No domingo, dia 31/07, finalmente os partidos Republicano e Democrata chegaram a um acordo sobre o aumento do teto de endividamento dos EUA. Esse acordo contém a elevação do endividamento em 2,4 trilhões de dólares (mais do que o PIB do Brasil em 2010!), e a aceitação da exigência dos republicanos, que era de não aumentar impostos, principalmente para os ricos.
O acordo, depois de negociações duras, impediu que os EUA dessem um calote geral, por não terem dinheiro para pagar as suas obrigações, o que ia transformar a crise mundial (de que todos os países ainda estão se recuperando) numa catástrofe econômica generalizada.
A mídia empresarial, aqui no Brasil representada principalmente pela Globo e pela Veja, correu para celebrar os cortes de gastos públicos. A hipocrisia desses palhaços não tem limite: não se cortou nenhum centavo dos gastos militares, não se aumentaram os impostos sobre os mais ricos (e foi isso que permitiu o acordo com os republicanos). A facada vai ser nos serviços públicos que atendem principalmente à classe trabalhadora.
O aumento do endividamento vai se baseado no corte de gastos do governo, para aumentar o caixa. Como ninguém nasceu ontem, isso quer dizer cortes em todos os serviços públicos que não estejam ligados ao setor militar. Essa situação pode levar à resistência de setores do funcionalismo, como aconteceu com os professores de Wisconsin, em fevereiro.
Além de ver como isso vai afetar a vida dos trabalhadores no Brasil e no mundo, queremos falar um pouco sobre o papel da dívida pública dos EUA, como ela chegou até esse ponto, e qual o significado disso.
O sistema monetário internacional é o resultado da luta entre as potências imperialistas
A partir do começo do século XX, a expansão dos mercados chegou ao seu limite. Todo o mundo foi dividido entre as áreas de influência de um punhado de países. Dentro dessas áreas, começou um processo lento de industrialização, sob dependência de cada metrópole. Essa divisão do mundo para ampliar os mercados, que foi feita por governos controlados pelos grandes monopólios industriais e bancários, nós chamamos de imperialismo.
Com isso, foi preciso organizar as relações entre os países imperialistas, ainda mais depois da Primeira Guerra Mundial, que foi causada pelas disputas por mercados. Depois da Revolução Russa, e da abolição do capitalismo em um sexto do mundo, as grandes potências não podiam se dar ao luxo de se autodestruírem em outro conflito mundial, que desse margem a novas revoluções socialistas.
Primeiro, foi criada a Sociedade das Nações (que Lênin chamou de "Sociedade dos Ladrões"), depois a ONU, com o fim da Segunda Guerra, para servir de espaço onde poderia haver negociação entre os países, e os países dependentes tiveram representação nessas organizações, para criar uma imagem de que elas representavam todos os povos do mundo.
Economicamente, no fim da Segunda Guerra, foram feitos os acordos de Bretton-Woods, em 1944. Antes de Bretton Woods, o câmbio entre os países era baseado no ouro, e isso refletia a estabilidade no mercado mundial que existia na época.
O padrão surgido em Bretton Woods refletia o papel de hegemonia dos EUA no bloco capitalista, depois da devastação da Europa na guerra. Por isso, o padrão adotado foi o dólar-ouro. Isso queria dizer que o valor do dólar era igual ao do ouro, eeles podiam ser convertidos diretamente (conversibilidade).
Mas a competição entre os países capitalistas não pára nunca. Com a reconstrução das economias, a Alemanha e o Japão se tornaram adversários dos EUA na produção mundial. Por isso, a posição dos EUA se aproximou cada vez mais deles. Isso fez com que o padrão dólar-ouro perdesse a sua base real.
Tudo aconteceu através da inflação crescente nos EUA. Essa inflação desvalorizou o dólar. Por isso, em todos os países, os investidores preferiram comprar ouro com os dólares, já que o valor do ouro é menos sujeito a flutuações, por ser baseado na sua produção real. Essa movimentação fez com que as reservas de ouro dos EUA diminuíssem muito.
