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Somos uma organização marxista revolucionária. Procuramos intervir nas lutas de classes com um programa anticapitalista, com o objetivo de criar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, a seção brasileira de uma nova Internacional Revolucionária. Só com um partido revolucionário, composto em sua maioria por mulheres e negros, é possível lutar pelo governo direto dos trabalhadores, como forma de abrir caminho até o socialismo.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

[Bruno Ruivo] Crise e Oportunidade, Crítica e Oportunismo



Estamos publicando o texto do companheiro Bruno Ruivo, militante do PSOL do Rio e independente dentro do partido, com o qual atuamos juntos no congresso da UNE em 2013 e no Fórum de Lutas do Rio, e que esteve presente nos espaços de discussão no Rio preparativos para o Congresso Nacional do PSOL. Este texto é uma análise política do companheiro sobre os problemas políticos no congresso do partido neste ultimo fim de semana.


Crise e Oportunidade, Crítica e Oportunismo
Bruno Ruivo

Por mais desanimador que tenha sido o resultado do IV Congresso do P-SoL, muito pior foram os termos nos quais ele se apresentou. O Congresso tem várias prerrogativas estatutárias, menos a de escolher o candidato do partido aos cargos nacionais. No entanto, essa foi a discussão que incendiou os foros do partido nos meses que antecederam o IV Congresso: quem lançar para a inglória disputa para o Palácio do Planalto de 2014? Pior do que assumir a centralidade da discussão eleitoral foram os parâmetros que essa assunção tomou. O candidato predileto da cúpula majoritária, senador Randolfe Rodrigues do Amapá, era alvo de uma artilharia incessante de acusações pesadas e ofensas amargas, das mais histéricas às mais politizadas. Como ele era pré-candidato, e não réu, restava à sua tropa de choque partir para uma contra-ofensiva de idêntica agressividade, super-compensando o prejuízo dos fatos com um excesso de alarmismo histérico centrando fogo na mais destacada candidata da oposição interna, a ex-deputada federal Luciana Genro, do Rio Grande do Sul. Contra ela dispararam uma barragem de alegações igualmente comprometedoras, sem a virtude de soarem mais convincentes da boca de quem não fosse defensor do senador duvidoso. Sobre Luciana disseram que havia recebido dinheiro da Gerdau, que havia feito coligação com o PV, que havia demorado cinco anos para fazer autocrítica. Disseram nos melhores momentos, revestiram com ofensas das mais cabeludas para incrementar o impacto dos projéteis. Viesse um estrangeiro visitar as pradarias menos cerimoniosas do partido, sairia com a impressão de se tratar de um partido excessivamente eleitoreiro, e pior, dilacerado entre figuras venais, carreiristas, intransigentes e cruéis.

         Nada mais falso. O P-SoL é um partido cheio de defeitos, mas nenhum é tão grande quanto a capacidade dos mesmos obscurecerem suas muitas qualidades. Fosse o P-SoL dotado de uma verticalidade totalitária, a decisão teria pousado a bordo de um satélite despachado da fina flor de uma nomenclatura galacticamente inacessível—e o partido evitaria o tipo de tiroteio personalista que poderia ter impedido o PCB de apoiar Adhemar de Barros em 1946 pro governo paulistano. Fosse o P-SoL abertamente seduzível por minutos no Horário Eleitoral, não estaria os defensores de Randolfe e Luciana trocando acusações de quem se nutriu mais de legendas de aluguel. Fosse o P-SoL petísticamente melindroso em envolver-se com as lutas populares cotidianas, não teriam os adeptos de cada campo—com sucesso (e sinceridade) variados—se desdobrado para apresentar suas credenciais de protagonistas das jornadas nas ruas. Fosse o P-SoL um partido burguês, em proporções tucânicas, as desavenças se resolveriam num luxuoso jantar farto em hors d’oeuvres e cargos (públicos, privados e “híbridos”) para os contendentes petiscarem. Em suma, o P-SoL é um partido necessário pelos problemas que se dispôs a ter e um partido em crise pela forma com os administra.

