J. Tejo, militante trotskista do PCB, abriu um diálogo com o CL, a partir do seu blog novadialetica.com, sobre a nossa resolução sobre a caracterização dos assim chamados Estados Operários Burocratizados. Nós achamos que isso é muito positivo, porque a unificação dos comunistas em um partido revolucionário dos trabalhadores só pode acontecer atravéss um grande processo de discussão e de lutas conjuntas.
Publicamos aqui o texto do companheiro, e abaixo fazemos alguns comentários:
Diálogo com o Coletivo Lênin
(as nossas teses aparecem em negrito)
a) a burocracia não é uma classe dominante, porque ela tem uma base superestrutural, e não está enraizada nas relações de produção. Por isso mesmo, a longo prazo, o interesse da burocracia é restaurar o capitalismo e se tornar burguesia
Exato. A burocracia não é "classe", e sim "casta".
Em "Uma vez mais, a URSS e sua defesa", em polêmica com Craipeau, Trotsky diz: "Admitamos por um momento que a burocracia seja uma classe no sentido que este termo tem na sociologia marxista. Neste caso, encontramo-nos perante uma nova forma de sociedade de classe, que não é idêntica nem à sociedade feudal, nem à sociedade capitalista, e que jamais tinha sido prevista pelos teóricos marxistas".
Conceber a burocracia como uma nova classe é conceber um novo sistema de produção, que não seria feudal, capitalista, nem socialista, mas sim algo totalmente novo.
Há que se observar:
a) para Trotsky, mesmo que se tratasse de uma nova classe, seria uma classe qualitativamente superior à burguesia- pelo desenvolvimento das forças produtivas que obteve, "sem igual na história".
b) além do desenvolvimento econômico, Ted Grant, em "Contra a teoria do Capitalismo de Estado", fazendo referência à "Revolução traída" de Trotsky, cita também, como parte do papel progressista da burocracia, a defesa do país.
A burocracia não é classe, pois a propriedade dos meios de produção é do Estado. O capitalismo, ao contrário, pressupõe a propriedade privada dos mesmos.
A burocracia é casta, na medida em que se trata de um grupo, uma camarilha, uma fração da sociedade que usurpou o poder soviético; é a "gerente" do Estado Operário, tomando a primazia que, em uma experiência socialista não-degenerada, pertenceria diretamente à classe trabalhadora.
Não sendo proprietária, cedo ou tarde a burocracia irá querer sê-la. Afinal, "não basta ser gerente, é preciso ser acionista"- e eis a restauração do capitalismo pelas mãos da própria burocracia.
b) a economia da URSS e dos chamados Estados Operários Deformados não é capitalista, porque não funciona segundo as leis do mercado, e sim pela planificação burocrática
A economia é socialista, pois além da propriedade estatal dos meios de produção, há o retorno social do produto do trabalho (isto é, não há apropriação privada). Novamente citando Grant, penso que "Sob o socialismo, como sob o capitalismo, o sistema de produção será social, mas, diferentemente do capitalismo, também haverá um modo social de distribuição. Pela primeira vez, a produção e a distribuição estarão em harmonia". Grifo no original.
Na "Revolução traída", Trotsky dá os elementos que caracterizam a URSS como Estado Operário: "A nacionalização da terra, dos meios de produção industrial, do transporte e do intercâmbio, junto ao monopólio do comércio exterior, constitui a base da estrutura social soviética. Mediante estas relações estabelecidas pela revolução proletária, a natureza da União Soviética, como Estado proletário, está fundamentalmente definida para nós".
A planificação (sem o adjetivo "burocrática") é imprescindível nisso, haja vista que rompe o paradigma do laissez-faire capitalista.
c) a planificação burocrática não é uma forma de propriedade proletária ou socialista. A forma de propriedade socialista é a planificação controlada por comissões de fábrica e sovietes. A planificação burocrática, no começo do processo de industrialização pesada, é progressiva em relação ao capitalismo, mas não consegue absorver e organizar bases produtivas mais avançadas. A partir da revolução microeletrônica (década de 60 e 1970), a planificação burocrática atingiu o seu limite de eficiência na produção, e então se tornou regressiva em relação ao capitalismo. A única solução seria estabelecer a planificação socialista controlada pelos comitês operários, o que não aconteceu.
Penso que as resoluções caem em contradição aqui: a planificação burocrática não é proletária ou socialista (conceito que tomo como sinônimos); mas, ao mesmo tempo, no item "b" acima é dito que "a economia da URSS e dos chamados Estados Operários Deformados não é capitalista, porque não funciona segundo as leis do mercado, e sim pela planificação burocrática".
Ora: se não é capitalista e também não é proletária/ socialista, se trata de qual tipo de propriedade?
Penso eu que o problema não é econômico (partindo do princípio de que a planificação é, sim, proletário/ socialista) e sim político: a planificação não teve à frente a classe trabalhadora, mas sim a casta burocrática.
O socialismo não é apenas a propriedade social dos meios de produção; mas também a classe trabalhadora no poder. Haveria dois requisitos, um objetivo e outro subjetivo, se é que podemos dizer assim: a) a economia socializada; b) economia esta sob a direção da classe trabalhadora.
Não preenchendo esses requisitos, teríamos uma experiência degenerada.
Importante, aqui, frisar o seguinte: "estatização" não é, necessariamente, sinônimo de "socialização". Se fossem sinônimos, como diz Marx, o reacionário Bismarck seria o maior socialista da Europa, por ter...nacionalizado os correios. Daí a fundamentalidade da estatização sob controle operário.