A resposta, em 1971, foi o rompimento americano com a conversibilidade do dólar. Ou seja, o calote! Desde então, se estabeleceu o padrão-dólar. Justamente por não se basear em uma mercadoria (como o ouro), esse padrão permitiu o crescimento sem freio da especulação e da financeirização da economia (a "fuga" do dinheiro, que sai da economia real e vai para os mercados financeiros). Foi a origem do mundo em que vivemos até hoje.
As causas da dívida
A inflação nos EUA foi gerada pela emissão de créditos pelo governo e pelos bancos. Como os EUA emitiram dinheiro para financiar o consumo da população e das grandes empresas, isso acabou desvalorizando o dólar. Por isso, os EUA romperam os acordos de Bretton Woods, em 1971, ao não aceitarem mais a conversão automática de dólar em ouro. A conversão ia fazer todo mundo vender dólares para comprar ouro, o que quebraria as reservas de ouro dos EUA.
No capitalismo tardio (período que começa depois da Segunda Guerra), o grande desenvolvimento tecnológico criar uma superprodução cada vez maior de mercadorias. Para que essa superprodução seja vendida, os governos usam o crédito para aumentar o poder de compra.
Até a década de 1960, os países imperialistas puderam usar os países do Terceiro Mundo, onde a produção ainda não era capitalista (era predominantemente feita por camponeses que produziam sob relações precapitalistas), para escoar a sua superprodução. A partir do final da década de 1960, a grande maioria dos países do Terceiro Mundo já tinha a sua economia estruturada em relações capitalistas, com a avanço do latifúndio capitalista produtor de materias-primas. Por isso, não era mais possível usar esses mercados para escoar a superprodução.
Isso tinha sido previsto pela revolucionária Rosa Luxemburgo, na segunda década do século XX. Segundo Rosa, a partir do momento em que não exisitsse nenhum mercado não-capitalista no mundo, o capitalismo entraria em colapso, por não ter mais como se expandir.
A partir dessa época (final dos anos 1960), o capitalismo entra em crise estrutural (Rosa estava certa em relação ao desenvolvimento, mas não em relação ao colapso imediato). E os Estados precisam criar "mercados" artificiais para escoar a superprodução.
Nesse contexto, o endividamento público serve para aumentar o poder de compra do Estado, jogando para o futuro a responsabilidade de pagar pela produção. Logicamente, isso não resolve as contradições do capitalismo, porque o tal futuro vai chegar, mais cedo ou mais tarde.
Quais são as alternativas?
Não queremos dizer que não existe jeito de acabar com o endividamento estatal. Mas as soluções são piores que o problema. Todas elas teriam que passar pela desvalorização de todo o excesso de produção. Isso poderia acontecer através de uma guerra mundial, que destruísse as forças produtivas, ou através de uma depressão sem precedentes na história, que levaria ao colapso a economia mundial.
O crédito para bancos e empresas serve para impedir uma série de falências que poderiam levar à depressão. Mas não é nem uma solução verdadeira, nem resolve nada do ponto de vista dos trabalhadores.
De um ponto de vista comunista, a solução só pode ser o fim do capitalismo, um sistema que já esgotou o seu limite. Isso não quer dizer que o CL tenha uma atitude de quem está de fora do movimento, criticando cada luta real por não ser "radical" o suficiente. Isso seria a atitude de uma seita.
O que uma organização séria deve fazer é participar de todas as lutas contra as consequências do capitalismo (desemprego, fechamento de empresas, especulação etc), unindo as reivindicações imediatas com a luta por medidas anticapitalistas. Por exemplo:
- controle dos trabalhadores nas empresas falidas
- redução da jornada de trabalho, sem redução de salário, até acabar o desemprego
- comitês de donas de casa contra o aumento dos preços
- impostos fortemente progressivos sobre os lucros
- abertura das contas das empresas, sob controle de comitês de trabalhadores
Só com a luta anticapitalista sendo levantada por uma ala do movimento de massas, será possível unificar as organizações revolucionárias, que estão isoladas atualmente, e construir partidos revolucionários, com maioria de mulheres e dos setores mais explorados da classe trabalhadora.
E a construção de partidos revolucionários, na época do imperialismo, só pode acontecer junta com a luta por um novo Partido Mundial da Revolução Socialista, a Internacional.
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