         Mas por trás das barricadas de atas suspeitíssimas, da infantaria de claques tonitruantes, da artilharia de burocratas robóticos, do enxadrismo de caciques encastelados, o Congresso do P-SoL revelou uma fertilidade na proporção do fedor do estrume. O Ocupa P-SoL reproduziu debaixo das narinas da cúpula o tipo de manifestação permanente que o Brasil testemunho no decurso do proveitoso ano de 2013. Os coreógrafos da ópera bufa foram forçados a confrontar a indômita insolência de uma intrépida juventude de todas as idades, esconjurando o conclave burocrático pelo preço proibitivo do “ingresso”, pela inundação de fraudes que manchou o processo eleitoral das delegações, pela maneira acintosa pela qual o campo “majoritário”, batizado de Unidade Socialista (será que quem inspira dissidências sempre apela para a “unidade”?), tergiversou a favor das inescusáveis posições capitulacionistas que o presidenciável Randolfe assumiu nos momentos mais dramáticos das ruas. Os irredutíveis da base regressaram aos lares com um apetite incontrolável para posturas audazes: estatutariamente, é a Convenção que escolhe o candidato; por que não apoiar Mauro Iasi, candidato do PCB?; não seria mais estratégico se concentrar em eletrizar a luta nas ruas e deixar as eleições no seu devido tempo distante e na sua merecida importância limitada?; e em todo caso, ninguém pode ser forçado a militar para um Randolfe que desprezou a militância para comparecer a uma sessão da tarde com a Leiloadora da República.

         Perante as intestinais convulsões que o Congresso suscitou, o partido se vê espremido pelas náuseas desgastantes de conhecer os meandros mais desagradáveis de suas entranhas burocráticas e pela digestão restauradora que se anuncia depois que os detritos incômodos foram politicamente evacuados pelo cotidiano dos enfrentamentos com o sistema. A composição da Executiva e do Diretório Nacional do partido exemplifica a um só tempo a pírrica vitória da Unidade Socialista e a solene desimportância da própria composição quando esta se contrastar com o tipo de P-SoL que emergirá das ruas. Dos dezenove cargos na Executiva, nove ficaram para a Unidade Socialista e os oito restantes pertencem ao cada vez mais encorpado Bloco de Esquerda e aliados recentes. Dos 61 lugares no Diretório, 32 ficaram para a Unidade Socialista e outros 29 foram ganhos por seus adversários. O presidente do P-SoL passa a ser Luiz Araújo, onipresente assessor da fina flor dos figurões da US em cargos públicos, mas a importância desse dado se resume na possibilidade do distinto ser o menos relevante presidente que a agremiação já teve. Nem Prestes, nem Dirceu, Brizola menos ainda: se quiser extrapolar sua burocrática importância, poderá no máximo sonhar em ser Giocondo Dias, cuja supremacia só se fará em detrimento do tamanho quantitativo e da ideologia qualitativa de sua legenda.

         O Congresso do P-SoL exigiu um esforço tão hercúleo da US para manter sua maioria que eles se expuseram para além de qualquer limite e esgotaram toda a munição e credibilidade que lhe daria solidez para cavalgar o touro que eles atiçaram. Até o próximo Congresso ficarão perpetuamente na defensiva, não obstante o triunfalismo boquirroto com qual sapateiam sobre a cova vazia dos seus adversários, esgotando as poucas energias restantes em bravatas inanes que só conseguem reforçar a pecha de despolitizados obcecados com vitórias a qualquer preço. Pautarão as bases com a mesma desenvoltura que organismos mais poderosos que seu clero, a Mídia e o Planalto, e colheram fracassos similares. O P-SoL terá que recomeçar o partido quase do zero—mas ao menos se mostrou disposto a tanto, mais do que se mostrara até agora, e já se fazia necessário. Se a agremiação não havia percebido a importância de repensar o papel dos partidos na esquerda radical com a crise da legenda que antes se fazia nítida, agora a percebe urgente que a mesma crise, no pós-Congresso, fez-se fosforescente.