Estatização é sinônimo de socialização, apenas caso se trate de um Estado Operário.
d) Devido ao caráter da planificação burocrática, a revolução contra a burocracia é social (muda as relações de produção) e não somente política. Para a revolução contra a burocracia ser vitoriosa, deve destruir o aparato estatal e criar outro, baseado nos sovietes e no armamento do povo.
Se, como penso eu, a planificação é própria da economia socialista, então a tarefa não é derrubar a planificação, e sim a casta burocrática que tem dado os rumos dessa planificação.
Destruir o aparato estatal, penso, é dizer que aquele aparato não é socialista; não se estará falando, portanto, em um Estado Operário degenerado, mas em outra coisa.
É evidente que a classe trabalhadora, uma vez no poder, deve não se apoderar do aparato estatal burguês, mas destruí-lo, erguendo outro em seu lugar. Daí dizer Marx, no "18 Brumário": "Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina [estatal], em vez de a destruir". Isto é, "a idéia de Marx é que a classe operária deve quebrar, destruir a 'máquina do Estado', não se limitando apenas a assenhorear-se dela", como diz Lênin em "Estado e Revolução".
Contudo, isso se aplica à tomada do Estado Burguês. Se o Estado Operário degenerado, mesmo degenerado, é Operário, não há que se falar em sua destruição para erguimento do outro.
Usando o jargão popular, devemos jogar a bacia com a água suja, e não a criança junto com a água suja.
e) Apoiamos todas as lutas contra a burocracia, inclusive por demandas democráticas, a menos que tenham um caráter abertamente pró-capitalista. Em todo caso onde for realmente possível lutar pela diferenciação política do movimento, levando ao surgimento de uma ala antirrestauracionista, não defendemos a repressão contra a base (que temos que ganhar para a perspectiva da revolução), e sim somente contra a sua direção. Nós só defendemos a repressão contra um movimento inteiro, incluindo a sua base, se o movimento se organizar abertamente em torno de um programa reacionário (xenofobia, racismo etc).
Penso que a "demanda democrática" é inerente ao socialismo, se é o socialismo, como penso eu, "o mundo onde o homem se sente em casa" (Fromm). É por isso que considero redundantes expressões como "socialismo democrático", dado que não pode haver sistema de produção mais democrático que o socialismo.
Se há necessidade de uma "demanda democrática" dentro do socialismo, é porque claramente estamos diante de um experiência degenerada.
Qualquer cerceamento democrático, no socialismo, só faz sentido em um momento de exceção- guerra aberta, contrarrevolução. Mas tais medidas de exceção até o ordenamento burguês prevê, como se vê por exemplo nos arts. 136- 139 da Constituição brasileira.
Então eu diria, "apoiar as lutas contra a burocracia, PRINCIPALMENTE por demandas democráticas". Pois uma das armas para que a burocracia se mantenha no poder é o estado de medo e de censura imposto à classe trabalhadora.
Os movimentos essencialmente pró-capitalistas, por outro lado, não podem ser apoiados; em uma economia socialista, têm caráter reacionário (equiparando-se, no caso, aos exemplos da resolução: xenofobia, racismo). Frisei o "essencialmente", porque determinadas demandas, mesmo de movimentos pró-capitalistas, podem, conforme a situação, ser apoiadas. Em todo caso, se trataria de um apoio qualificado, diferenciado, puxando a base para a perspectiva da derrubada não do socialismo, e sim da burocracia.
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Resposta do Coletivo Lenin ao camarada Tejo do PCB:
b e c) Não consideramos que a economia não é socialista. O companheiro pergunta: então é o que, se também dizemos que não era outro tipo de sociedade de classes?
Nós achamos que era uma formação social híbrida ou, como Trotsky definiu, em A Revolução traída, "uma sociedade de transição entre o capitalismo e o socialismo". Ou seja, havia sido dado um grande passo até o socialismo (a expropriação da burguesia), mas esse grande passo não é suficiente para estabelecer o socialismo.
Parece que o companheiro vê a contradição como sendo entre a economia (socialista) e a superestrutura política (totalitária). Nos parece que ele vê as coisas assim porque analisa as formas de propriedade, e não as relações de produção, o que seria o correto a fazer. O socialismo, como modo de produção, é o "autogoverno dos produtores" (Marx). Ou seja, é baseado no controle das empresas e da planificação pelos trabalhadores, o que não é garantido pela economia estatizada, mesmo se a burguesia já tiver sido expropriada. Só com o controle do próprio processo de produção pelos trabalhadores, é que podemos falar em socialismo, do nosso ponto de vista.
d) sobre o Estado: foi justamente um dos elementos mais importantes que nos levaram a questionar o conceito de "Estado Operário burocratizado". Lênin define, em O Estado e a Revolução, o estado operário por três características:
- ser formado por sovietes
- ser baseado no armamento do povo
- revogabilidade da burocracia
Para criar essa estrutura na URSS e nos outros países do Leste Europeu, seria necessário destruir o aparelho de Estado. A maior prova disso foi a Revolução Húngara de 1956, onde houve divisão das forças armadas e formação de conselhos operários (ou seja, dualidade de poderes). Isso é muito semelhante ao que acontece numa revolução contra um Estado burguês, com a única diferença de que não é preciso expropriar a burguesia. E isso acontece porque, mesmo se dizendo "países socialistas", nestes países o aparelho de Estado era muito semelhante ao do estado burguês.
e) nos parece que a formulação do tejo é melhor que a nossa. A experiência mostrou que, em todos os movimentos contra o stalinismo, a luta pela liberdade de organização e pelas liberdades democráticas era vista como um pré-requisito para tudo mais.
8 de agosto de 2011 19:06
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