Identidade
Jorge Aragão
Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai...
Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história
(2x)
Se o preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
Se o preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
Quem é negro no Brasil?
Um
dos argumentos mais tradicionais da direita contra a própria existência
do movimento negro é o de que, no Brasil, não existem raças, e que todo
o debate sobre o racismo é "importado" dos EUA, onde realmente existe
uma divisão racial. Ao mesmo tempo, alguns setores do movimento negro
usam a lógica que a gente poderia dar o apelido de "passou de
branco é preto", caindo na armadilha dos setores de direita, já que a
grande maioria das pessoas que "passaram de branco" não se reconhecem
como negras. Isso faz essas pessoas (talvez 30% da população do Brasil,
segundo o IBGE) acharem que o movimento negro está totalmente fora da
realidade do país. Esse tipo de argumento é constantemente usado para
atacar as cotas, e todas as formas de luta contra o racismo.
Para
nós, do Coletivo Lênin, o racismo tem um papel fundamental para a
manutenção do capitalismo no Brasil. A superexploração e o preconceito
contra os negros divide os trabalhadores, deixando mais fácil que todos
eles sejam mais explorados ao mesmo tempo. A resposta à questão de como
definir quem é negro no Brasil é essencial para entendermos o papel do
racismo no país.
E,
na verdade, o critério do "passou de branco é preto" é a "tradução" do
critério americano de "uma gota de sangue". Nos EUA, em que existiu uma
segregação legal
dos negros, com proibição de casamentos interraciais até a década de
1960, o que definia alguma pessoa como negra era a sua linhagem. Nos
EUA, portanto, a questão negra é étnica, acima de tudo.
No
Brasil é completamente diferente, por dois motivos. O primeiro é que os
negros nunca foram uma pequena minoria, como nos EUA. A grande maioria
do povo brasileiro tem algum ascendente negro. Houve uma miscigenação muito grande, que impede que critérios "puros" sejam usados pra classificar as pessoas. O segundo motivo é que nunca existiu segregação racial aberta e legal no Brasil, apesar de algumas poucas exceções. Muito pelo contrário, toda a segregação no Brasil sempre foi feita com
eufemismos e indiretas ("boa aparência", "elevador de serviço", "favelados").
Esses
dois motivos impedem que exista uma consciência clara do racismo na
grande maioria do povo, inclusive nos negros. E são a explicação
fundamental para a ausência de movimentos de massas abertamente ligados à
questão negra no Brasil, diferente dos EUA e de países como a África do
Sul.
Dito
isso, então temos que perguntar: então, o que define alguém ser negro
no Brasil. E qual papel essas condições têm no desenvolvimento da luta
contra o racismo?
No Brasil, diferente dos EUA, o modelo principal foi o embranquecimento, e não a segregação.
Como
desde cedo existiu uma grande quantidade de negros no Brasil (que era
uma exigência do modo de produção escravista colonial), sempre aconteceu
uma miscigenação muito forte da população. A estratégia das elites
sempre foi jogar esses miscigenados (que vivem em condições sociais e econômicas quase iguais à dos negros) contra os negros, dizendo que eles
são "brancos" como a elite (e portanto não "mereciam" o tratamento
brutal dado aos escravos). O principal instrumento para isso era a
negação, estigmatização e satanização da cultura negra (cortes de
cabelo, roupas, religião, música, comida etc). Os miscigenados, que não
têm a aparência com todos os traços dos negros africanos,
passavam a ser aceitos, desde que tivessem "alma branca". De uma forma hipócrita, as classes dominantes brasileiras fingem que usam o critério oposto ao dos EUA, ou seja, "passou de negro é branco".
Então,
existem duas formas de ser negro no Brasil. Uma delas é ter a aparência
física (fenótipo, como diria a biologia) de um negro africano (uns 10%
da população, segundo o IBGE). Nesse caso, a pessoa está sujeita à
discriminação em qualquer lugar que for. A outra é sendo como cerca de
30% dos brasileiros hoje (os "pardos" do IBGE), mas assumindo parcial ou
totalmente a cultura negra (praticando o candomblé ou a umbanda, usando
dreadlocks, ouvindo funk ou pagode, jogando capoeira etc etc etc).
Nós
dissemos várias vezes, quando os racistas dizem que é impossível dizer
quem é negro no Brasil, que a polícia não tem dúvida nenhuma na hora de
dar uma dura. Depois dessa explicação, podemos dizer quem
a polícia escolhe na hora de dar uma dura: uma pessoa com a aparência
de africano ou uma pessoa miscigenada que esteja ostentando as marcas da
cultura africana.
Ou
seja, a polícia não vai dar dura no cara de cabelo enrolado que está
saindo de um concerto de piano, mas vai dar num que estiver saindo do
pagode ou, mas provável, de um baile funk. Não vai dar dura numa pessoa
de pele morena com uma bíblia na mão, mas certamente vai dar num cara
com contra-egum. Não vai dar dura numa mulher de cabelo alisado, mas vai
dar numa de dread. Não vai dar dura num cara de lábios grossos e nariz
achatado que faça esgrima, mas vai dar num que jogue capoeira.
Qual a consequência política disso?
A
maior consequência de todos é pressão constante para o embranquecimento
cultural do povo. Diferente dos EUA, em que já existe uma parte da
população que é vista por todos como negra, no Brasil é preciso todo um trabalho político e ideológico pra desembranquecer as pessoas. Então, a luta dos negros e de todos os trabalhadores contra o racismo tem um aspecto cultural inseparável,
que o movimento e as organizações são obrigadas a levar em conta.
A classe dominante tenta convencer os trabalhadores a fingirem que são brancos para
sofrer menos racismo, negando a sua identidade, isolando e se jogando contra as necessidades dos negros. Pelo contrário, o papel dos revolucionários é lutar politicamente e ideologicamente para os trabalhadores assumirem a sua identidade e lutarem contra o racismo que prega o embranquecimento.
Só podemos eliminar o racismo quando os trabalhadores negros romperem com a ideologia do embranquecimento, e convencerem os trabalhadores brancos da necessidade da luta contra o racismo, para unir os trabalhadores e isolar a classe dominante brasileira, fundamentalmente branca.
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