         O Congresso fantasticamente desperdiçou a chance de reverter a crise em sua nitidez, mas forçou o partido a golpeá-la em sua fosforescência. O IV Congresso poderia ter criado, como nunca antes na História desse País, um P-SoL capaz de intervir nas jornadas de rua. Ao fracassar, permitiu que as jornadas de rua interviessem no P-SoL. A partir de agora, o IV Congresso terá seu legado disputado pela tendência paralisante do resultado numérico contra o efeito revolucionário da reação político. Caberá ao partido dar ao Congresso a importância que merece. Se trata-lo de acordo com a consistência dos seus horizontes de discussão, a ação cotidiana dará um lição seríssima na estrutura. Nem sempre “a ação faz a vanguarda”—pelo contrário—mas pela primeira vez em muito tempo essa máxima marighellista terá veracidade pela conformidade com a onipresente veracidade do brocardo marxista, “a prática é o critério da verdade”. Na consonância de dois aforismas habitualmente discrepantes reside a esperança de relevância do P-SoL para a revolução socialista para o próximo ano.

  Existem chances para tamanha reviravolta? Poderá o P-SoL crescer em detrimento da manutenção da candidatura ou esta última crescerá em prejuízo daquele primeiro? Creio que sim. Algumas forças no P-SoL mostraram uma sapiência absolutamente incomum para suas trajetórias. A Insurgência, nascida da fusão do C-SoL com o Enlace, se recusou a cair na disputa personalista pelo horizonte do Planalto, embora tivessem preferência clara pelo nome do Renato Roseno, preferindo até o último minuto privilegiar o debate sobre a natureza do P-SoL. Chegaram a inclusive a se abster da escolha de pré-candidato, por entender que o debate estava feito sob lógicas tortas—e se os defensores da Luciana tivessem feito o mesmo, teriam forçado o Randolfe a enfrentar o vexame de se ver sagrado por um plenário vazio como nome único, a se somar ao largo rol de crises de legitimidade que assolam a esguia maioria da US. Os coletivos mais apaixonadamente lucianistas, MES e CST, formidáveis atribuidores de culpa pelas suas gloriosas derrotas, conseguiram resistir, de maneira geral, à tentação de sustentação de rancores contra a ausência de potenciais aliados, para se concentrar em tarefas de desobediência civil, via base ou via Iasi. Os dissidentes da esquerda da APS foram arremessados à órbita do Bloco rebelde pela malcriada intransigência de seus ex-compadres. O fleumático parlamentar Chico Alencar recusou a convocação para erigir-se em santo guerreiro contra o dragão do impasse para, num gesto de aparente desprendimento ou possível auto-importância, oferecer a chance ao partido de enfrentar seu pior desafi—por ora—sem apelar ao surrado recurso ao nome ilustra para desempatar o fratricídio—o tipo de conjuração messiânica que permitiu que Lula fosse por trinta anos o Mickey Mouse na Disneylândia da unidade petista.  Ao lado de Marcelo Freixo, publicizou a regimentalmente salutar e politicamente sadia opção pelas prévias partidárias, que, se derrotada pela intratabilidade das mesas, venceu politicamente o confronto perpétuo entre a valorização dos métodos contra as figuras. Assim, permite-se a consolidação de um processo decisório baseado em princípios e não resultados—e com isso, o P-SoL pode exorcizar a perene maldição suprema das instituições públicas brasileiras, o casuísmo. Que a julgar pela forma com que randolfistas e anti-randolfistas consumiam seus esforços em deslegitimar as atas que não lhes convinham, esteve—e ainda está—muito próximo de engolir nosso partido como faz com tudo que nessa terra brotou desde a cana-de-açúcar.

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