the saber as the judge arbiter of the nation – that’s just what Bonapartism is.

(Ainda a propósito do conceito ver, dentre outros, "O fenômeno da 'autonomização relativa do Estado' em Trotsky e Gramsci: 'bonapartismo' e 'cesarismo'", de Felipe Demier, aqui).

Ora: não é exatamente como árbitro da luta de classes que o lulodilmismo se comporta? Lula recebe os sem-terra e coloca bonézinho do MST. Fala in continenti ao agronegócio, e diz que os usineiros são herois. E é aplaudido por ambas as plateias. Serve a Deus e ao diabo, o lulodilmismo, uma vela em cada altar. Lincoln Secco, na obra que cito acima, traz passagens emblemáticas. O grifo é meu:

O Governo também contornou a luta de classes ao internalizar os conflitos sociais no aparelho de Estado, dando ministérios tanto aos representantes do capital quanto (pela primeira vez) aos representantes do trabalho (p.206)

O Governo Lula deu autonomia operacional ao Banco Central, seguindo a expectativa dos investidores do mercado financeiro e de governos estrangeiros, assim o lulismo pode ser definido como a forma política em que se movimenta uma contraditória aliança de classes conquistada pelos valores da estabilidade social e monetária simultaneamente. (p.243)

No mesmo sentido, Antonio Carlos Mazzeo, do Comitê Central do PCB (apud "O PT Como 'partido orgânico' da modernização capitalista brasileira - breves notas", aqui):

O PT transforma-se em Partido da Ordem (do capital) e Lula num líder demagógico de conciliação e cooptação de classe e de caráter bonapartista.

O lulodilmismo, enfim, como árbitro da luta de classes, acima delas, agradando a gregos e troianos. Lula "nunca foi de esquerda", palavras do próprio, e repete orgulhoso que nunca os empresários ganharam tanto quanto em seu governo; ao mesmo tempo fala à classe trabalhadora e distribui medidas compensatórias à vontade.

Aliás: o "bolsa-família" aparece no "18 Brumário de Luís Bonaparte". Com a palavra, Marx:

Dinheiro como dádiva e dinheiro como empréstimo, era com perspectivas como essas que esperava atrair as massas. Donativos e empréstimos- resume-se nisso a ciência financeira do lumpemproletariado, tanto de alto como de baixo nível. Essas eram as únicas alavancas que Bonaparte sabia movimentar. Nunca um pretendente especulou mais vulgarmente com a vulgaridade das massas.

Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Das definições dadas acima, se verifica, naturalmente, que o caso brasileiro não constitui um bonapartismo "clássico". Por exemplo, não há que se falar em instabilidade por luta de classes acirrada, tampouco se verifica uma proeminência dos estratos militares. Isso não afasta, porém, o caráter bonapartista do lulodilmismo. Quando muito, pode-se adotar a definição de semibonapartista, em busca de maior exatidão. Mas fica a crítica de Trotsky aos doutrinários, n'"A revolução traída", sobre como nem sempre os fenômenos sociais têm contornos precisos.

O bonapartismo, como diz Trotsky, representa sempre e em todas as épocas os exploradores. A "imparcialidade" do árbitro é sempre ilusória; representa a interesses bem definidos pois não pode, na sociedade de classes, existir nada que seja de fato "acima" delas. O bonapartismo lulodilmista não é exceção: e basta que se observe qual classe foi a maior beneficiada nos últimos anos (lembrando que já estamos na metade final do governo de Dilma). Quanto aos trabalhadores, migalhas e reformas pontuais.
 

Um comentário:


  1. Esse foi o nosso comentário no Nova Dialética, no dia 21/10:


    Salve, Tejo!

    nesse link que você colocou, a gente justamente fala que o PT se tornou um partido burguês, abandonando a nossa caracterização anterior de "partido operário burguês". O conceito de partido operário burguês foi usado pela Internacional Comunista, pra descrever partidos como o Partido Trabalhista inglês (que nem mesmo se dizia socialista, mas que era a expressão política do movimento operário). Mas realmente se torna um conceito problemático quando esse "partido operário" passa a governar durante décadas sem representar nenhum problema pra burguesia.

    Quando você publicar a segunda parte do artigo, a gente republica no nosso blog.

    Saudações Comunistas!

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